quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Crônicas Classificadas: 33) A volta do filho (de papai) pródigo ou a parábola do roqueiro burguês

Antes de qualquer coisa, é preciso enfatizar que os músicos e compositores do Brasil devem muito a Lobão, por seus tantos serviços prestados a nossa música. Isto posto, acrescento que até há bem pouco tempo eu costumava gostar dele, mesmo quando discordava. Achava-o uma figura necessária num país onde há tanta hipocrisia. Às vezes me sentia representado quando ele chutava o balde. E o via com olhos condescendentes quando falava alguma groselha, no intuito de renegar Caetano, de quem sempre foi herdeiro (e até já lhe deu razão numa canção). Mas, de uns tempos pra cá, parece que o lobo perdeu o foco, começou a falar merda demais, defender os caras que "arrancavam umas unhazinhas" (quando são as alheias vão assim, no diminutivo).

Deve ter sido quando ele, depois do sucesso de sua ótima biografia, começou a se achar escritor e, na falta de novas bandeiras (e com a música em baixa), defender o indefensável. Esse seu Manifesto do não sei quem contra o não sei o quê tem até alguns capítulos interessantes, mas, quando ele se mete a falar do que não sabe e comprar briga com os mortos, é digno de pena. Aliás, essa onda de compositor de direita anda me assustando. Depois de tantos anos amordaçados, quando começamos a nos sentir confortáveis com o som de nossa voz, desandamos a defender a repressão? Em tempo: ser de esquerda, pra um criador, é estar atento às injustiças do mundo, é ter um pé, sim, na utopia. Se o mundo hoje, principalmente o político, se refestela na não ideologia dos em cima do muro, mais precisamos nos posicionar, ou, em vez de unhinhas, vão nos arrancar massa cinzenta.

Coincidentemente, assisti há pouco ao documentário O Dia que Durou 21 Anos (será que Lobão viu?), de Camilo Tavares, que mostra, com fartura de documentos, como os estadunidenses (usando caminhões de dinheiro) plantaram a semente ditatorial no Brasil, que depois proliferaria pela AL. Ou seja, essa coisa de espionagem não é de hoje. Quando Dilma fala, na ONU, em "desrespeito à soberania", repete o que o ex-presidente João Goulart já disse há 50 anos, pouco antes de o Exército tomar o poder, comprado pelo medo dos yankees de que o comunismo se instalasse no Brasil, visto que Jango tinha ideias de esquerda. Em outro documentário vi alguém dizer que a ignorância possibilita que o passado se repita. 

Por essas e outras, o texto nem tão recente de Cynara Menezes, abaixo, vem bem a calhar, pra que os lobos abram os olhos (ou pra que abramos os olhos com os lobos). Aliás, fazia tempo que queria escrever três ou quatro palavrinhas sobre Lobão, mas, como ela já o fez, poupo as minhas publicando as dela, já que coincidimos na opinião. Sobre Roger eu passo, pois sua praia já foi invadida faz tempo.

A volta do filho (de papai) pródigo ou a parábola do roqueiro burguês
Por Cynara Menezes

Nem todo direitista é derrotista, mas todo derrotista é direitista. Reparem no capricho do léxico: as duas palavras são quase idênticas. Ambas têm dez letras, soam similares e até rimam. Se você tem dúvida se alguém é de direita observe essas características. Começou a falar mal do Brasil e dos brasileiros, a demonstrar desprezo por tudo daqui, a comparar de forma depreciativa com outros países, é batata. Derrotista/direitista detectado.

Temos hoje no Brasil duas personalidades célebres pelo derrotismo explícito e pelo direitismo não assumido: os roqueiros Lobão e Roger Moreira, do Ultraje a Rigor. Eu ia citar também Leo Jaime, outro direitoso do rock nacional, mas não posso classificá-lo como um derrotista típico – fora isso, no entanto, cabe perfeitamente no figurino que descreverei aqui. Os três são cinquentões: Lobão tem 55, Roger, 56 e Leo, 52.

