segunda-feira, 7 de abril de 2014

Ninguém me Conhece: 79) Vidal França, o bruxo da canção

Caramba! Vidal França! Há quanto tempo eu não ouvia falar desse cabra... E eis que de repente, não mais que de repente, sua filha, Karina França (também compositora e parceira minha), dia desses avisou a mim e aos demais amigos do facebook (tá vendo como há faces que vêm pra book?) que seu pai acabara de participar do programa Provocações, de Antônio Abujamra. Corri pra ver, abri o link, e, enquanto via, passava todo um filme por minha mente, o filminho de nosso tempo de convívio; daí que, quando o programa acabou, falei pra mim mesmo: Léo, você, que tem uma coluna chamada Ninguém me Conhece, que já tratou de tanta gente, tem obrigação de escrever umas palavras sobre o sujeito, caso contrário, pode crer que sua coluna não estará cumprindo o papel dela.


1) Facho de Fogo (João Bá – Vidal França)
Diana Pequeno

... e, como o Léo é meu patrão, ai de mim se não escrevesse! Por isso, cá estou, na tentativa de filtrar, sob meu olhar, esse monstro da música popular brasileira, o baiano Vidal França, com quem tive o privilégio de conviver durante bons anos. E, apesar de ele ter bem uns 50 anos de carreira, resolvi tratar daquele pouco tempo em que o tive por perto. Espero que a memória não me engane. Vamulá! Acho que conheço Vidal desde antes de conhecê-lo, pois, a partir do momento em que comecei a frequentar o velho Bixiga, seu nome pairava no ar. Primeiro soube de quem ele era filho, depois fui conhecendo pessoas que o conheciam, até que um dia me deparei com ele. Não me lembro por qual motivo, acabamos (Kana e eu) indo parar em sua casa, onde a prosa rolou solta e ele nos mostrou algumas de suas belas canções. Lá conheci também Zé de Riba, outro belo compositor maranhense. 

O tempo passou, e, de tanto frequentarmos o Bixiga – que na época tinha mais opções musicais que hoje –, Batista – outro compositor feraça, sergipano (sim, sergipanos existem! rs) , que, além das artes, também comandava o barco do Café do Bexiga, tradicional casa bixiguense, convidou Kana pra tocar lá algumas noites da semana. Nessa época, Clodoaldo, filho de Batista e também muito bom compositor, ainda era menor que nós (se é que algum dia ele já foi menor que nós). Algum tempo depois, ele já dividia com Kana os microfones. Um tempo ela chegou a se apresentar lá como integrante de um quarteto de mulheres. Eram ela, Karina FrançaKarla Dallmann Socorro Lira. Como Vidal também se apresentava lá (com sua então esposa Mazé), pude me sentir um cara dos mais privilegiados, por poder acompanhar de perto o trabalho de tanta gente boa.

Vidal possui um repertório vastíssimo e uma interpretação pra lá de peculiar – e visceral. É um animador nato, ninguém fica parado quando ele se apresenta em algum bar, porém, bar é bar e show é show. É meio que como dizem no futebol que "treino é treino, jogo é jogo". Foi justamente vendo um show de Vidal (o local me escapou, mas a emoção, não) que tive a real dimensão da grandeza de sua obra. E não só de sua obra, mas do dono dela também. Vidal, no palco, parecia que deixava de ser humano e se transformava numa espécie de entidade. Era como se um santo baixasse nele e lhe tomasse o corpo. Lembro que por vezes eu continha a respiração, e chegava mesmo a me esquecer de piscar, apalermado, como se o ato de bater as pestanas me fizesse perder algum momento mágico. E momentos mágicos eram todos.


2) A Mula do Padre (Vidal França – João Bá)

Pra vocês verem como há injustiças na música brasileira. Vidal, pra mim, está no mesmo patamar dos grandes compositores que nossa terra produziu. Aliás, produzir não é o verbo correto, pois tem mais a ver com esses tantos artistas de plástico que pululam (e pulam) nos infindáveis programas televisivos de gosto duvidoso. Estes, sim, são "produzidos", feitos em série, sem originalidade nem conteúdo. E o país está tão mal das pernas, que já há fulanos desses ganhando prêmios de melhor cantor e tal. Baita engodo! Vidal é de outra estirpe. Pra falar dele, o mais correto seria dizer "manufaturar", pois a fórmula de sua feitura se perdeu e nunca mais apareceu outro como ele. Vendo Vidal, sentimos uma saudade danada de um tempo em que os artistas se destacavam pela originalidade. Hoje muitos sobrevivem como clones...

Quem vê Vidal com seu violão surrado, seu chapéu de boiadeiro e sua roupa de nordestino sem luxos não imagina do que o sujeito é capaz. Toca pra caramba, possui uma voz que é uma bênção, compõe como só ele e, de quebra, ainda é maestro e arranjador! "Tô mentindo, Terta?" Por isso que está certo quem diz que não devemos comprar um produto pela embalagem. Muitas vezes, mais que embalagem, é "enrolagem". Ou ainda, como entramos numas de ditados populares, é verdadeira a máxima que diz que "os melhores perfumes estão nos pequenos frascos". Assim é Vidal, que, em sua humildade, não procura supervalorizar seu trabalho se emperiquitando todo. Afinal, sabe de sobra que sua obra fala por si.

Assim, obviamente, estando eu ali tão próximo dele, não ia perder a chance de entrar pro seleto rol de parceiros seus. Daí, apesar de cearense, usei de tática mineira, fui pelas beiradas, deixando que minhas letras cantadas por Kana fizessem eco em sua cabeça. Até que um dia dei o pulo do gato: levei no bolso uma letrinha ao Café do Bexiga e lha entreguei. Contudo, há alguns sinais que denunciam o que está por vir; nessa madrugada, ao voltar pra casa, Vidal tomou uma baita chuva, e a letra acabou completamente borrada. Então, enviei-lha novamente. Tempos depois ele a musicou, inclusive a gravou. O problema, pra meu ego, foi que acabou alterando-a tanto, que virou mesmo outra coisa. Acatei, em nome da honra da parceria, mas senti, no íntimo, que ele não devia ter gostado tanto dela, mas, carinhosamente, em vez de me devolver, optou por melhorá-la. Mais que parceria, serviu-me como lição de humildade.

(ouça aqui)
3) Cidade Bruxa (Vidal França  Álvaro Guimarães)
Carmen Queiroz 

Hoje não sei por onde anda Vidal. Soube que andou tomando umas a mais e um tempo esteve mesmo bastante adoentado. Por isso fiquei feliz ao vê-lo tão bem no Provocações, provocativo como sempre, combatendo o bom combate. No mais, ao contrário de julgá-lo, entendo-o. Na vida há certas injustiças que nos pedem um trago pra ver se as enxergamos com outros olhos. Claro que talvez Vidal tenha tido lá sua parcela de culpa no desenrolar de sua carreira, mas quem não tem? E digo mais: de culpas também o sucesso anda cheio. A essas alturas do campeonato me dou por satisfeito se o Criador, que o manufaturou tão bem antes de jogar a fôrma fora, tiver a inteligência de manter sua criatura com saúde ainda por muitos anos, nem que seja apenas pra que eu e mais alguns afortunados tenhamos novamente o raro prazer de vê-lo em seu habitat: o palco!

***




***

PS: Uma pequena amostra de como eram as noites comandadas por Vidal no Café do Bexiga:


***

2 comentários: