segunda-feira, 10 de março de 2014

Crônicas Desclassificadas: 123) As ervas daninhas (e as redes sociais)

Os novos tempos deviam trazer com eles um manual de instrução pra que nos pudéssemos adaptar mais facilmente. Fora os jovens e as crianças, que são autoadaptáveis, nós, os adultos (ou serei só eu?), costumamos penar pra entender mecanismos que pros pimpolhos parecem simples. Se não me engano, foi Woody Allen quem disse que o computador surgiu pra resolver problemas que antes não tínhamos. È vero. Claro que a modernidade traz com ela muitas coisas bacanas, algumas das quais passam a ser imprescindíveis pra nós, como, por exemplo, o celular. Quando surgiu esssa pequena encrenca, fui dos últimos a comprá-la. Aliás, no início, nem a comprei. Ganhei de presente da consorte seu velho tijolão, que ela trocara por um novo. De lá pra cá, por iniciativa própria, fui renovando os modelos, mas sempre, teimosamente, depois que toda a humanidade já o tinha feito.

Pois bem, este preâmbulo foi pra ilustrar como ainda trago comigo dificuldades sempre renováveis em relação às novidades, agora me referindo às tais das redes sociais. Entrei no orkut quando este definhava; entrei no twitter, mas nunca soube exatamente como usá-lo nem pra que servia (tanto que lá entro raramente na atualidade); entrei no facebook quando todos os meus amigos já lá estavam e por mim esperavam. Eu os esperava num boteco qualquer, mas eles estavam lá marcando seus encontros botequísticos por meio dos convites virtuais... E eis que a rede me fisgou. Não sou exatamente um usuário viciado, mas confesso que passo mais tempo ali do que gostaria. A relação é parecida com a de um homem casado que tem uma amante: os livros são minha esposa; o face, minha amante. Quanto mais gasto tempo com uma, mais sou relapso com a outra.

As tais redes sociais, como tudo na vida, têm seu lado bom e seu lado ruim. No caso do supracitado face, seu lado bom é bem bom e deve ser louvado: compartilhar vídeos, textos, notícias, eventos, piadas etc.; encontrar velhas amizades perdidas nas esquinas do tempo; ficar atualizado em relação aos modismos e às engraçadas inutilidades; divulgar shows, peças, festas, blogues etc.; enfim, como todos vocês (menos uma prima bióloga e um amigo baleiro) têm um perfil (ou mais) por lá, sabem, seguramente melhor que eu, a face boa do face. O lado ruim é igualmente amplo e inflamável. Foi com a popularização do face que descobrimos um lado menos conhecido do brasileiro. Protegido atrás de qualquer desses monstrenguinhos conectados à rede, cada um de nós revela seu Mr. Hyde...

E o pior: como a ideia é atingir não um milhão, como queria Roberto Carlos, mas 5 mil amigos, recebemos em nosso convívio, de braços abertos, completos estranhos ou, na melhor das hipóteses, conhecidos dos amigos dos amigos dos contraparentes. Até aí tudo bem, fazer amizades é (ou deveria ser) algo saudável; muitos de meus novos amigos do peito conheci via rede; o problema é que, como o face virou uma extensão de nossa casa, achamos sempre que estamos proseando com nossos amigos no aconchego do lar e não poucas vezes nos desnudamos, revelamos segredos, relatamos viagens, dizemos de onde viemos e pra onde vamos, e não atentamos ao fato de que há demasiados olhos acompanhando (seguindo? rastreando?) nossos passos. Este é apenas um dos tantos lados ruins do face.

Voltando a Mr. Hyde, ali nos deparamos com desocupados neonazistas, reacionários esbravejantes, esquerdopatas primitivos e demais truculentos em geral. A maioria constituída por perfeitos exemplares de donos da razão. E, como dizem, seria até cômico se não fosse trágico, pois num bate-papo no lar ou, vá lá, num boteco, por mais que os ânimos se exaltem, temos a diplomacia de não ir às vias de fato. Ou a turma do deixa-disso nos acode. Já na rede viramos por vezes verdadeiros imbecis, não sabemos ler, interpretamos o que lemos como bem queremos, somos uma bomba-relógio prestes a explodir (e, nesse caso, outro lado bom é não estarmos cara a cara com o interlocutor). Sempre me lembro daquele desenho em que o Pateta, quando pedestre, era uma flor; quando motorista, virava uma besta quadrada.

É mais ou menos isso. Como terapia não é coberta pelos planos de saúde, usamos as redes sociais muitas vezes como um local onde extravasamos frustrações, ansiedades e demais estrumes. Daí, por um nada, nosso ressentimento nos leva a escrever "abraços pacíficos é o cara/&@" por qualquer coisinha, porque nos levamos muito a sério e somos os eternos ofendidos. Escrevemos essas groselhas como quem diz "você sabe com quem está falando?". E, é bom frisar, não me excluo, por mais que em 99% das vezes tente ser educado (como o sou ao vivo e em cores), há sempre aquele dia em que passamos um perrengue no trampo, comemos (ou, principalmente, bebemos) algo que não nos caiu bem, a pessoa amada nos acertou um jab de esquerda... Nesses dias o 1% fala mais alto.