Da geração dos 80, Lobão sempre foi meu favorito. Eu simplesmente amo suas canções. Para mim, Rádio Blá, Vida Bandida, Vida Louca Vida e Decadence Avec Elegance são clássicos. Além de Corações Psicodélicos, em parceria com Bernardo Vilhena e Julio Barroso, ai, ai… Adoro. E não é porque Lobão se transformou em um reacionário que vou deixar de gostar. Sim, Lobão virou um reaça no último. Alguém que voltasse agora de uma viagem longa ao exterior ia ficar de queixo caído: aquele personagem alucinado, torto, jeitão de poeta romântico, que ficou preso um ano por porte de drogas, se identifica hoje com a direita brasileira mais podre.

Não me importa que Lobão critique o PT ou qualquer outro partido. O que me entristece é ele ter se unido ao conservadorismo hidrófobo para perpetrar barbaridades como a frase, dita ano passado, em tom de pilhéria: “Há um excesso de vitimização na cultura brasileira. Essa tendência esquerdista vem da época da ditadura. Hoje, dão indenização a quem sequestrou embaixadores e crucificam os torturadores, que arrancaram umas unhazinhas”. No twitter (@lobaoeletrico), se diverte esculhambando o país e os brasileiros, sempre nos colocando para baixo. “Antigamente éramos um país pobre e medíocre… terrível. Hoje em dia somos um país rico e medíocre… pior ainda”, escreveu dia desses.

Os anos não foram mais generosos com Roger Moreira, do Ultraje. O cara que cantava músicas divertidíssimas como Nós Vamos Invadir Sua Praia, Marylou ou Inútil virou um coroa amargo que deplora o Brasil e vive reclamando de absolutamente tudo com a desculpa de ser “contra os corruptos”. É um daqueles manés que vivem com a frase “imagine na Copa” na ponta da língua para criticar o transporte público, por exemplo, sem nem saber o que é pegar um ônibus. Os brasileiros, segundo Roger, são um “povo cego, ignorante, impotente e bunda-mole”. Sofre de um complexo de vira-lata que beira o patológico. Ao ver a apresentação bacana dirigida por Daniela Thomas ao final das Olimpíadas de Londres, tuitou, vaticinando o desastre no Rio em 2016: “Começou o vexame”. Não à toa, sua biografia na rede social (@roxmo) é em inglês.

Muita gente se pergunta como é que isso aconteceu. O que faz um roqueiro virar reaça? No caso de ambos, a resposta é simples. Tanto Roger quanto Lobão são parte de um fenômeno muito comum: o sujeito burguês que, na juventude, se transforma em rebelde para contrariar a família. Mais tarde, com os primeiros cabelos brancos, começa a brotar também a vontade irresistível, inconsciente ou não, de voltar às origens. Aos poucos, o ex-revoltadex vai se metamorfoseando naqueles que criticava quando jovem artista. “Você culpa seus pais por tudo, isso é um absurdo. São crianças como você, é o que você vai ser quando você crescer” – Renato Russo, outro roqueiro dos 80′s, já sabia.

O carioca Lobão, nascido João Luiz Woerdenbag Filho, descendente de holandeses e filhinho mimado da mamãe, estudou a vida toda em colégio de playboy, ele mesmo conta em sua biografia. O paulistano Roger estudou no Liceu Pasteur, na Universidade Mackenzie e nos EUA. Nada mais natural que, à medida que a ira juvenil foi arrefecendo – infelizmente junto com o vigor criativo –, o lado burguês, muito mais genuíno, fosse se impondo. Até mesmo por uma estratégia de sobrevivência: se não estivessem causando polêmica com seu direitismo, será que ainda falaríamos de Roger e Lobão? Eu nunca mais ouvi nem sequer uma música nova vinda deles. O Ultraje, inclusive, se rendeu aos imbecis politicamente incorretos e virou a “banda do ” do programa de Danilo Gentili.

Enfim, incrível seria se Mano Brown ou Emicida, nascidos na periferia de São Paulo, se tornassem, aos 50, uns reaças de marca maior. Pago para ver. Mas Lobão e Roger? Normal. O bom filho de papai à casa torna. A família deles, agora, deve estar orgulhosíssima.


Publicado em 1 de novembro de 2012,aqui.

