Quando pensava em Noel Rosa, quem me vinha à mente era um magrelo sem queixo com um cigarro na boca. Essa era toda a informação que eu possuía a respeito de um dos maiores compositores brasileiros de todos os tempos. E isso mesmo depois de eu já me acreditar um deles, por rabiscar e rasurar as primeiras tentativas de letras. O tempo foi passando e alguns conhecidos meus começaram a dizer que o que eu escrevia lembrava algumas letras de Noel. Aí eu, do alto de minha ignorância, ficava meio sem graça, sem saber se aquilo era um elogio ou uma ofensa. No fundo, chegava mesmo a me sentir irritado, pois eu queria era ser comparado a Chico Buarque. Mal sabia eu que Noel fora uma das maiores influências de Chico.

Chegando em casa, afobadamente pus o danado pra tocar. As gravações eram todas (acho que todas) da década de 30 e, portanto, sonoramente bem precárias, distantes milênios da qualidade a que meus ouvidos estavam acostumados. Contudo, não é que o bendito CD me fisgou? Passei muito tempo ouvindo-o, a ponto de decorar as canções. Uma delas eu cantava imidando a frágil voz de Noel, Malandro Medroso. Ele a cantava quase falando, e os versos eram deliciosamente (e desbragadamente) calhordas: "Eu devo, não quero negar/ mas lhe pagarei quando puder/ se o jogo permitir/ se a polícia consentir/ e se Deus quiser/ [...] A consciência agora que me doeu/ eu evito concorrência/ quem gosta de mim sou eu/ Neste momento, eu saudoso me retiro/ pois seu velho é ciumento/ e pode me dar um tiro [...]". Esta era muito parecida às coisas que eu escrevia na época. Ouvindo-a, notei como ele influenciou muita gente, inclusive no jeito de cantar. Ouçam Noel e me digam se Luiz Tatit não bebeu dessa fonte.

Posso dizer que, após pesquisar e conhecer razoavelmente bem a obra de Noel, tomei gosto pela pesquisa musical e passei a adquirir outras maravilhosas "velharias". Mas ainda não estava satisfeito. Ao descobrir que havia uma biografia a respeito de Noel que era considerada a mais completa, pus-me a fuçar livrarias e sebos, em vão. Apesar da importância da obra, o livro estava fora de catálogo. Escrito por João Máximo e Carlos Didier, Noel Rosa - uma Biografia passaria a ser minha obsessão. Cheguei a encontrá-lo no Rio, na casa do compositor Daniel Gonzaga, e, confesso, fui tomado por um desejo de furto que não me acometia desde os áureos tempos infantis, quando roubava gibis das bancas. Mas contive o ímpeto. Por essas e outras, caí num pranto de dar dó quando, há alguns anos, em pleno dia de meu aniversário, ganhei-o de Kana, que o havia encontrado numa livraria minúscula vizinha à casa de uma amiga, no bairro da Aclimação.

Contudo, a ideia que motivou a escolha do trabalho não foi lá muito nobre. Nasceu de um simples detalhe: o fato de terem Noel Rosa e Carlos Gardel nascido no mesmo dia (em anos diferentes, claro), 11 de dezembro, portanto, eram sagitarianos, como eu. Depois, lendo a biografia de Gardel, soube que seu nascimento (e, consequentemente a data deste) sempre esteve envolto em mistério e polêmicas. Mas essa é uma história que não cabe aqui, embora tenha sido abordada ligeiramente em meu trabalho. Também em meu trabalho comentei a respeito da tristeza de ver nos dias correntes a molecada ter como ídolos os falsos sambistas do pagode e desconhecerem por completo o cara que revolucionou o samba (e a música brasileira em geral): meu mano Noel Rosa.
***
Se antes de conhecer a obra de Noel diziam que as letras que eu compunha eram parecidas com as dele, depois que a conheci, só de sarro, compus algumas, agora propositalmente, imitando-lhe o estilo. Resgatei uma delas:
ESTADO DE VÁCUO
Resolvi educar minha barriga
Pra evitar briga
Na hora da refeição
Quanto mais dou bronca
Mais ela ronca
Todo mundo ouve a discussão
Só pra deixá-la sempre na ativa
Bebo saliva
Roo a unha até o talo
Vivo a assoviar
Pra ela se animar
E até engulo o que falo
Eu fico com cara de louco
E ela ainda achando pouco
Dá um ronco maior
Já não respeita mais o seu senhor
Dá um ronco maior
E eu rio pra zombar da sua dor
Eu tentei roubar um osso de um cachorro
Quase que morro
E ele ainda ganhou a briga
Pra me alimentar
Já tô comendo ar
Se mudou a última lombriga
***
É verdade...
ResponderExcluirVc tem o humor do Noel. Aliás, eu já havia reparado nisso quando ouvi alguma músicas suas c/ seus parceiros!
Essa forma de "cronitizar" letras é característica sua, que o faz com mestria.
Sempre achei o Noel um cara estranho, pois sua biografia me deixava má impressão da personalidade dele.
As músicas dos parceiros, principalmente as de Vadico (tão injustamente esquecido nessa comemoração centenária)Cartola, Ismael Silva, Braguinha, Lamartine Babo, Orestes Barbosa, Wilson Baptista, deram força melódica, enriquecendo as letras do Noel.
Talvez por ser uma romântica, não me identifiquei de imediato com o poeta da Vila, mas a minha maturidade chegou trazendo a constatação de sua forma de contar histórias.
É sempre bom ler vc, Léo!
PS- ainda bem que o google devolve seu blog!
bj
Irinéa, sinto-me mais um cronista que verdadeiramente um letrista. Por isso, nas letras, tento fundir essas duas características.
ResponderExcluirQuanto ao caráter do Noel, não digo que era mau, pois me solidarizo com ele e com seus problemas de saúde e físico. Lendo sua biografia (que recomendo!), reparei ainda em outras semelhanças, extramusicais. Os tempos são outros, mas algumas características sagitarianas permanecem.
Espero que deixem meu bloguinho em paz por um tempo... Ufa!
Beijão do
Léo.
Élio e Leo
ResponderExcluir...Estação de vácuo é digna do Noel... e do Ismael... e do Vadico... e do Aldir... e do Élio, e do Leo... e de vários outros talentosos anônimos - do passado e do presente...
Harmonia perfeita, letra precisa.
Uma imensa beleza.
Abração!
Corrigindo.
ResponderExcluirÉlio e Leo
...Estado de vácuo é digna do Noel... e do Ismael... e do Vadico... e do Aldir... e do Élio, e do Leo... e de vários outros talentosos anônimos - do passado e do presente...
Harmonia perfeita, letra precisa.
Uma imensa beleza.
Abração!
Fico muito grato a você! Só faltou saber quem você é!
ResponderExcluirUm abraço do
Léo.