segunda-feira, 30 de março de 2015

Eu Não Vi, Mas Me Contaram...: 5) Os galhos imaginários de dona Serafina

... Pois é, meu, a mulher num se enxerga! Olha bem pra mim e me diz se eu tenho cara de quem fica de pegação com coroa! Tenho? Claro que não, né? Mano, o velho tem o cabelo todo branco! TO-DO! Tipo assim, ele tem cara de quem já foi gato, mas isso uns, sei lá, 15, 20 anos atrás. Agora, pra ela tava de bom tamanho, mas pra mim? Tô fora. E, ó, quer saber? Quarentão eu tô dispensando, imagina um... sei lá se ele tem 50 ou 60, o que eu sei é que passa longe de ser o peixe que vai cair na minha rede, tá ligado? E digo mais: de pretendente eu tô por aqui, tô dispensando MESMO, na boa. Quer dizer, tipo, se eu tô na balada e pinta um gato dando entrada, eu num sou besta de deixar passar batido, né? Mas aí, nesse caso, é só pra dar uns beijo', tá ligado? Só pra ficar, que esse papo de namoro e casamento é só pra depois que eu tiver me formado, viajado o mundo e tal.

Então, vou dar a letra, a parada foi a seguinte: o meu irmão, conhece o meu irmão, o Clodoaldo? Não? Pô, pensei que eu tivesse te apresentado... 'Xá pra lá, o lance é que ele casou. É, já fazem uns quatro ou cinco anos, teve até um guri, o Júnior. Pois é, menino, virei tia, cê vê? Mas tô de boa, vou ficar pra titia, não. Na hora certa eu dou o bote: se for lindão e chei' dos mânei, já tá na mira. Mas então, meu, 'xeu falar! A mulher dele, a Sheila, é toda saradona, tá ligado? Parece até aquela outra, a dançarina do Tchan, a morena, manja? Mas ela é mó dez, a gente ficou tipo irmã, tá ligado? Parece até que, tipo, é ela que é minha irmã e não o meu irmão, manja? Daí que, meu, lógico que eu passei a frequentar a casa dela, né? Novas! Não, pô, a casa dela, claro, que ela casou e foi morar noutra casa com o meu irmão. Mas eu tô falando da casa dos pais dela, que, tipo, toda vez que ela ia lá me chamava, então por quê que eu num ia ir?

Daí que eu fiz mó amizade com os coroa' dela, tá ligado? Vira e mexe eu tava lá. E eles queriam ver o neto, daí a Sheila levava ele e me chamava e eu ia, né não? E, cara, tipo assim, no começo eles eram superdez comigo, parecia que eu que era a nora, manja? O meu irmão, o Clodoaldo, ele viaja pra caralho, tá ligado?, que é da profissão dele, trabalha pruma empresa gringa, daí, quando os gringo' vêm pra cá, ele fica tipo de guia turístico, manja? Daí que, quando o meu irmão viajava, a Sheila ia dormir na casa dos pais dela, e, pô, me chamava, na brodagem. E eu ia, na maior inocência; vai vendo p'cê ver. Ah, 'xeu contar, o Clodoaldo começou a se montar na grana, tá ligado? Mas também, pô, o cara merece, ralou que nem um fdp pra chegar aonde que chegou, daí sobrou um mânei, comprou uma casa no Guarujá. Novas!

Meu, vou te contar: dez, velho! Muito dez! Daí que a gente passou um tempo descendo tipo quase todo fim de semana. Aí ia a galera toda: ele, a mulher e o filho, os sogros dele, os meus pais e eu, né? Novas! Mano, altas churrascadas! E eu vou te falar uma parada, o seu Beto... É, falei não? Beto é o nome do sogro do meu irmão. Podicrê, é coroa, mas tem nome de garotão, vai vendo... 'Xeu falar, pô! Então, o seu Beto pilotava uma churrasqueira animal, velho! O coroa era nervoso nas carne'! Meteu ni mim até uns papo' de que tinha sido surfista e o caralho a quatro. E, ó, o velho era garganta, mas eu, tipo, sei lá, eu num duvido, não, tá ligado? E o cara era mó bronzeado, tinha até uma tatuajona de sereia no ombro. Eu rachava o bico de ver ele sem camisa, com aqueles pelo do peito tudo branco...

Mas aí, velho, vai vendo p'cê ver, a casa de praia do meu irmão era até grande, tá ligado?, só que chegou uma hora que parecia que tinha virado pousada, porque ele ficou assim com o diretor lá da firma dele, daí que o cara passou a descer junto com a gente. O cara e a esposa, uma peruona, tá ligado? Nunca fui cu'as fuça' dela. E, ó, era até meio sinistro, porque esse diretor aí, o cara era gringo, tá ligado? Era Paul o nome dele. E vai vendo, era mó tampinha! Careca, barrigudo, mó nada a ver. E a mulher... brasileira. Ela era brasileira. Mas aí que ela nem era esses balaio' todo, mas se achava. U-ó! Quer dizer, pra ele ela era tipo assim uma Gisele Bündchen, mas na real tava mais era pra Marta Suplicy, manja? Mas o que eu ficava pê da vida era que eu pensava, tipo assim, pô, o cara é diretor e num tem uma casa de praia e fica na bota do funcionário?

