terça-feira, 18 de outubro de 2011

Crônicas Desclassificadas: 23) De pedras e vidraças

Se nos aproximamos demais de um quadro, não somos capazes de apreciá-lo em sua totalidade. Nosso campo de visão fica restrito. Mas, se experimentamos dar um passo atrás, e mais um, e mais um, percebemos que, quanto mais nos distanciamos dele, mais (e melhor) conseguimos admirá-lo. Da mesma forma, se nos distanciamos demais, voltamos a perder a capacidade de observação. O que quero dizer com isso? Que cada um de nós deve procurar a distância mais coerente que nos propicie admirar a qualidade de uma obra confortavelmente. É uma questão de foco.
A vida é como um quadro. Já perceberam que, conversando com amigos, achamos que os problemas deles são quase sempre mais simples que os nossos? Achamos alternativas que eles mesmos não haviam concebido pra seus problemas. Já quando se trata de um problema nosso, quebramos a cabeça pra encontrar uma solução. O que acontece é que em relação ao problema do amigo mantemos certo distanciamento, ao passo que vemos nosso problema de perto demais. E, se o problema é de alguém que não nos diz respeito, perdemos o foco por nos afastarmos demasiado. Como acima, no exemplo do quadro.

Tive um jovem e inteligentíssimo professor de Cultura Brasileira que já na primeira aula nos pediu que deixássemos do lado de fora da sala nossas crenças e nossos preconceitos, pra que pudéssemos absorver melhor os temas propostos em sua aula. Ali tínhamos que ser alunos, aprendizes, e isso tinha que se sobrepor ao cristianismo, ao judaísmo, às convicções políticas, aos preconceitos étnicos ou sexuais. Só depois de absorvido por completo o que seria estudado em sala de aula poderíamos lançar a tal conteúdo nosso olhar interno.

Às vezes há que se ser didático. Peço perdão se pareço com isso doutrinário e gasto tempo em preâmbulos em vez de ir diretamente ao tema. É que alguns de meus últimos textos têm gerado a ira descabida de terceiros, alguns visitando este espaço pra me difamar, outros usando redes sociais pra fazê-lo. De certo modo eu devia me sentir importante por ter o poder de gerar comoção com meras palavras lançadas aqui como sementes ao solo. Mas, ao contrário, senti-me muito triste por notar em alguns leitores tamanha má interpretação de texto.

Dizem os jornalistas que, quando alguém que escreve não consegue fazer que o outro o compreenda, a culpa é dele. Porém, como não sou jornalista, teimo em crer que tal pode se dar pelos fatores acima mencionados, tais como proximidade demais. Contudo, se cá estou eu me explicando, é sinal de que os jornalistas não estão de todo errados. Mas, se é pra explicar, tenho que dar elementos aos leitores. Vou tratar a seguir de argumentação a respeito de texto que escrevi anteriormente, mais especificamente um que intitulei Música não é futebol. Portanto, aviso aos que não o leram que ou o façam ou não continuem esta leitura. 

Pois bem, admito ter em determinado momento usado palavras duras em relação às pessoas de 20 anos, mas sempre dentro de um contexto. Quando escrevi, por exemplo, "que o mercado de trabalho se borra de medo do profissional de 40, pois ele, além de ser mais caro, é menos pau-mandado, já adquiriu experiência suficiente pra dizer 'não' quando preciso, retrucar, debater, discordar", referia-me não à música, mas ao mercado de trabalho. E isso é uma realidade. A vida de um quarentão que tem o azar de se tornar um desempregado não é fácil. E não me venham com o discurso politicamente correto do vencedor. Cedo ou tarde todos acabam saboreando à mesa o pão que o diabo amassou. 