***

4 comentários:

  1. Bom dia Cynara.

    Acho interessante você considerar a crítica ao país uma posição ideológica destinada a direita ou a esquerda.

    Eu lembro do Lobão e o Roger criticando o país quando o mesmo era governado por Sarney, Collor, Itamar, FHC.
    Se aplicarmos sua regra, eram eles naquela época – fazendo as mesmas críticas que fazem hoje – também reacionários ou eram de esquerda e revolucionários?

    Lembro-me de Roger no extinto programa Matéria Prima do Serginho Groisman falando em rede nacional que o som dos shows do Ultrage estavam uma merda porque a alfândega tinha confiscado os instrumentos trazidos por eles e os instrumentos elétricos nacionais eram um horror (aliás, quase 30 anos depois o mesmo problema prevalece. Um ótimo instrumento elétrico importado aqui custa de 8 a 14 mil reais...valor inviável pra maioria da população que recorre aos nacionais que por sua vez: continuam ruins).

    Lembro-me também do Lobão no final da década de 90 lançando CD em bancas de jornais porque não queria pagar jabá de rádio e não tinha conseguido gravadora. Ele falava da importância de se legitimar o jabá, ou seja, torná-lo oficial (como é no EUA) para que impostos pudessem ser recolhidos e para que fosse fiscalizado pelo governo (com um limite de horas destinado as atrações pagas via acordo promocional e, sendo assim, permitindo que o restante dos artistas entrasse na programação normal sem precisar pagar), afinal rádio é uma concessão pública. Adivinha se esse problema foi resolvido 20 anos depois?

    Acredito que em 2013 podemos deixar um pouco de lado a questão de direita ou esquerda focar-mos na questão da crítica em si. Papel esse que por tantos anos foi destinado a nós artistas fazê-lo.

    Claro, não concordo com a metade final (sobre os torturadores) da tuitada do Lobão ou as críticas que nåo oferecem solução do Roger.
    Mas é assim?
    Deu uma tuitada equivocada em 40 anos de carreira e “bum”: Virou reacionário.
    ?

    Quanto a questão da relevância artística deles na atualidade, acredito que esse argumento não poderia entrar na sua tese tampouco, se me permite encher seu patuá ainda mais ☺.

    Isso porque ninguém que tenha relevância artística em seu trabalho musical conseguiria no cenário atual ter relevância mercadológica.
    Chico, Caetano, Gil lançam CDs com tiragens de 5 mil cópias a cada 02 anos e se dependessem do mercado como tal como é hoje, teriam sim que entrar na banda do Jô como vc destacou.

    Pois do alto de nosso despertar econômico, continuamos com uma taxa de analfabetismo real (não a farsa chamada de analfabetismo funcional, onde o cidadão escreve o próprio nome e é considerado alfabetizado) de 64%.
    E com 128 milhões de analfabetos, fica difícil construir um diálogo musical que não seja na base do “Vamos sair do chão galera”.

    Resta portanto as críticas.
    Que venham muitas delas para que sim, não passemos vergonha na Copa, melhoremos nossa educação, e tantos outros “emos” que estamos muito longe de conquistar.

    Bjos

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    1. Grande Roney!

      Querido, é sempre bom contar com sua passagem por aqui, pois você traz a tiracolo sua costumeira bagagem de ideias inteligentes. Sabe que, te lendo, concordei com muita coisa do que você escreveu, sem com isso deixar de concordar com o ponto de vista de Cynara. Ela é jornalista, e, como tal, pinçou em seu enfoque cores jornalísticas. Você, músico, por sua vez, mostrou o lado dos músicos. E, no final das contas, pra mim, saímos todos ganhando.

      Como frisei acima, Lobão sempre foi um cara de grandes ideias e que procurou partilhá-las com a categoria. Isso é um mérito mais louvável ainda porque é de poucos. Contudo, sem entrar na qualidade de sua produção musical atual, acho, sim, que ele acabou desenvolvendo ideias reacionárias, que, no mínimo, demonstram uma total falta de respeito em relação aos que lutaram e morreram pra que o Brasil fosse hoje livre. Li recentemente seu "Manifesto...", que corrobora tais ideias, e saiba que quando Cynara o critica não o faz por causa de uma tuitada equivocada daquele, mas por ver nele um pensamento articulado, pensado e arraigado em defesa dos generais. E isso pra mim é inadmissível, principalmente num artista. Seu texto gira em torno disso, e, se peca por certo desconhecimento musical, ainda assim vale pela discussão que gera.

