sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Crônicas Desclassificadas: 102) Um vesgo literário

Eu creio piamente que um escritor é uma espécie de vesgo literário. Aliás, que me perdoem os outros escritores. Há, obviamente, aqueles que não o são. Quando digo "escritor" estou me referindo muito mais a minhas próprias experiências. E eu, visto ser um eterno inédito, não posso nem mesmo me classificar como tal. O que sou, na verdade, é um blogueiro teimoso. E esse termo que tasquei acima posso aplicá-lo, sem medo de incorrer em erro, mais que aos demais, a mim. Em primeiro lugar, vejamos o que diz o dicionário. Procurando vesgo, vemos que é sinônimo de estrábico. Procurando estrábico, ficamos sabendo que é um tipo que possui um desvio ocular que não consegue controlar, assim que seus eixos visuais se comportam em relação um ao outro de modo diferente do que deveria ocorrer em condições normais. Sacaram?
Com um vesgo literário ocorre algo parecido. Contudo, pra não ofender os ofendíveis, vou tratar do tema em primeira pessoa. Em meu caso, dá-se assim: quando escrevo, costumo mirar num tipo de leitor. Claro que não escrevo pensando nele, mas imagino que um tipo de texto, assunto ou desenvolvimento vá atingir a este mais que àquele, ou seja, se não lhe calar fundo na alma, ao menos lhe provocará interesse que justifique uma espiada. E tal não ocorre. Aquele leitor que pensei que viria visitar o conto, a crônica, enfim, o texto... não dá as caras! E aquele outro, que nem passou por minha cabeça que viesse a se interessar por tal assunto, aparece, comenta, elogia, critica... E, no final das contas, é a esse surpreendente leitor que tenho que prestar meus mais profundos agradecimentos, pois, se não fosse ele, este monólogo seria, mais que tudo, um solilóquio.
Bem, deixemos de nhem-nhem-nhem (é, caros, pela nova ortografia, é assim que se escreve) e expliquemos a que vem este desabafo. Quando fui convencido por uma meia dúzia de dois ou três a inaugurar este espaço blogal (não confundir com global), tinha certas expectativas que, obviamente, não se foram concretizando. Apesar da acolhida calorosa a meu primeiro texto (o único no qual atingi o leitor-alvo), pouco tempo depois vi que seria mais um blogue a cair num limbo virtual. Afinal, o que se esperar de um blogueiro desconhecido tratando de assuntos desimportantes? Assim que, após muito pensar, cheguei à conclusão de que, se continuasse tratando de meu umbigo, ficaria sem leitores, pois meu umbigo, além de analfabeto, é cego. Foi então que tive a ideia de usar meus textos pra tratar de terceiros.
Nasceu então a coluna Ninguém me Conhece, que, apesar de ser um sucesso absoluto (entendam que a importância que ganha nesse contexto a palavra "sucesso" tem que ser entendida dentro de uma proporção micro), foi meu primeiro erro de "mira". Explico: achei que o charme do título provinha muito mais do inusitado de pinçar num quadro crítico artistas relativamente desconhecidos do grande público e que, portanto, os leitores viriam sedentos de novidade. E tal foi um erro de estratégia de proporções estratosféricas. Por quê? Porque quanto mais desconhecido o artista, menos gente lia o texto dedicado a ele. Tanto que o "campeão" de visitas até hoje é o nobilíssimo Sérgio Sampaio. E o segundo do ranking é Sonekka, que, se não é um "famoso", tem no site do Caiubi possíveis milhares de leitores.
Outro erro de estratégia foi pensar que o homenageado seria um bom "cabo eleitoral". Nesse sentido, percebi como conhecemos pouco as idiossincrasias (adoro essa palavra!) humanas. É um erro esperar do outro as mesmas atitudes que teríamos em seu lugar. Eu, por exemplo, se ganhasse um texto a meu respeito, ficaria numa felicidade quase infantil e sairia divulgando-o aos quatro (ou cinco) ventos. E isso mesmo que em tal texto nem tudo fossem flores. Mas percebi que tal não acontecia, principalmente em casos em que o homenageado era mesmo muito desconhecido. Nesse caso, acho que o fato de outro desconhecido escrever a seu respeito mais o constrangia que enaltecia. O extremo oposto também sucedia. Algum "meio" famoso também deve ter ficado chateado por o autor do texto ser eu e não um crítico da Folha, do Estadão, da Veja...
Antes de mais nada, quero eximir de "culpa" tais homenageados. Fulano não é obrigado a divulgar meus textos, mesmo que ele seja o protagonista deles. Em alguns casos acho que quem tem de pedir perdão sou eu, por tê-los posto nessa roubada. E aqui volto ao tema do título. Escrever é mirar no que vemos e acertar no que não vemos (sei, a frase não é original, mas vem a calhar). E, com o tempo, aprender o mais difícil, que é exercer a humildade. Um escritor, mesmo desconhecido... diria mais: sobretudo desconhecido!, tem o costume de se dar certos ares (já dizia Bukowski). E a real é que tanto um escritor quanto um (por exemplo) compositor geram mais interesse quanto mais conhecidos forem. E ninguém tem culpa disso (a não ser os culpados). Se um cara escreve num meio de comunicação conhecido vai ser mais lido que outro que escreve num obscuro (obtuso?) blogue. Um cara que toca no rádio vai ser mais ouvido que um que só toca em seus shows. E la nave va...
Mas, antes dos depoises, é preciso deixar claro que não estou me lamentando. Pelo contrário. Este é um texto de autoanálise que compartilho com você, leitor que não é quem eu esperava. E é justamente isso que é o mais interessante. Era isso o que eu queria dizer. Um cara que faz um show fica feliz quando seus amigos vão vê-lo, mas fica mais feliz quando percebe que na plateia há mais pessoas desconhecidas que conhecidas. Da mesma forma, se escrevo um texto sobre o PT e meu camarada Edu Franco (petista homérico) vem ler e deixa algum comentário, é bacana, mas me deixa dentro da zona de conforto. O mais legal ainda é saber que o texto chegou a várias pessoas que não conheço, e a quem importa minha opinião muito mais que a um amigo intelectual de esquerda, pois é de bom-tom que um intelectual só leia alguém que lhe supere em intelectualidade. E eu, na condição de leitor, não sou exceção.
O resumo da (povera) ópera é: não se deve subestimar o leitor! Jamé! Dia desses estava um tanto desanimado, achando que o tempo gasto em encher de palavras este espaço não estava valendo o sacrifício, e eis que minha amiga Marianna Leporace resumiu belissimamente em uma frase nosso ofício. Disse ela que "a gente tem que seguir fazendo, esse é o nosso propósito na vida". E é isso. Não é que temos um dom ou coisa assim. Acho mais é que fomos castigados, pois nascemos com um vício do qual não temos como nos ver livres, daí que só nos sobra ceder a ele mais e mais. Pois, caso paremos, definhamos... Resumindo, enquanto houver um leitor, valerá a pena mais um texto. Não à toa Paulo Coelho está aí, escrevendo pra uns e sendo lido por outros. Por isso, caro leitor que não é meu amigo nem me deve nada (há exceções, claro), dedico a você estas maltraçadas.