Em seguida, agora sim tratando de música, escrevi a respeito de "meu medo desse elogio à juventude". Aí cometi um erro que atrapalhou (e muito!) o entendimento de minha argumentação. Escrevi que o que havia motivado meu texto fora uma determinada matéria que tratava da "MPB de 2011". E isso não é verdade. Deveria ter escolhido melhor as palavras, mas, paciência, sou meu próprio editor, arco com o ônus (com "o", please!). Ao menos reconheço: mea culpa! E aproveito pra consertar: uma matéria não me levaria a escrever o que escrevi. Mas, sim, uma sucessão de matérias tendo como abordagem a turma de 20 e poucos anos. Não critico pessoas, critico tendências. E quem experimentar deixar a hipocrisia e o egoísmo de lado entenderá do que estou tratando, que é, repito, da falta de crítica especializada investigativa, que vá atrás de histórias que estão sendo contadas à margem da mídia.

Mas foram pessoas que se sentiram ofendidas. As tendências ficaram lá, quietinhas, como se não fosse com elas. Por isso, venho por esta pedir perdão àqueles que se sentiram, de um modo ou de outro, atingidos por minhas palavras. Afinal, por conta desse deslize argumentativo acabei fazendo o texto chamar a atenção muito mais pelo viés contrário ao que pretendera. Pretendi lançar luz sobre alguns, pensaram que eu pretendia ofuscar outros. Ok, ok, admito os equívocos e os exageros e tenho a humildade de reconhecer sempre meus erros. Da mesma forma, em defesa do texto peço que qualquer um dos ofendidos volte a ele com o distanciamento ao qual me referi acima e procure analisá-lo com outro olhar. Claro que peço isso àqueles que são civilizados e que conseguem perceber que aqui tratamos de ideias, não de pessoas.

Fui acusado de me preocupar com a vida dos outros. Bolas! Claro que me preocupo! Se não me preocupasse não gastaria um tempo precioso colhendo material pra tratar de tanta gente. Basta dar uma olhadinha nos nomes que figuram no lado direito desta página. Estão lá, de A a Z, artistas das mais variadas vertentes, como Élio Camalle, Rafael Alterio, Daisy Cordeiro, Guilherme Rondon, Celso Viáfora, Marcio Policastro etc., etc. Donos de obras que admiro e que procuro divulgar aqui. E por quê? Pode parecer piegas, mas só tenho uma maneira de qualificar isso: por amor! Não uso este espaço em detrimento de ninguém, só em benefício. Claro que muitas vezes estabanadamente, pois escrevo como caminho, tropeçando, escorregando, mas sobretudo seguindo em frente.

Por isso que fiquei tão chateado ao perceber todo um trabalho, que desenvolvo com a maior honestidade, ser tratado como "lamentável". Pombas, não tenho o direito de pensar diferente? Tenho que abaixar as orelhas, caso contrário sou frustrado? Se eu, em vez de seguir a banda dos felizes, procurar pensar como um indivíduo, terei que me indispor com os felizes? Peço então aos felizes que, como no Admirável Mundo Novo, aumentem suas doses de soma! Não vim aqui fazer inimigos. Já me bastam os percalços da vida. Não digo com isso que seja de fugir das brigas. Como último recurso, na impossibilidade de sair do raio de ação da porrada, os punhos não hesitam em entrar em ação. Mas apenas em último recurso. Até porque, como disse numa canção, "aprendi que ninguém ganha as brigas". Assim, hoje procuro ir à luta em outros ringues, como os do monumental Da Terra Nascem os Homens (The Big Country - 1958 - de William Wyler), que recomendo aos brucutus. Além de ser magnífica aula de cinema, diz muito acerca do "eu" que habita em cada um de nós.

Voltando: até entendo ser preterido em certos circuitos de bajuladores por não ser o Paulo Cesar Pinheiro, e sim o Léo Nogueira, ou, simplesmente, o Léo, pros íntimos. Mas, creiam, é com muito orgulho que sou o que sou! Não digo vaidade ou afetação. Digo orgulho. Por me saber, acima das qualidades e dos defeitos, uma pessoa de caráter, uma pessoa preocupada com o outro. Orgulho pela educação que tive de meus pais, que, embora semialfabetizados, ensinaram-me a ser honesto e a respeitar os outros, principalmente ao entrar em suas casas. E, acima de tudo, orgulho de ter minhas opiniões e sustentá-las dando minha cara a tapa, sem me esconder sob o véu do anonimato, e também de ter a coragem de voltar atrás, arrepender-me, pedir perdão e continuar sendo eu.

