quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Trinca de Copas: 6) Gabriel de Almeida Prado, Kléber Albuquerque e Marcio Policastro

1) ABRACADABRA!

No texto que escrevi a respeito de Kléber Albuquerque conto como ele influenciou em minha escrita e falo também um pouco dos descaminhos que nos afastaram e aproximaram... Não sei se nessa ordem. Mas o fato é que sempre o tive em alta conta. Se me pedissem pra citar os cinco maiores nomes da música brasileira atual entre os que mantêm uma carreira à margem da mídia, certamente citaria Kléber entre eles.

Acho apenas que ele tem uma personalidade um tanto, digamos, escorregadia, o que acaba fazendo que nossa amizade sempre viva grandes hiatos. O último deles meio que se mantém até hoje depois de um mal-entendido quando da vinda da cantautora uruguaia Samantha Navarro a Sampa... Mas não vim aqui discutir a "relação" (risos - já nem sei mais como se escrevia isso antes do internetês "kkkkk"...). Vim mesmo falar de nossa primeira parceria, pois me lembrei dela dia desses, ao mostrá-la ao parceiro Gabriel.

E, como o lance aqui é contar a história das canções, bora lá! Eu, na condição de letrista, tenho o maior orgulho de fazer-me parceiro de um grande compositor que é elogiado sobretudo pela qualidade e pela originalidade de suas letras. Por isso, quando recebi um e-mail seu (no qual havia uma melodia anexa) convidando-me à parceria, exultei. Quando ouvi a melodia percebi que havia coisa boa ali e pus mãos à obra no intuito de não fazer feio frente a ela.

Acho que cheguei a um resultado bastante interessante. Mostrei-lhe a letra e creio que ele curtiu também. Aproveitei uma visita sua a minha casa e obriguei-o (gentilmente, claro) a fazer uma gravação dela ali, na hora. Confesso que lhe dei uma canseira, pois ele não se lembrava mais dela. Tanto que a gravação ficou um tanto vacilante. Mas, como este espaço existe justamente pra mostrar as canções cruas, não vejo por que não mostrar também esta, que me enche de orgulho. A ela:


ABRACADABRA!

Seu coração
Deve ter uma janela
Um porta sem tramela
Uma fenda ou brecha
Pro meu coração

Seu coração
Deve ter um chão postiço
Uma entrada de serviço
Uma senha ou deixa

E, se ele se distrair,
Abracadabra!, ó eu entrando ali
Com pé de cabra, olho de lince, um lampião
Como um ladrão
Sem medo de ouvir seu cão ladrar
Voilà! Como Ali Babá,
Me viro nos 40 só pra te beijar
E, se você cair em tentação,
Vou ser um anjo e te anunciar, Maria,
Que é o dia da revelação
Nesse dia, roubaria
O seu coração

***

2) TEM CABIMENTO

 Diz a lenda que Vinicius de Moraes, apesar de ter muitos parceiros musicais, odiava quando era "traído" por algum deles. Até porque ele, por incrível que pareça, era, sim, fiel. Ou melhor, curtia a "relação" até que esta se esvaziasse. Foi assim que teve um grande período criativo ao lado de Tom, depois com Carlos Lyra, Baden Powell e, por fim, Toquinho. Respeitando as devidas distâncias, acho que estou vivendo um momento assim com Gabriel de Almeida Prado. Claro que dou minhas puladas de cerca (e ele também), mas descobri nele meu Toquinho da vez.

Peço aos demais parceiros que não se sintam desprestigiados. A questão é que Gabriel é meu vizinho, o que facilita que nos vejamos com regularidade. E, pra mim, o melhor modo de "parceirar" é ao vivo, trocando ideias, versos, notas. Por conta disso, em menos de dois meses já temos mais de dez canções prontas, fora as letras que fizemos a quatro mãos que esperam melodias de terceiros. E eu, confesso, ando numa maré de preguiça. Assim que, compor algo com um camarada inteligente e com 22 anos de idade(!) é algo revigorante. Ainda mais porque ele é um poço de ideias, e estas lhe nascem aos borbotões.

