domingo, 12 de janeiro de 2014

Grafite na Agulha: 16) Os Reis do Ié, Ié, Ié!

O colaborador desta semana é o pernambucano de Recife e Olinda (isso mesmo, futuramente explicarei essa aparente disparidade) Gilvandro Filhocompositor-jornalista (ou seria jornalista-compositor?) de vasto curriculum vitaem. Pense num cabra rodado! É Gilvandro. Como jornalista, emprestou sua pena a O Globo, Jornal do Brasil, Jornal do Commercio (PE), Veja etc., tendo ganhado mesmo por três vezes o Prêmio Esso de Jornalismo-NE. Como compositor, é letrista parceiro dos feras Tavito, Luhli, Marianna Leporace, Sonekka e de mais uma ruma de gente boíssima. De quebra, Gilvandro escolheu escrever sobre esta banda que simplesmente revolucionou a música do século XX. Mas deixemos que ele conte, pois poderá explicar melhor que eu. Com vocês...


Os Reis do Ié, Ié, Ié!
Por Gilvandro Filho

Há alguns anos, o escritor, jornalista, cantor e compositor pernambucano Marco Polo – líder do lendário Ave Sangria, grupo dos anos 1970 e ícone no rock aqui da terrinha (Recife) – escreveu um livro chamado Memorial. E nele (coisas de Polo), eu sou verbete. Tudo porque, em 1965, então com pouco menos de 9 anos de idade, eu assisti ao filme A Hard Days Night, dos Beatles, 14 vezes seguidas. Nas sessões do Cinema São Luiz, eu estava, uma atrás da outra. Ia para casa e voltava no outro dia. Aí começou a minha tara por música. Aí começou a minha fissura pelos Beatles.

Quando Léo Nogueira me convidou para escrever sobre o disco que mudou a minha vida, eu nem precisei pensar muito. A trilha daquele filme – aqui no Brasil, filme e LP atendiam pelo nome inacreditável de Os Reis do Ié, Ié, Ié! - foi a primeira paixão que tive na vida. Foi o disco que mexeu comigo e que me fez ter a música, até hoje, no mesmo grau de importância da água e do ar. Então, vamos logo ao “X da questão”, para plagiar Léo. Este LP é o marco zero.

De lá para cá, a presença dos Beatles no meu imaginário musical nunca arrefeceu um tantinho sequer. Sempre aqueles quatro cabras e a sua música se colocaram acima de quaisquer rankings que eu fizesse. Ao longo da vida, eu saí pelaí colecionando paixões, antigas e novas. Elvis, The Platters, Ella Fitzgerald, Louis Armstrong, Charles “Bird” Parker, Glenn Miller, The Hollies, The Beach Boys, Johnny Cash, Creedence Clearwater RevivalJoão Gilberto, Dick Farney, Elizeth Cardozo, Wilson Simonal, Roberto, Caetano, Chico, Elis Regina, Zé Rodrix… Mas, os Beatles nunca couberam em ranking nenhum.

A Hard Days Night – ou Os Reis do Ié, Ié, Ié!, com a capa vermelha, como saiu na versão brasileira, e não azul feito no original - ecoou na minha cabeça como uma revolução. Do acorde inicial da música título até I’ll Be Back, a última canção daquele lado B, onde enfiaram seis músicas que nunca fizeram sucesso, algo estapafúrdio em se tratando daquelas figuras. Mas nem precisava. A música, pra mim, se inventava ali, naquelas seis canções do Lado A.

Gilvandro
A começar por I Should Have Know Better, que foi o primeiro hit beatlemaníaco que fez a minha cabeça, ao que me lembre. Imagino que ajudou muito a versão cretina e deliciosa de Renato & Seus Blue Caps, aquela do refrão que cantávamos à exaustão (“Menina linda, eu lhe adoro / ôôôhhh / Menina pura como a flor /ôôô háháhá...”).

Tinha ainda uma sequência irresistível, com If a Fell, I’m Happy Just to Dance with You (a voz de George Harrison era o toque a mais da canção), And I Love Her, Tell me Why e Can’t Buy me Love. Os Beatles quase que nasciam pra mim ali, naquele filme e naquele disco.

Esta semana*, eu tomei coragem, juntei uns trocados e comprei uma radiola metida a besta, que tem CD, cassete, USB, vinil. Sobretudo vinil. Fiquei feito uma criança que ganhou brinquedo novo. Tratei logo de abrir um velho guarda-roupa e tirar de lá todos os velhos discos que guardava desde muito tempo. Junto com outros que comprei mais recentemente, aqui me levou de volta a um tempo muito bom. E, entre os discos dos Beatles, lá estava ele, velhinho, talvez pulando e estalando. Mas, doido de saudade de se enfiar na vitrola e sair rodopiando e me dando de volta aquele som mágico lá dos 1960 e poucos.

Ainda não o escutei. Quero antes dar uma boa limpada com água morna e sabão. Mas é questão de tempo. E não vejo a hora. Chegar de um dia duro de trabalho, sentar junto da radiola, abrir uma cerveja gelada. Levar o braço da vitrola até o disco, baixar suavemente até a faixa... e relaxar, cantando com eles:

- And I've been workin' like a dog...

