No final do ano passado fui convidado pra ser colunista mensal de um site de música. O título de minha coluna seria Notícias de Sampa e trataria, obviamente, da música que se produz em São Paulo. Só que, no meio do caminho, o responsável pelo site, não sei bem por qual motivo, desistiu da empreitada, e fiquei eu com um texto inédito. Pensei com meus botões que melhor seria que eu mesmo, afinal, lançasse tal texto (e consequente coluna) em meu blog, já que tenho a ferramenta pra tal. E é o que faço agora, justo um mês depois do aniversário da Terra da Garoa. Mantive-o (o texto) como escrevi, como se fosse pra ser lançado em espaço alheio; os próximos já serão de casa. Boa leitura!
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É de bom-tom iniciar um texto com alguma citação. Aos inseguros (como eu) serve como uma espécie de muleta imaginária e faz o autor se sentir (muitas vezes equivocadamente) inserido no universo do citado. Partindo desse pressuposto, e como vem ao caso, começo deixando claro que estou com Fernando Pessoa e não abro: "O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,/ Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia/ Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia". Penso exatamente assim em relação a São Paulo. Embora eu, cearense de Senador Pompeu, seja um paulistano falsificado, amo com todo meu ódio (que é igual a: odeio com todo meu amor) esta metrópole desumana (talvez por ser demasiado humana). Assim, como os amantes, faço-lhe hoje juras de amor eterno pra amanhã querer abandoná-la pra sempre. É, como noutra canção, nesse vai e vem que a gente se dá bem e se atrapalha. E, como quem se considera (equivocadamente) dono de sua amada, não aceito que outros a esculhambem. Eu, que a acho feia ou linda de acordo com meu humor, fico indignado quando um Chico Buarque a espinafra. Só quem vive aqui e sabe dos prazeres e dos sacrifícos disso é que tem o direito de cuspir em seu chão (pois o lambe diariamente).
Isto posto, venho por esta (coluna) avisar aos incautos que pretendo combater veementemente o preconceito contra a música paulista, em geral, e a paulistana, em particular. Não, não se trata de bairrismo! Amo o Rio, a Bahia, o Ceará (of course, oxente!), Tóquio, Roma, Montevidéu, amo até (pasmem!) Buenos Aires, mas é aqui que eu vivo, é desse chão que arranco a enxadadas os parcos merréis que me pagam o pão e o vinho (e um pouco de circo), e foi aqui que me calhou conquistar a maioria dos parceiros musicais. E, afinal, antes de dissertar sobre a pança e adjacências, é imprescindível desvendar os segredos do umbigo. Meu parceiro Adolar Marin, paulistano do Ipiranga, boa-praça e grande compositor, certa vez, fazendo show nas Alagoas, ouviu de um maceioense, à guisa de elogio: "Mas rapaz, tu nem parece paulista!". Meu povo, tenha dó! Isso aqui vai além da MPB (música popular burguesa)! Existe toda uma periferia ao redor arrotando notas pelos cotovelos!
Mas, antes de tratar dos meus, só pra efeito de mapear o caos, rumbora traçar um panorama musical de peso: a música daqui contém os trens de Adoniran Barbosa; os letristas Carlos Rennó e José Carlos Costa Netto (dono da Dabliú Discos); o maravilhoso ranzinza Eduardo Gudin; o cheio de charme Guilherme Arantes; os irados do Ira! e o mais irado ainda Edgard Scandurra; o impagável e eclético Jair Rodrigues; as musas Márcia Salomon, Mônica Salmaso, Ná Ozzetti e Virgínia Rosa; os internacionalmente consagrados Mutantes, de onde saiu a rainha do roque tupiniquim Rita Lee; as rondas de Paulo Vanzolini; meus antigos (e ingratos) parceiros do Quinteto em Branco e Preto e (idem) Rodrigo Campos; os manos e os browns do Racionais MC'S; os arraigados Renato Teixeira, Rolando Boldrin, Sérgio Reis e Tonico & Tinoco; os intrépidos Titãs e o tri(legal)balista Arnaldo Antunes; Toquinho, que fez Vinicius engolir o "túmulo do samba"; os invasores de praias alheias do Ultraje a Rigor; mais Zé Miguel Wisnik mais Luiz Tatit mais Dante Ozzetti mais...
... Mais os nordestinos Chico César (que foi simbora ser secretário de cultura na Paraíba), Dominguinhos, Ione Papas, Ito Moreno, Lourival Tavares, Raul Seixas, Reynaldo Bessa, Rita Ribeiro, Tom Zé, Vânia Abreu, Vicente Barreto, Vidal França, Zé de Riba, Zeca Baleiro; os sulistas Arrigo Barnabé, Arthur Nestrovski, Carlos Careqa, Elis Regina, Itamar Assumpção; os cariocas Lobão e Zé Rodrix; os mineiros Tavito e Zé Geraldo e as mineiras Ceumar (que casou e foi pras Oropas) e Daisy Cordeiro mais... Mais um transatlântico de gente que esqueci (não levem a mal, pesquisei apenas nos arquivos de minha precocemente esclerosada massa encefálica - e "fálhica") que, nascida na capital, no interior, no litoral ou nos quatro (quatro?) cantos desse Brasil com S, escolheu por um tempo de sua vida São Paulo como lar e, por meio de suas criações, ajudou a fazer a história da música daqui. É pouco?