Só que a parceria que gostaria de mostrar nesta edição nasceu de modo um pouco distinto das outras. Deu-se assim: Kana finalmente tomou coragem, acordou de um longo período de hibernação e resolveu arregaçar as mangas e começar a trabalhar nos arranjos de um novo CD (o quarto!). E uma das canções selecionadas por ela era uma que tinha uma letra minha que ela não curtia muito. Mas, como eu curtia, ela fingia que estava tudo bem. Só que agora resolveu chutar o balde. Disse-me que achava que a letra não tinha nada a ver com a melodia e exigiu que eu fizesse outra.

Ora, quando a gente está com uma letra na cabeça, não é a coisa mais fácil do mundo esquecê-la e fazer outra. Daí que acabei convidando Gabriel a me ajudar nessa empreita. Pra resumir, ele não só topou como já de cara teve uma ótima ideia. E acabamos terminando a nova letra com até certa facilidade. Mas não é dessa letra que fizemos pra Kana que queria falar. Queria falar da letra antiga, a que foi por ela descartada.

Quando mandei a melodia de Kana pra Gabriel, mandei-a com ela cantando a letra antiga. Daí que ele, numa madrugada insone, ficou lá olhando pra coitada da órfã, e não é que a danada o inspirou a fazer-lhe uma melodia bem bonita? E Kana, no fim, teve razão. A letra que fizemos a quatro mãos pra sua melodia teve muito mais a ver com esta que a outra. E a melodia que Gabriel compôs pra letra "despejada" terminou por traduzi-la muito mais. Acrescentaria mesmo que a valorizou, pois os versos em sua melodia ganharam uma carga maior de força poética. Sobretudo nesses tempos de Pinheirinho. Ei-la:


TEM CABIMENTO

Mundo é pra caber
Pessoa é pra pensar
Não é pra se acabar, não

Mundo é o prazer
Do ventre a carregar
Os que virão

Diferença é 
A crença do mundo novo
Povo é pra ter pão
Semente é pra ter chão
Pra se plantar

Mundo é pra caber
Cabeça é pra usar
Ciência é pra solução

Mundo é pra mudar
A mente é pra inundar
De coração

A palavra é
Pra lavar vales de pranto
Canto é pra ter voz
Encanto é pra ter vez
Mas que a razão

E o poder é pra poder resolver
Também caibo onde cabe você
Saiba

***

3) UM BILHÃO DE ANOS

No segundo dia deste 2012 abri o jornal e me deparei com uma matéria que, confesso, me chocou. Sim, lá no fundo eu já sabia, mas o ato da leitura foi meio que traumatizante. Conversei depois com alguns amigos, mas estes, mais preocupados com o hoje, riram de minha tristeza pretensiosa. Explico: segundo os astrônomos, em um bilhão de anos o Sol vai começar a envelhecer, e o primeiro passo desse envelhecimento será um superaquecimento que levará a Terra a atingir temperaturas insuportáveis, causando a extinção de todo e qualquer ser vivo. Alguns bilhões de anos depois, o Sol virará apenas uma bola branca, sem vida, rodeada por planetas congelados...

Pensem: nós, humanos, nos sentimos os tais, com nossa arrogância, nosso ego; damo-nos demasiada importância, temos mesmo a preocupação de deixar algo pra posteridade. Mas quando esse dia chegar, não restarão as músicas de Beethoven, o Quixote de Cervantes, as obras de Picasso, os poemas de Pessoa, nem a Bíblia, o Alcorão, o Kama Sutra, os livros de Chico Xavier... E nem as canções de Chico Buarque... Nem mesmo aquela que pergunta "pra que tudo começou quando tudo acabar". Daí nossa insignificância, sobretudo quando pensamos em criar obras de arte que sobreviverão aos séculos.