      Quanto à questão da crítica ao Brasil, acho que os defeitos têm que ser criticados tanto quanto as virtudes, reconhecidas. O problema de certa galera é que só vê os defeitos, sem reconhecer que, pra quem esteve duas dezenas de anos sob o jugo militar, até que avançamos bem. Temos muito ainda pela frente, mas estamos caminhando. A crítica pela crítica é, sim, derrotismo. Como exemplo me lembro daquele colunista do extinto caderno Folha Teen, que exaltava qualquer banda pé de chinelo que cantasse em ingrêis, e sentava o pau em nossos talentos. Isso é sinal evidente de direitismo/derrotismo. Falar que Dylan é gênio e que Caetano é um b... é a manjada desde sempre síndrome do vira-lata.

      Não estou tomando as dores da moça, apenas lançando luz sob alguns aspectos do texto que talvez lhe tenham passado despercebidos. No mais, concordo com você em relação ao cenário musical atual e tudo o mais. Pra sermos seres políticos temos que ter olhos críticos também dirigidos à sujeira de nossa sala, não somente à do vizinho. Por essas e outras sou um esquerdista lúcido e atento, mas sem paixão, pois esta deixo pra minhas artices.

      Abração,
      Léo.

      P.S. Tô aguardando aquela encomenda! rs

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    2. Grande Leo.

      De fato, não li o manifesto da alcatéia solitária.
      Não creio que que me animarei para tanto...rs
      Porém, achei o prólogo do mesmo na net.
      Segue um trecho:

      "O Brasil dos estupros consentidos na surdina
      dos superfaturamentos encarados como rotina
      dos desabamentos e enchentes de hora marcada
      dos hospitais públicos em abandono genocida
      dos subsídios da Cultura a artistas consagrados
      dos aeroportos em frangalhos, usuários indigentes
      dos políticos grosseiros, como sempre, subornados,
      de cabelo acaju e seus salários indecentes
      da educação sucateada pelo estado
      em sua paralisia ideológica, omissa e incompetente.

      Do racismo galopante, na internet,
      nas universidades e nas ruas
      com as suas manifestações hostis
      Da queima de índios e mendigos,
      por meninos bem nascidos,
      Do apedrejamento, vilipêndio e morte
      de mulheres, prostitutas e travestis..."

      Não sei o conteúdo do restante, mas entendo este acima como algo muito mais provocativo do que derrotista.

      Provocativo pois vomita o óbvio.
      O óbvio que evitamos falar no nosso dia-a-dia.
      Muitas vezes iludidos pelo mote "Veja tudo que temos de bom".

      Uma vez na faculdade de música, ouvi de um professor interrompendo um colega de classe:
      "Sua noção de tempo é primária e suas escalas exóticas só escondem o seu mal gosto melódico"

      Ofendido, meu colega respondeu:
      "E de bom? Não fiz nada?"

      Ao que o professor respondeu:
      "Fará...assim que consertar essas merdas que estão ocultando seu talento"

      Penso o mesmo sobre qualquer tópico, Brasil incluso:
      O mais urgente é o mais urgente.
      O que já está bom não é urgente :)

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    3. Meu caríssimo Roney:

      Continuamos em concordância. Se você observar meu prefácio acima, perceberá que não escondo as qualidades de Lobão. A questão é que você focou no tema "falar bem do Brasil" e eu foquei no posicionamento dele em defesa da ditadura. O poema acima, dele, é ótimo, mas sua postura, não diria derrotista, mas direitista, é altamente condenável. Não à toa, e coincidentemente, fiquei sabendo que ele foi convidado pra ser colunista da Veja. O lugar perfeito pra soltar seu verbo-rrágico.

      Abração,
      Léo.

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