Se é, digam, que tem mais! Vão lá tomar um copo d'água (isso é metáfora!) e refletir, que eu espero! ... Pronto? Sim, prossigamos: embora as opções musicais oferecidas pela noite paulistana não sejam mais tão variadas e fartas como já foram, a criatividade por aqui anda a mil! Aqui temos os Trovadores Urbanos, de onde saíram os ótimos cantautores Juca Novaes e Eduardo Santhana; temos uma nação de compositores nordestinos que vai desde os consagrados até os obscuros (há também aqueles que já transcenderam a obscuridade), entre um extremo e outro me encontro (me perco?) eu; há o Clube Caiubi de Compositores, que merecia um capítulo à parte, mas, como o deixei a cargo de minha vizinha de coluna Ana Paula Fumian, acrescento apenas que escrevi um texto a respeito dele em meu blog O X do Poema (Caiubi: Outro Clube, Outras Esquinas). Ah, o Caiubi também foi responsável por meu saudoso parceiro Zé Rodrix ter voltado a compor e por meu outro adorado parceiro Tavito ter trocado a linda Cidade Maravilhosa pela feia Terra da Garoa. Fosse só por isso já teria valido a pena, mas o Caiubi é responsável também pela difusão da expressividade das obras de nomes que se vocês nunca ouviram têm que ouvir, como Affonso Moraes, Álvaro Cueva, Fernando Cavallieri, Lis Rodrigues, Marcio Policastro, Ricardo Soares, Sonekka, Vlado Lima, mais uma árvore genealógica todinha feita de bons frutos musicais unidos por uma raiz profunda. Mas eita que tinha prometido deixar o Caiubi pra Aninha!
Em São Paulo foi gravado (ao vivo) o primeiro CD do século XXI, o elogiado 1 do 1 do 1, porque (vou explicar a piada) foi gravado na virada de 2000 pra 2001, mais exatamente em 01/01/2001. Seus mentores intelectomusicais foram quatro rapazes de Liverpool, digo, de talento irretocável, são eles: Élio Camalle, Kléber Albuquerque, Luiz Gayotto e Madan, artistas com trabalhos individuais do mais alto teor de relevância que resolveram juntar forças, visto que pertenciam todos ao mesmo selo, a já citada Dabliú Discos. Se as portas já ameaçavam se abrir pra eles, após o CD, se não se escancararam de vez, ao menos permitiram-lhes passar pro lado de dentro, não digo com folga, mas com dignidade. Uma rápida busca no São Google bastará pra que vocês percebam que não estou sendo leviano. Em alguns desses rapêizes meto logo o carimbo de geniais, sem dó nem piedade! E estamos conversados!
Ouso dizer que em poucas cidades mundo afora aflora (desculpem o eco) cena musical tão viva e eclética. Por aqui vocês encontrarão um Comboio de Cordas (dedicado à música instrumental) liderado por meu xará Leonardo Costa (que também é um dos Todos Acordes - e todos por um); encontrarão uma japonesa (Kana) que canta, compõe e toca violão com uma brasilidade de dar inveja a muito compositor por aí (e que só por mero acaso é também minha esposa); deparar-se-ão (pra não dizer que eu não falei dos jovens) com a rapaziada do 5 a Seco mais Dani Black mais Bárbara Rodrix mais Bruna Caram mais a menina, digo, o menino dos olhos de Élio Camalle,
Gabriel de Almeida Prado; por aqui vocês encontrarão um dos maiores compositores brasileiros vivos, o genial e nunca suficientemente incensado Celso Viáfora (entre outras coisas parceiro - em dezenas de canções - de Ivan Lins); por aqui vocês...
'Pera lá! Não vamos entregar a muamba toda de uma vez, né não? Os traficantes já ensinaram: primeiro há que se causar dependência no "cliente"! Portanto, não sendo possível acabar de maneira satisfatória este relato, abandono-o, deixando-lhes ao menos a promessa de conseguir com o fornecedor mais Notícias de Sampa (das boas, com mistura!) na próxima coluna ou a qualquer momento em edição extraordinária. Pra efeito informativo, acrescento apenas que muitos dos nomes acima citados estão dissecados (com riqueza de detalhes) na coluna Ninguém me Conhece de meu blog O X do Poema. E, como é de bom-tom terminar um texto com alguma citação (e pra justificar minha propaganda), lá vai uma baleira: "A alma é o segredo do negócio."
Fui!
Venham!
parabens adorei ,mano um abraço tim
ResponderExcluirOutro abraço em você, Tim!
ExcluirLéo.
Oi .. .como vai?
ResponderExcluirgostei muito deste texto !!! ...
es una pena que no se haya publicado en la columna de la página web de música...
woww ... há muitos músicos, muitos artistas !!! ... ^_^
daqueles que você menciona, eu já tenho escutado Chico Buarque !!! e curti muito muitoooo
ahhh uma pergunta: oropas é as europas? hihihi e o que é "oxente"?
obrigado por compartilhar este texto !!!
até...
Hola, Javier!
ExcluirMi blog te debe estar siendo una buena fuente de estudios del portugués, verdad? Sí, "Oropas" es "Europa", pero no existe esta palabra, aunque nos gusta decirla. Jeje! Y "oxente" es muy común en la región del Nordeste, significa "oh, gente!", pero la decimos cuando algo nos espanta.
Saludos,
Léo.
Oi Léo, sou Marisa Serrano e temos uma amiga em comum Teodora Freire Monzú e ela me forneceu suas localizações. Adorei seu texto e quero mostrar um trabalho que venho realizando nos metrôs. Sou pianista, cantora e compositora e postarei uma música que é título do Show: Paranoia Urbana- um retrato de São Paulo que tanto amamos mas que foi transformado por nós mesmos nesse campo velado de lutas e que temos a obrigação de refazê-lo. Abraço e diga o que achou,ok? Obrigada!
ResponderExcluirOlá, Marisa! Bem-vinda! Teodora é uma pessoa especial, então, amiga dela é minha amiga também! Mas onde eu ouço a música que você falou que ia postar?
ExcluirAbraço do
Léo.