Desculpem o desabafo. Sou assim. E, se às portas dos 40 não mudei, dificilmente o farei nessa outra metade (metade?) de vida que principia. Se dizer o que penso é "andar beirando o precipício", paciência. Zé Rodrix, sagitariano como eu, foi mestre nessa arte. No mais, com empurrão ou sem empurrão, cedo ou tarde o precipício nos engole a todos. Prefiro ter o precipício perto (assim aprendo desde já a estar atento com ele) ao conforto de pisar jardins (esmagando rosas).

No mais, sintam-se em casa neste espaço. Meus olhos e meu coração estão abertos a recebê-los, como fiz com Pedro Viáfora, a quem aprendo cada dia mais a respeitar. E como faço com todos os que aqui vêm com opinião distinta da minha, desde que, sabedores de que estão em minha casa, venham com argumentos, não com ofensas. Aqui não é terra de ninguém. É solo adubado com amor e dedicação. E só por isso, mesmo com os desníveis e, aqui ou acolá, certa infertilidade da terra, merece respeito. 

Por último, apenas peço gentilmente aos que só encontram alegria regando a semente do ódio em seu coração que procurem inimigo à altura. Nem sou tão importante assim. Não passo, afinal, de um "ninguém me conhece". Tratemos de cuidar da vida e tentemos não perder nossa humanidade durante essa fugacidade de tempo que é nossa estada por essas bandas, antes que nos arrebate uma ou outra melancolia.

***

Puxa! Eu ia falar de pedras e vidraças... Será que falei? Bem, pra quem não ficou satisfeito, sempre há os clássicos "é muito fácil ser pedra, o difícil é ser vidraça" e o "atire a primeira pedra aquele que não tiver pecado". Eu, que tenho telhado de vidro e sou pecador, calo-me.

9 comentários:

  1. Pois é Léo Nogueira... Quem se expõe deve ficar disposto a ouvir o que não gostaria de ouvir. Conseqüentemente pode vir à tristeza. Opinar é pessoal. Podemos entender de uma forma diferente o que a pessoa quis dizer e acho isso normal, especialmente quando não se esta frente a frente e sim escrevendo. Já passei por isso algumas vezes e com o tempo, compreendi esse fato tão comum. Não procuro explicar, pois cada vez vou me afundando mais, rindo, prefiro calar, afinal vou continuar escrevendo e a pessoa não estará ouvindo a minha entonação, muito menos a minha expressão. Portanto, fica frio. É bom sabermos que magoamos, podemos tentar até nos redimir... Terrível é quando as pessoas ficam falando por trás. Quem te atirou a pedra se sentiu ferido e te deu a chance de explicar, se isso é possível...!
    Quando você falou que seria difícil mudar, discordo de ti, pois mudamos todos os dias e nem percebemos e vou para o “quadro” do começo: basta olharmos para o dia anterior.

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  2. Belíssimo texto, Léo. Parabéns pela narrativa, parabéns pela agilidade e síntese. Como escrevi antes, avareza e covardia não são defeitos seus. Esse post comprova isso mais uma vez. E meu velho, isso já é muito nesse mundo cada vez mais tacanho e tíbio. Herdaste mais que a educação de teus pais, herdaste a firmeza.

    Temos arestas que ferem sem querer, mas ferem, e sabemos disso. Por isso aqui e acolá o movimento de recuo e silêncio, mas quando preciso e inevitável, pela lei da sobrevivência e do amor, o pé se enfia na terra, a cabeça se levanta e não há quem derrube um cearense em franca luta por si mesmo.

    Muito interessante a analogia do quadro, o olhar próximo, o foco distante. Só faltou falar sobre projeção e reflexo, mas isso pode ficar para outra ocasião. Não se assuste, escrever é entregar, é se entregar. E revelamos sem querer o que temos, o que somos, e o que queríamos ter e ser. De melhor e de pior, como convém à nossa natureza tão humana.

