terça-feira, 17 de setembro de 2013

Crônicas Desclassificadas: 105) Os nº 1 e os nº 2 da Fórmula 1

Nunca vi graça na Fórmula 1. Respeito os aficionados, afinal, cada um escolhe do que gostar. Há quem goste de ver dois brucutus se socando; há quem goste de ver nigerianos correndo; há quem goste de ver um camarada agitando um pano vermelho pra chamar o touro à dança; há aqueles que vibram ao acompanhar 22 marmanjos correndo atrás de uma bola no intuito de fazê-la entrar num retângulo; há quem prefira ver belas e torneadas pernas pulando pra que as mãos empurrem uma bola rumo ao outro lado de uma rede... Aliás, em se tratando de bola, há de todos os tamanhos e espessuras, e, nos diversos esportes em que ela é a protagonista, nunca há duas bolas iguais (cuidado com a conotação!). Há a de gude, a de golfe, a de pingue-pongue, a de tênis, a de beisebol, a de futebol, a de vôlei, a de basquete... Interessante, não?

Mas deixemos as bolas de lado (ui!) e voltemos à famigerada F-1. Como frisei acima, nunca lhe dei pelota (ai!). Admito que, ainda moleque, em tempos imemoriais, tentava, de modo inquieto, acompanhar as travessuras de Piquet e de Senna, mas, depois que o primeiro se aposentou e o segundo se desintegrou, saquei que tinha mais o que fazer do que passar duas ou três horas ouvindo um vruuuuummm vruuuuummm constante me sentindo um cego que precisasse de um narrador se esgoelando pra me dizer quem era o fulano dentro do capacete naquele carrinho acolá... e que me passasse uma emoção que não vinha. Afinal, eu ficava ali esperando um gol, a corrida acabava, e o zero não saía do placar. Depois, três caras subiam ao pódio, jogavam champanhe um no outro, posavam pra fotos... e c'est fini.

Não, definitivamente, F-1 não me desce. Sobretudo, é um dos esportes mais metidos a besta que existem. Começando pela entrada. Fulano paga os olhos da cara pra assistir à tal corrida e ver (vez em quando) seu ídolo passar voando... Acho que quem paga pra assistir a uma corrida dessas, visto que não vê, vai mais é pra ser visto! E o atleta? Por melhor que seja, depende de uma máquina! E de manter uma boa relação com os mecânicos, pois um pneu malcolocado e... babau! Sem falar naquele macacão cheio de marcas que o deixa parecido com um homem-placa. Ah, existe, contudo, o lado bom: o perna de pau (no caso, pé de chumbo) pode sempre botar a culpa no carro e sair de vítima. Mas até isso é broxante nesse esporte, porque a recíproca também é verdadeira. Às vezes um mané vence uma corrida porque os carros que estavam a sua frente foram um por um batendo ou se quebrando. Ô, glória...

E, como a F-1 é um esporte de e pra ricos, há uma diferença de tratamento muito clara (e que ninguém procura esconder) entre o cavaleiro e o escudeiro. Aquele que é ousado, marrento, desobediente, às vezes inconsequente e irresponsável, será a menina dos olhos do dono da montadora, equipe, escuderia ou seja lá que nome deem àquilo. É a relação paternal levada ao esporte. O menininho mimado fazendo diabruras, e o papai passando a mão em sua cabeça. Já o outro, o patinho feio, o nº 2, este nasceu só pra levar na moleira. É pra obedecer, proteger o primogênito, abrir-lhe caminho, e, se cometer a imprudência de manter-se algumas voltas à frente, ganhará como prêmio um puxão de orelha e a exigência de que abra espaço pra que o bonitão de trás o ultrapasse e chegue na frente. Como aquela história do garotinho grosso que compra a bola pra jogar, mas acaba no gol.