Alguns dias depois meu mano Marcio Policastro me ligou dizendo que tinha começado a compor uma canção que tinha tudo pra ser "daquelas". Convidei-o a vir em casa pra que a terminássemos juntos. Uma hora depois lá estava ele. Mostrou-me o refrão, que foi por onde havia começado a canção. Abri um vinho e nos servi enquanto dava meus pitacos. A letra de Poli tratava de um amor impossível, "a gente só daria certo lá onde nascem os absurdos". E ia nessa onda. Não sei bem por que me lembrei da matéria sobre o fim do mundo e lha relatei. Em seguida, cutuquei: "se o mundo vai acabar, por que esse amor impossível não poderia ser possível?". Ele arregalou os olhos e comprou a ideia.

Passamos então a compor uma canção que eu considero uma cantada perfeita. Tá certo, ok, a gente não tem nada a ver, mas, se o mundo vai acabar, por que não aproveitar ao menos essa noite? Vai saber se o mundo não resolve acabar nessa madrugada... E foi assim, nessa pegada, que terminamos uma das que considero mais belas canções que compus nos últimos tempos. Quem tiver curiosidade de ler a matéria que possibilitou o nascimento da canção, clique aqui. Só um detalhe: está disponível apenas pra assinantes da Folha de São Paulo ou do Uol. Quem não for e quiser ler, escreva-me que posso mandar por e-mail. Vamos à canção:


UM BILHÃO DE ANOS

Assim como vem e se vai
O medo nos olhos de um pai
Depois que a cortina cai
O amor pega a estrada

Se aquele amor nasceu, morreu, ruiu,
Durou só um 1° de abril
O amor me machuca e eu rio
Depois que entendo a piada

Se o não lugar pra onde ele for
Vai ser um túnel do metrô
Ou algum rio que a gente vê só de passagem
Não me preocupa estar onde estou
Me levo pros lugares aonde vou
É que esse amor, na real, mora na viagem

A gente só daria certo
Lá onde nascem os absurdos
Onde o amor, além de cego, é surdo
Num universo paralelo
Alguma bolha sob o nada
Pra onde vão nossas escolhas deletadas (mensagens descartadas)

Mas se o mundo vai acabar
Certeza das coisas não há
Nem sei onde vai me pegar
A hora das favas contadas

Então, por que você não vai nem vem?
Aposte no risco, meu bem
Se o mundo acabar, que é que tem?
E pode ser nessa madrugada

Um bilhão de anos depois
Aqui não estaremos nós dois
Nem Beethoven, nem Machado, nem Picasso
Quando o sol empalidecer
Nem Deus, nem demo; eu e você
Nem mesmo o amor... iremos todos pro espaço

***

4 comentários:

  1. Gabriel de Almeida Prado1 de fevereiro de 2012 às 07:16

    (Pô...me chamou de Toco ahahahaha...)

    Obrigadão Léo.
    Sempre com palavras maravilhosas sobre mim. Valeu de verdade.
    E obrigado ainda mais pelas parcerias sensacionais que fizemos e pelas que ainda vem por aí.
    (depois me manda a reportagem do fim do mundo em 1 bilhão de anos)...

    Abração

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    1. E aê, Toco! Quero dizer, e aê, Gabo!!! Hahaha! É isso aí, simbora, que o jogo tá só começando!

      Ó, pensei bem e achei melhor postar o tal do texto da Folha aqui, já que é de interesse geral. Quem tiver algum compromisso daqui a um bilhão de anos, sugiro desmarcar. Hehe!!! ei-lo:

      Vem aí o fim do mundo, mas não deve ser em 2012

      Para astrônomos, destruição da vida na Terra é inevitável no futuro

      Aumento do calor do Sol dá aos terráqueos 'só' 1 bilhão de anos de expectativa de vida, a não ser que fujamos

      GIULIANA MIRANDA
      DE SÃO PAULO
      Resigne-se: o mundo vai mesmo acabar. Isso só não deve ser em 2012, como muita gente anda dizendo por aí.

