quarta-feira, 15 de maio de 2013

Ninguém me Conhece: 75) Dandara Modesto soltando a fera

Estava agora tentando me lembrar de quando vi Dandara pela primeira vez, mas em vão. Parece que ela tem cruzado meu caminho desde sempre, embora deva ter pouco mais que a metade de minha idade. É que Dandara, pra mim, sempre foi "gente grande". Explico: claro, quando a conheci ela não devia passar de uma pirralha recém-saída dos cueiros, mas bastava abrir a voz pra soltar a fera acuada (sic) dentro da adolescente angelical. É que existem pessoas tão fominhas, que pegam a fila dos dons duas vezes. Assim é a voz de Dandara: um presente divino de um deus que fingiu não notar a artimanha da moça. De forma que ela possui naturalmente o que outras tantas, com anos de estudo e dedicação, não conseguem adquirir. É o que sempre digo a meu mano Camalle: quem é é, quem não é não é (mundus crudelis...).
1) Curumim (Kana - Léo Nogueira)

Dandara é. Quando põe pra trabalhar suas cordas vocais, sua idade vira ficção, pois ela pode se transformar na personagem que quiser e cantar, ou melhor, interpretar, qualquer letra como se tivesse vivido aquela história, mesmo que passe longe do enredo em questão. E olha que quem nunca a viu cantar, conversando com ela, não adivinha do que a moça é capaz. Quando ela sobe no palco o que temos ante nossos olhos (e ouvidos) é uma transformação meio tipo Jekyll/Hyde. A anjinha vira Medusa, a Chapeuzinho Vermelho vira a loba má. E, pelo que noto, é algo que lhe foge ao controle. Claro, técnica ela tem, estudou canto e tal, mas não é a isso que estou me referindo. É como se outra pessoa invadisse seu corpo e cantasse por sua voz. Meio Linda Blair em O Exorcista.

Chego a ficar feliz por ela não se dar conta do poder que tem nas mãos, ou melhor, na voz. Caso contrário, poderia passar a agir com arrogância, como fazem muitas que não têm um quinto de seu talento e usam de tal subterfúgio pra esconder a insegurança. Bem, preciso usar de sinceridade: arrogante ela não é, mas altiva, sim. Afinal, são duas coisas distintas. Mas não vou agora começar a me fazer de dicionário. Quem é é, quem não é não é; quem sabe sabe, quem não sabe, que vá fazer uma visita ao pai dos burros, que é sempre útil. O que quero dizer é que Dandara não é afetada. Não joga no time daquelas que fazem caras e bocas. Ok, com sua protuberância labial à la Angelina Jolie ela pode até fazer uma graça, mas será como quem dá o ar da graça, não como quem, sem graça, quer se dar ares.

Acho que um dos momentos mais plenos de significado e simbologia na carreira de Dandara foi quando, há alguns anos, subiu ao palco do Café Piu Piu pra participar do show de lançamento do CD Já Era Hora, de Affonso Moraes, cantando Funeral de um Sambista, que ela já havia gravado no mesmo CD. Explico o "plenos de significado e simbologia": não vou arriscar chutar a idade de Affonso, basta dizer que um de seus filhos, o também compositor Álvaro Cueva, já deve estar batendo na porta dos 50. Então, ver Dandara ali, uma flor a desabrochar, cantando, cheia de razão, essa canção, que, se bobear, deve ser mais velha que ela, foi de fazer um coração sensível chorar pétalas de mel.

Outro talento da moça que até então me era desconhecido se me revelou quando fui ver o belo musical Kátia e Paulo, do supracitado Álvaro Cueva... Não é que lá estava ela, dessa vez como atriz? Fiquei novamente assustado, pois a moçoila também mandou pra lá de bem num desempenho forte como sempre, mas que revelava outra faceta sua. E, um pouco mais além da interpretação, Dandara tem outra qualidade que não depende dela: seu rosto único, de uma exótica e bem brasileira beleza, resultado de uma feliz mistura de raças, já chama a atenção de alguém que tenha caído de paraquedas na plateia antes de se deparar com sua voz. Depois, quando ela abre a boca, a soma dos elementos torna o espetáculo algo único e inexplicável.