***

*Realmente Gilvandro havia comprado sua radiola na semana em que escreveu o texto. O que ele não sabia era que ia entrar numa fila quase interminável. Mas chegou sua vez.

***

The Beatles – Os Reis do Ié Ié Ié! (1965  EMI)

Lado A
1. A Hard Day's Night
    (John Lennon Paul McCartney)
2. I Should Have Known Better

    (John Lennon – Paul McCartney)
3. If I Fell
    (John Lennon – Paul McCartney)
4. I'm Happy Just to Dance with You
    (John Lennon – Paul McCartney)
5. And I Love Her
    (Paul McCartney)
6. Tell Me Why
    (John Lennon – Paul McCartney)
7. Can't Buy Me Love
    (John Lennon – Paul McCartney)
Lado B
1. Any Time at All

    (John Lennon – Paul McCartney)
2. I'll Cry Instead
    (John Lennon – Paul McCartney)
3. Things We Said Today
    (John Lennon – Paul McCartney)
4. When I Get Home
    (John Lennon – Paul McCartney)
5. You Can't Do That
    (John Lennon – Paul McCartney)
6. I'll Be Back
    (John Lennon – Paul McCartney)

***

Ouça o LP na íntegra aqui:



***

Pra finalizar com chave de ouro, um bônus: o filme!


***

6 comentários:

  1. Como eu queria ter vivido essa época... acho que daria até uns 3 anos da minha vida por isso. :)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, anônimo! Grato pela visita e pelo comentário.

      Contudo, acho que você exagerou nessa "saudade do que não viveu". Três anos de sua vida em troca de viver em outra época não é um pouquinho demais, não? (rs) No mais, se você tivesse vivido naquela época, hoje estaria bem mais velho, sem falar nos três anos a menos, frutos dessa "negociação".

      Sou da turma de Paulinho da Viola, que diz, parafraseando Wilson Batista, que seu tempo é hoje. Acho que cada época tem suas virtudes e seus defeitos, mas hoje podemos viver o passado por meio de arquivos, documentos, livros etc. e, de quebra, viver o hoje e sonhar com um amanhã melhor.

      Abração,
      Léo.

      Excluir
  2. Vivi exatamente a mesmíssima experiência do Gil. Beatles 4ever! :) Hoje sei que fomos uns sortudos de sermos jovens em 1964, testemunhar e participar da verdadeira revolução que foi a carreira dos Beatles. Só quem viveu aquela época é que sabe o que era a expectativa que cercava o lançamento de cada disco. Eles foram amadurecendo musicalmente e nós íamos juntos numa viagem sem volta. Ao mesmo tempo, o música mudava, o mundo mudava, os costumes mudavam. E a música dos Beatles estava no centro de tudo. Hoje, olhando para trás, analisando o conjunto da obra, um jovem não tem noção do que foram aqueles anos.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Alan, meu velho, sempre bom te ler por aqui!

      Como disse acima, respondendo ao colega anônimo, sou adepto do hoje. Respeito e admiro certas épocas do passado (inclusive, em determinados momentos de sonho, música e etilismo, faço certas digressões rumo a outras épocas), mas, se nos tocou estar vivos no ano da graça de 2014, acho também saudável aproveitá-lo, até mesmo o recriando, por meio de novas canções, crônicas ou – por que não? – mesmo textos como este do Gilvandro, que traz pros dias atuais esse sabor de tempos outros.

      Falando nisso, aproveite que o Gilvandro te inspirou e cometa também o seu! Tô no aguardo.

      Abração,
      Léo.

      Excluir
    2. Não estou desprezando o que se faz hoje. Muito pelo contrário: procuro ouvir de tudo, a seu tempo, e tenho curtido música boa em todas as décadas. Mas não posso - nem quero! - apagar a minha própria história. Os anos 60 e 70 fizeram a minha cabeça (para usar uma expressão da época! hehe). Outros pensarão diferente, como vejo acontecer com a rapaziada que cresceu ouvindo o Rock BR. O que emociona as gerações atuais? No futuro talvez deixem correr uma lágrima ouvindo um velho sucesso de uma dupla sertaneja, um rap ou um funk Sabe-se lá!...

      Excluir
    3. Alan, queridão, não quero (e nem é minha intenção) que você – ou qualquer outro de sua geração – apague sua própria história. São nossas histórias que nos fazem o que somos. Além do mais, concordo com você em relação ao triste quadro que se nos apresenta hoje no que diz respeito à música que se ouve. Só quis trazer um pouco de luz pra esses tempos, pois o problema hoje é menos de qualidade e mais de divulgação. Ouço muita gente hoje que, se tivesse a mesma oportunidade que as gerações passadas tiveram, faria igualmente bonito. Minha intenção não foi criticar, é só que pertenço a uma geração acostumada a ser tratada com certo descaso pelos meios de comunicação. Nosso hoje (musicalmente falando) podia ser muito bonito, se tudo isso de bom que se faz por aí pudesse ser propagado aos quatro ventos.

      Abração,
      Léo.

      Excluir