      Daqui a 1 bilhão de anos, nosso planeta estará fadado à morte certa, com um futuro de temperaturas escaldantes insustentáveis para a manutenção da vida. O culpado? O Sol, a caminho de uma espécie de velhice estelar.

      "Faz parte da evolução das estrelas do tipo do Sol. Quando o hidrogênio de seu núcleo vai acabando, a consequência é a estrela aumentar. Isso interfere em seu brilho e na energia que chega à Terra", diz Gustavo Rojas, astrofísico da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).

      Embora a presença de vida (ao menos por enquanto) seja exclusividade do Sistema Solar, nossa estrela é de um tipo bastante comum Universo afora.

      As estrelas são amontoados de gás incandescente, sobretudo hidrogênio. No núcleo, os átomos se chocam em um ambiente de altíssima pressão, desencadeando a chamada fusão nuclear. Esse processo gera muita energia e permite que a estrela tenha um tamanho estável.

      O problema é que esse combustível não dura para sempre e, à medida que ele vai acabando, outro elemento, o hélio (resultado da fusão do hidrogênio) começa ele mesmo a ser fundido.

      Essa substituição faz com que as camadas externas da estrela se expandam. É como se o calor se espalhasse pela extensão da estrela, que fica mais fria e, portanto, mais avermelhada. É esse futuro como gigante vermelha que espera o Sol daqui a pelo menos 5 bilhões de anos.

      Seu tamanho deverá aumentar em torno de 200 vezes, o suficiente para "engolir" Mercúrio, Vênus e, muito provavelmente, a Terra.

      As condições de vida por aqui, porém, irão se deteriorar bem antes disso.

      "Daqui a 1 bilhão de anos, com o aumento do brilho do Sol, os oceanos já terão evaporado. Até as rochas derreterão. A vida já terá acabado", diz Carolina Chavero, do Observatório Nacional (RJ).

      Tudo isso ainda levará muito tempo para acontecer, mas já existem cientistas propondo alternativas à aniquilação da humanidade. Uma delas seria a migração.

      "A zona habitável [região em que há água no estado líquido] do Sistema Solar também mudará. Regiões antes muito frias vão esquentar", diz Gustavo Rojas. Uma boa primeira parada seria Marte.

      O "descanso", porém, seria temporário. O Sol logo começaria a fritar também a superfície marciana.

      Em mais alguns bilhões de anos, o chamado cinturão de Kuiper, onde fica Plutão, é que terá condições ideais.

      Soluções mais malucas, como um guarda-sol para barrar parte da luz estelar, e até um complexo sistema que usaria a força gravitacional de cometas para "empurrar" a Terra para outra órbita, também já foram pensadas.

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  2. Léozito, curti os textos. Tô voltando devagarinho às leituras do que interessa na net, escrever é que tá ainda demorando... Gostei das histórias, e principalmente das canções, especialmente a parceria com o Kléber que também acho muito interessante musicalmente. Quanto ao Gabo, teu parceiro mais recente, me manda por email outras parcerias de vocês, gostei da levada dele ao violão e também do timbre. Será ele o novo Clarisso Grovo da tua vida? Explique pro moço, se é que ele já não conhece, a força, o poder e a magia que Dona Clá-Clá tem quando tropeça nas tuas letras. Abração saudoso, Veleiro. (P.S. E aquela prosa fuleira, por onde anda? Aguardando teu email ó...) bjs. Veleiro

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    1. Ô, Velerim! Sempre bom te ler, onde quer que seja!

      Sim, vou avisar ao moço sobre a Clarisse. Grande cantor o moleque, não? 22 aninhos! Um bebê ainda! Vou ver o que tenho bem gravado do moço e te mando.

      E a prosa tá engrenando. Já já te escrevo. Ontem acabei dois trampos que estavam me tomando muito tempo, agora tô mais tranquilis.

      Beijão do
      Léo.

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