    E se estamos falando em precipício e corda bamba, que venha o risco de não ser entendido. Escrever com a alma é desentender para chegar no entendimento, é desconstrução para construir. E desconstruir não é devastar, é preparar um novo campo para colheita de uma nova flor.

    Força aí nas escritas, nas verdades, nas sinceridades. E que o olhar de quem te lê seja mais generoso para enxergar o que está tão visível.

    bjos

    Sergio-Veleiro

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  3. Uma verdade é que somos responsáveis pelo que falamos e escrevemos e não pelo que as pessoas entendem. O que as pessoas entendem é proporcional à história de vida que tiveram. E, vivemos no mundo do politicamente correto, não é?
    Os nossos políticos são os mais caros do mundo. Dos cofres públicos levam, para mantê-los e brigar pelos nossos direitos, 10 mlhões de reais por ano. Um vereador no RJ e em SP é mais modesto, só gera 5 milhões de reais de despesa aos bolsos do contribuinte. E, continuando o papo sobre experiência: um exercício que tenho feito é discernir em um local além do ego. Não sei se tenho conseguido, mas sinto-me caminhando e com mais vida dentro de mim para opinar e calar com mais segurança.
    Grande abraço!

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  4. A verdade é que essas coisas não necessitam grandes teses e debates. Necessita um telefone e dizer: desculpa, eu não quis ofender ninguem;
    Aí fica mural pra lá, blog pra cá e dois grandes amigos se esfacelando por mal entendidos.
    Não é por aí, acho que o caminho é entender o quanto juntos podemos estar sem necessariamente estar grudado ou adorando ninguem

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  5. Olá, Marta!

    Grato pelo carinho nas palavras. Concordo com elas. Quanto a mudar ou não mudar, claro que estamos sempre em mudança. O que quis dizer com não mudar foi que justamente estou num processo de autoconhecimento que torna algumas características cada vez mais fortes, e era dessas características que eu estava falando.

    Velerim:

    Gratíssimo! Saiba que foi você o empurrão (não ao precipício... hehe!) pra que eu me resolvesse de uma vez a escrever este texto. Sim, escrever é se entregar. Assim como compor. E não sei fazer de outra forma, por mais que tente... Pra ser sincero, já parei de tentar.

    Cláudio:

    Sim, não somos responsáveis pelo que as pessoas entendem, mas, quando conseguimos, que bom é! Mas é isso aí! Gostei do "discernir em um local além do ego". É algo por que vale a pena lutar.

    Sonekka:

    Mano, o primeiro instinto foi ligar, mas esperei a poeira baixar, falei com alguns amigos, esfriei a cuca e cheguei à conclusão de que eu não difamei ninguém. Em meu texto estão lá as referências ao talento dos rapazes etc. Em contrapartida, fui difamado, e por uma pessoa por quem nutro o maior carinho, mesmo depois dos tsunamis. Então achei que o melhor era fazer o que sei fazer melhor: escrever. Assim, minha resposta não seria pra uma pessoa só, ao contrário, poderia chegar a muitas outras. De quebra, pra quem não me conhece ajudaria mais a me conhecer. Afinal, sou exatamente o que escrevi. Mas sua dica é boa. Só vou trocar essa ligação por um possível papo, se a ocasião assim se fizer.

    Abração do
    Léo.

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  6. Oi, Léo.

    Muito legal o seu texto. Realmente é muito difícil as pessoas darem um passo para trás a fim de ver melhor o panorama, antes de emitir uma opinião. As pessoas só falam sobre a realidade próxima do umbigo delas mesmas. rsrs

    abração,
    Denilson

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  7. E haja umbigo, Denílson! Chamo a essa galerinha de "turma do eu". Hehe!

    Abração do
    Léo.

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  8. Posso só te aplaudir, Léo?
    CLAP-CLAP-CLAP-CLAP!
    Principalmente por ter uma postura bem diferente do "sou dono da verdade, portanto você só pode concordar comigo". Fora isso, sempre repito: adoro o jeito como você escreve!
    Um beijão da admiradora (nada secreta, hehehe),
    Danny.

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  9. Pô, Danny! Assim eu fico encabulado... Hehe!

    Beijos agradecidos do
    Léo.

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