Mó sinistro, né não? Fala a verdade... Coisa de mão de vaca. U-ó! Se bem que, beleza, o cara morria cuma grana ali. Acho que ele, tipo, num queria era arcar com a responsabilidade de manter uma casa na praia, piscina e tal, manja? E gringo ainda... esses cara' vêm pra cá, mas num confiam em brasileiro... Daí que ele se aproveitava do trouxa do meu irmão. Sá' que parecia? Que o meu irmão era tipo o caseiro dele, tá ligado? Então, ó, vai vendo p'cê ver: e num é que a tal da peruona ficou unha e carne com a sogra do meu irmão? É, cheia dos ti-ti-ti, dos blá-blá-blá, cê p'sisava ver. Olga. Ó que nome de véia da porra. A mulher do gringo. U-ó! Se bem que a sogra do meu irmão num ficava atrás. Serafina. Sinistro, diz aí! Mas até aí, belê, o problema foi depois. A dona Serafina era mó dez comigo, mas depois dessa Olga aí o papo mudou de comédia pra tragédia, tá ligado?

Meu, do dia pra noite o tempo fechou! Tipo assim, a gente continuava descendo, mas aí ia cada um pro seu lado. Eu vivia mais bundando na praia que lá mesmo na casa do meu irmão. Mó clima de velório, manja? Até a Sheila ficou grilada. Um dia eu sem querer vi um pega pra capar dela com o Clodoaldo. Mano, a mina deu a letra! Falou uma pá pra ele, que era pra ele parar de convidar aquela gente e o escambau. Sá' que o meu irmão falou? Que devia a promoção ao tal do Paul e nhe-nhe-nhem e mi-mi-mi, e ficou por isso mesmo. Quem parou de ir fui eu. Daí que os coroa' pararam de ir também, né? Os meus, que os da Sheila tavam era assim unha e carne com os granfa. Quer dizer, o seu Beto até que ficava na dele, era a dona Serafina que tava encantada cu'a outra. Ó, quer saber quê que eu acho? Eu acho que ela tinha inveja da outra, daí que ficava grudada pra ver se pegava um pouquinho de "glamur", manja? Como se riqueza fosse doença contagiosa... U-ó!

Ó, velho, pra encurtar o papo, que eu tenho que ir pra academia, a parada foi a seguinte. Daí que de lá pra cá a gente num se encontrava mais nem no Natal, na Páscoa, nesses feriado' que a gente fica com a família, manja? O meu irmão, eu via de vez em nunca, a Sheila, então, num respondia mas nem meus in-box no facebook... E, pô, ainda tinha o meu sobrinho, né? Eu queria ver o guri... Sá' que eu fiz? Meti a louca e fui lá no apê do meu irmão, sem ligar nem porra nenhuma. Era de noite, mas pra variar ele num tava, né? Novas! A Sheila me atendeu cuma cara de quem tinha chupado limão, velho, daí eu num aguentei, chamei ela na chincha! Meu, ela começou com um lenga-lenga, que eu cortei logo e falei: "A parada é comigo?" Ó, vai vendo p'cê ver... Sá' que ela respondeu? "É."

Aí, quem desabou fui eu, mano. Eu num merecia ouvir aquilo. Sentei no sofá e comecei a chorar, mas chorar MESMO! Daí que ela foi me acalmar, e me trouxe aguinha com açúcar, me abraçou e o escambau. Depois, mano, vai vendo p'cê ver! Ó o que ela me disse! Cê num vai acreditar! Ela me disse que a mãe dela tava com ciúme do seu Beto comigo. Maaaano, vê se pode um negócio desses! O cara tinha idade pra ser meu pai, se pá, vô! Mas, peraí, a história num acabou inda não. Vai vendo... Sá' quem foi o culpado disso tudo? A peruona lá, a tal da Ol-ga. Encheu a cabeça da mulher, envenenou ela contra mim até a outra num querer me ver nem pintada de ouro! E eu, a besta, toda inocente. Ai, que ódio, viu? Mas aí que a trouxa sifu. Vai vendo p'cê ver. Sá' quê que rolou? Senta, mano. Não, senta não, que cê já tá sentado. Escuta só. Meu, eu, tipo, num sei nem como dizer... Cara, depois de tudo isso, essa Olga aí deu mó desfalque no tal do Paul e se mandou com o seu Beto pra casa do caralho. Bem-feito!

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O conto acima é livremente inspirado em fatos reais. A pedido da pessoa que mo contou, mudei nomes e alterei alguns detalhes, pra evitar que ela venha a ser reconhecida, visto ter sido a protagonista deles. No mais, veracidade e literatura são duas coisas que não necessariamente caminham juntas. Afinal, quem conta um conto...

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2 comentários:

  1. ...aumenta só um pontinho aqui, uma virgulazinha ali, nada demais. Toda história ou estória, ou mesmo um fato narrado precisa de uma espetacularizaçãozinha. Afinal, o que seria de tudo isso sem uma emoção? Se tiver testemunha melhor, uma imagem agregada, então...Nossa....
    Leo curto muito esse teu jeito de escrever, Um conto, ou um livro, como sujeito me contando um causo....nossa...como embarco. E essa fala popular, cotidiana, quase tribal, porque, sim, ela leva a imaginar esteriótipos, é muito loko. Tá ligado, véi! Então...
    Dahora!

    Bjs e sucesso.

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    1. Hahaha! Valeu, Vanessa!

      É isso aí mesmo. Pra entrar no campo da literatura, não basta só uma boa história, mas é fundamental o modo como a gente escolhe contá-la. Ontem mesmo estava comentando com alguém que muitos dos livros do Saramago nem têm uma baita história, mas aquele estilão dele vai arrebatando a gente de tal forma, que só conseguimos largar o bendito do livro após acabá-lo. Né não?

      Beijos,
      Léo.

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