2) Pavana para uma Terra Viva (André Lima - Tom Zé)

Não à toa Dandara tem sido cada vez mais procurada pra cantar em gravações, vídeos e festivais, como aconteceu no Prêmio Musique Estadão, pro qual ela foi convidada pelo compositor André Lima a cantar uma melodia que este havia feito pra uma letra (até então) inédita de Tom ZéPavana para uma Terra Viva. Nesse caso, foi unir o útil ao agradável, pois tudo era muito bom: a letra de Tom Zé, a excelente melodia de André e a arrebatadora interpretação de Dandara. No fim das contas, a gravação de André e Dandara ter sido escolhida a parceria oficial, entre tantas outras, acabou sendo mais que merecido. E isso tem se repetido muito ao longo dos últimos anos, como no caso da canção Alto Mar, de Nando Távora, interpretada por Dandara em outro festival e que acabou também premiada.

Momento de crítica: como nem só de flores vive um jardim, mesmo aquele onde só há as mais belas rosas, tratemos também dos espinhos. Em minha humilde opinião, acho que já passou da hora de Dandara arregaçar as mangas, apurar as cordas vocais, escolher um bom repertório (de preferência com uma ou duas canções minhas... rs) e gravar logo esse bendito disco, que ela anda paquerando há anos sem ir às vias de fato. Acho que ela está perdendo uma grande chance de expandir ainda mais seu público, pois quem sai de seus shows, se levasse um CD seu pra casa, veria eternizado aquele momento por meio da bolachinha portátil, que poderia ser levada no carro, pra praia, pro campo, pra festa... Realmente não sei por que até hoje ela não botou no mundo essa esperada cria, em vez disso só nos presenteia com projetos parciais, que encantam, mas não saciam. Gravaê, Dandara!

Mas, pelo que vi recentemente, acho que nossa espera está prestes a ter um fim. Há alguns dias tive o privilégio de assistir a um belo show dela todo em parceria com o também talentoso Paulo Monarco, num lugar pequeno, mas charmoso, chamado Casa do Núcleo. A dupla, pelo que entendi, está preparando um CD em parceria, de quebra produzido pelo grande Swami Jr., que também participou do show. Vem coisa boa por aí. Só o que me deixa apreensivo é que, pelo que tudo indica, não será dessa vez que ela gravará alguma das canções de minha lavra que costuma cantar, visto que o garotão Monarco chegou chegando, e tão bem chegado, que o que era parceria virou casal! Engulo o orgulho e desejo-lhes sucesso. No mais, Dandara é jovem (e eu não pretendo morrer tão cedo), assim, demos tempo ao tempo. Só lhe desejo que continue valorizando a qualidade de seu sobrenome, pra que essa balança que tem do outro lado o talento continue harmoniosamente em equilíbrio.

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Dandara também está no Caiubi.

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8 comentários:

  1. Dandara Modesto! Modéstia à parte...

    Taí uma das maiores intérpretes da nova geração. Uma cantora que, guiada pela emoção e senso estético, desde os 17 anos, já esbanjava profissionalismo. Nome de guerreira, mulher de Zumbi dos Palmares, Dandara Modesto, quando canta, nos leva ao território da paz, que mora com a poesia...

    Lucia Helena Corrêa, a fã

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    1. Olha aí! Uma grande cantora rendendo suas homenagens a outra. Duas gerações distintas unidas pelo talento.

      Beijão, Lucia,
      Léo.

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  2. Modesta? Sei... Quando uma pessoa se autointitula "a nova MPB", não há sombra de modéstia nisso...

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    1. Meu caro anônimo:

      Em primeiro lugar, agradeço pela visita. Em nome disso vou te responder que Dandara, como cantora talentosa pertencente à nova geração da MPB, tem, sim, todo o direito de se considerar representante desta. Em segundo lugar, eu te pergunto: você acha mais modesto prestar declarações se escondendo atrás do anonimato?

      Um abraço,
      Léo.

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    2. Hahahaha! Essa foi ótima! Bela resposta. :)

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  3. demais! e chega de rótulos... dandara canta bem bagarai.

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