E a que vem tudo isso? Explico: eu, pessoalmente, sou um dos caras mais tranquilos que conheço; ponderado, engraçado, pacífico – embora não fuja de um bom debate –, enfim, "uma moça". E digo mais, às vezes até exagero na bebida e ajo como um palhaço, mas em geral meus amigos me entendem (e a recíproca é verdadeira, caso contrário não seria amizade). Saltando pra rede, até dia desses, apesar de já ter sido excluído por falsos amigos, jamais havia desistido de alguém, jogado a toalha a ponto de ir lá nas ferramentinhas guilhotinar fulano de minha vida (rede) social. Mas sucumbi. Fi-lo. E me senti muito mal: antes, durante e depois. Demorei uns tantos minutos pensando se seria o caso, ao final dos quais optei por limar a figura.

Confesso que quase chorei. Porque se trata de uma pessoa que admirava, com quem partilhava certo pensamento ideológico, de quem tentara me aproximar não poucas vezes e sobre quem já escrevi aqui neste mesmo espaço onde ora o rechaço. E sobretudo porque o camarada é um baita compositor, um cara que, apesar de não ser muito conhecido, é uma figura pública, que paga o ônus de sua opinião. De gente assim a gente sempre espera mais poesia que porrada, mais ternura que endurecimento. E a gente espera ser visto por tal pessoa com a mesma admiração que lhe tem. Daí a gente (tô falando muito "a gente", né? Que nem o Lula. Relevem, é a emoção) descobre que a poesia que mora em sua canção não mora em seu coração. Este, ao contrário, trocou o amor e a leveza pela língua afiada fácil, cega e vã, que corta quem estiver por perto, seja desafeto, parente, amigo... espelho.

Suponhamos que nosso coração seja um jardim. Cuidamos dele com especial carinho, temos o maior cuidado em regá-lo, escolhemos pra fazer morada nele as mais belas flores das mais variadas cores... mas ainda assim as ervas daninhas começam a aparecer. Algumas delas são até bonitinhas, exóticas, mas... opa! Atenção! Há certas belezas que não suportam compartilhar o mesmo espaço com belezas outras pertencentes a categorias diferentes. Querem ser as únicas. Nessa hora, se caímos de amores por elas, as malvadas engolem nossas rosas, multiplicam-se, e, quando menos esperamos, nosso jardim-coração vira uma enorme e insaciável erva daninha. E, em terra de erva daninha, rosa não opina. Antes que cheguemos a tal ponto, é necessário cortar o mal pela raiz.

***

6 comentários:

  1. Que texto maravilhoso Leo,daqueles que gosto de ler e depois ficar matutando sobre o "dito". Quando vim no rastro de seu convite e cheguei no site,olhei e pensei; "Que textãooooo".Como sei de sua capacidade textual e intelectual(não ria) iniciei a leitura e não parei nem para responder uma cliente no whats. Realmente nos deparamos com pessoas"nuas e cruas" em redes sociais e cada um dos que aqui vir poderá descrever varias situações constrangedoras. A minha maior decepção facebucana foi com um dos grandes compositores/interpretes e membro do nosso Caiubi, fiquei "chocada" com tanto besteirol que o cara posta,humor chulo...(acabou-se minha admiração) Mas como temos o outro lado das redes, vem as coisas boas; no meu caso um contato maravilhoso com meus cliente e amigos.Rever afetos(as vezes desafetos) e partilhar meus escritos. A coisa pior que acho é a mania que o povo pegou de não ler textos grandes(será que não leem pq são grande ou pq são ruins?) Beijos e sabe o quanto sou sua fã fã fã

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    1. Lucinda, queridona, sempre bom te ler por aqui.

      Bem, o grosso já tratamos nos "bastidores", né? (rs) Mas relações virtuais, redes sociais, são assim mesmo. Como não podemos mudar as pessoas a nosso redor, garimpamos o que é bom e deixamos passar o besteirol.

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  2. Adorei Léo, sempre me identifico com a tua escrita quando o tema é esse...Devo dizer que eu tb não me rendi completamente as "tendências" das redes sociais. Me acho até bastante comedida e creio que exploro o "lado bom" citado por vc, e me reservo o direito de não postar cada passo que faço...relatos acompanhados e documentados com fotos (fotos de cada suspiro, cada passo, do que comeu e quem comeu, rsrs...e por aí vai...) Acho que isso, realmente, não vai dá prá mim...Privacidade virou artigo de luxo mesmo e alguns nem sabem mais o sentido dela...e esse é um luxo que eu faço questão de me dar...Parabéns pelo texto, muito adequado!

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    1. É, Rita, privacidade é um negócio tão raro hoje, que em pouco tempo ninguém vai mais nem dar pela falta dela. Soa engraçado, mas é triste (e perigoso).

      Valeu pela visita.

      Beijão,
      Léo.

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  3. Muito bom, Léo!
    É exatamente assim. Que estranho, né? Muitas pessoas, atrás de suas maquininhas conectadas à internet, parecem se esquecer da civilidade. Muitas vezes até da educação. Tudo em nome de ter uma opinião ou da tão falada (superestimada?) sinceridade.
    Também adorei a música do Policastro! Vou ficar de olho no CD.
    Beijão!

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    1. Valeu, Dannoca!

      O CD do Policastro é uma joia. Altamente recomendável.

      Quanto à questão opinião, até bem pouco tempo, ter uma era sinal de caráter; hoje, por vezes, é sinônimo de barbárie. Parece que os mais civilizados são os que não têm opinião, pois passam ao largo desse esgrimir sem sentido.

      Beijos,
      Léo.

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