E, no final, depois de todos os serviços de vassalagem prestados ao padrasto, o prêmio é um honorável pé na bunda, mas com gratidão e hipocrisia, pra sair todo mundo sorrindo na fotografia... E o cala a boca é o direito a uma gorda mesada depositada em conta bancária, pra afagar o ego e curar os traumas numa praia do Caribe. Vejam o caso de nosso pupilo Barrichello, o Rubinho. Podia ter escolhido ser jogador de xadrez, monge budista, professor de ioga etc... Mas não, se enfezou e meteu na cachola que ia enfrentar o mundo das velocidades, sentir a adrenalina do videogame da vida real, da liberdade de não crer em semáforos vermelhos... e deu no que deu. Até hoje é sinônimo de piada quando o assunto é velocidade. Virou involuntário garoto-propaganda do respeito aos sinais de trânsito. Que roubada, Rubens! Pagar o mico de ser o cara errado na função errada... não há dinheiro que pague!

A F-1 é a número 1 no ensino do "ponha-se no seu lugar". O cordeiro pro abate da vez é nosso não menos querido Massa, que, no começo, até dava pinta de que ia ser massa. Depois foi se amansando, até que o golpe de misericórdia lhe foi dado justo por... Barrichello (eu sei, foi sem querer...)! Daí, de lá pra cá nunca mais se recuperou. Tanto que parece zonzo até hoje. E, como no reino dos carrinhos caros e quebradiços ou você é tyson ou você é sparring, visto que Massa não conseguiu mais encaixar os golpes, por fim foi ele o nocauteado. Na F-1 é assim. Como disse um tiozinho dono desses carrinhos, lá não cabem dois galos de briga na mesma equipe. Assim, as duplinhas são formadas sempre por um Quixote e um Sancho, um Batman e um Robin, um Sherlock e um Watson, um Zorro e um Tonto...

Pensando bem, entre a F-1 e o futebol talvez a diferença seja apenas numérica: ao passo que neste há 10 fulanos se virando nos 30 pra que brilhe um Neymar, naquele a proporção é de um por um. Pensando dessa forma, esse esporte que não é esporte até parece mais justo que aquele. Porém, ainda assim o fifty-fifty da F-1 é mais elitista, porque, na realidade, o mundo lá fora está mais pro futebol, à medida que são necessários dez pobres pra que um rico se mantenha. Quer dizer, nunca fui bom de matemática; muito provavelmente a proporção seja de um punhado de Maracanãs lotados pra cada rico. No final das contas, somos todos barrichellos, retardatários, só nos falta um Galvão gritando em nosso escutador: "Aceleeeeeeeraaaaa, !"

***

P.S. Há alguns anos eu e meu brou Marcio Policastro saímos em defesa de Rubinho. Afinal, os rubinhos são necessários em toda empresa (e na sociedade em geral). O que seria do mundo sem eles? Pensem: como Robinson Crusoé manteria a sanidade sem o Sexta-Feira? Como Quixote manteria a insanidade sem o Pança? O que seria de Dirceu sem o Delúbio? De Jesus sem João Batista? E dos famosos sem os guarda-costas? Etc, etc. Né não? Assim, termino este relato reduzindo a marcha, pegando a faixa da direita e homenageando nosso anti-herói, um digno e honrado contraponto a este Brasil de Pelés. Ah, se meu fusca falasse...  

BARRICHELLO – UM SAMBA
Marcio PolicastroLéo Nogueira

Me contento em ser um barrichello
Devagar e sempre, não furo o farol vermelho
Se eu não sou herói de um reino polichinelo
Tampouco sou vilão de um pesadelo

Me contento em ser coadjuvante
Pois figurante é quem vive de imagem
Se eu não sou aquele personagem do Cervantes
É por preguiça, não por falta de coragem

Além de tons jobins há tons pastel
Senão, o que seria do amarelo?
Nem só de altas patentes vive um quartel
E eu não sou prego, só porque não sou martelo

E não me considero um perdedor
Se nem sempre eu estou entre os primeiros
Não dou meu sangue pra ser o salvador
E redimir o povo brasileiro

Olha o pit stop, olerê
Deixa o meu iate passar
Quem me critica é quem não sai do lugar
Olha o pit stop, olerê
Prepara o safety car
Porque tem massa me esperando pro jantar

***

2 comentários:

  1. Irmão, parabéns pelo texto. Também peguei o maior bode de Fórmula 1, previsível pra caralho.

    Abs.

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    1. Valeu, irmão! Tamo junto! E nessa dobradinha não tem primeiro nem segundo! rs

      Abração,
      Léo.

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