***

10 comentários:

  1. Porra, Leo,
    Num caso como o nosso, o diagnóstico é esse mesmo, mas... tem remédio esse mal, ou deveremos também, nós escritores anônimos, segurar a bandeira da causa pelo reconhecimento e regulamentação da profissão de "Pregador no Deserto"?

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    1. Salve, Lindberg!

      Esse é um tema interessante, pelo menos do ponto de vista profissional, o que não significa que aumente os leitores. A galera quer mesmo é os famosos...

      Abraço,
      Léo.

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  2. Léo, sinto-me honrada pela citação e me identifico com tudo o que vc escreveu. Confesso que muitas vezes me peguei rindo muito de tanto que me vi no espelho de suas falas! Mas continuo afirmando que vc nasceu pra isso e deve seguir incansável pela estrada. Seu texto é brilhante, tem estilo, vc é um grande escritor.
    Sou sua fã e tenho planos pra vc, pode apostar :-)
    Um grande beijo

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    1. Oi, Marianne!

      Querida, suas palavras me animam. E saiba, que, sem rasgação de seda, a recíproca é verdadeira!

      Beijão,
      Léo.

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  3. Verdade querido, tenho sido um "frequente ausente" em seu blogue, aceito a bronca e vou corrigir isso, mas fico pensando que o grande equívoco das iniciativas virtuais é ficarem só nas redes, para as coisas mobilizarem de fato as pessoas precisamos de extensões físicas, aliás, não apenas para as "nossas artes", mas para as nossas vidas também, o ser humano precisa do encontro.Interpreto o que você escreveu como uma queixa sobretudo de se sentir solitário em seu oficio, o mundo contemporâneo sobrecarregou o tempo, suprimiu o encontro e criou um analgésico para a nossa natureza social, mas a solidão está em tudo, em cada post, em cada email, em cada curtida tem uma vontade de por a mão em alguém, de se aproximar de alguém, mas como vivemos de falsear essa presença do outro tomando dipirona de facebook, vivemos com essa solidão teclada permeando tudo, os blogues literários deveriam ter uma loja física rsrsrs, que sonho heim, um café, um lugar para também discutir ao vivo.Não estou defendendo a ideologia que em verdade abomino, mas esses coletivos que estão em ação nessas manifestações como o "Fora do Eixo" e o "Mídia Ninja" conseguem mobilizar muita gente por que não existem apenas na internet, acho que eles não são exemplo de nada, parecem seitas, não pagam caches dos seus eventos, exploram seus colaboradores de todas as maneiras, mas deixaram de ser apenas uma iniciativa virtual, talvez precisássemos mais disso, coisas como o Caiubi, o Sopa de Letrinhas,por que você não faz um sarau literario que pode ser musical também do seu blogue, um evento mensal talvez. (Edu Franco)

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    1. Eduzão, foi golpe baixo essa minha chantagem pra te trazer por aqui, mas, de certa forma, deu certo, né? rsrs

      Cara, concordo com tudo o que você disse, temos uma solidão arraigada em nossos espíritos, cada texto ou cada canção é um tumor extirpado. Mas saiba que, de minha parte, já tentei fazer alguma experiência de levar pro "ao vivo" o blogue, mas resultou num retumbante fracasso, o que me deixou ainda mais cabreiro de explorar o "lado físico". Uma curtida, um comentário, nem sempre são sinais de aquiescência. As pessoas estão superficiais, não querem se aprofundar em nada. Uma curtida na maioria das vezes não é uma "lida", é só um ficar bem com as aparências. Mas tratemos de nos encontrar pra falar a respeito. Acredito no coletivo. Este meu blogue nada mais é do que uma intenção de agregar.

      Sou admirador de sua escrita, você sabe, e ainda bato na mesma tecla: quando é que cê vai fazer um blogue?

      Abração,
      Léo.

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  4. Vai rolar Léo, mas vou precisar da sua ajuda, vamos marcar de tomar umas e conversar.Abraços querido.

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  5. Valeu, Léo, ainda vamos fazer umas coisas boas e musicais juntos! beijo grande

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    1. Façamos ou não, já estamos em sintonia, querida.

      Beijão,
      Léo.

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