Foi por isso que nessa mesma segunda meti um Noel nas ideias, vesti uma camiseta estampada com seu autorretrato e cheguei mesmo a rezar-lhe uma oração laica — fosse ele uma espécie de santo dos compositores — antes de sair de casa pra meu primeiro trabalho em terras nipônicas. Explico: o amigo Willie, de quem tanto tenho falado neste diário, ofereceu-me seu estabelecimento (o anteriormente citado Barzinho Aparecida) pra que eu todas as segundas-feiras ministre aulas de português pra alunos japoneses afins. E foi assim que saí, com essa energia noelesca, tendo Kana a tiracolo — a bem da verdade, foi justamente o contrário, já que ainda não dominei o intrincado que é a rede ferroviária de Tóquio —, pra minha primeira experiência profissional por estas plagas.
Naturalmente, eu estava pra lá de ansioso. Apesar de ter preparado o material com calma e antecedência, decorado umas falas em japonês etc., primeiro dia é primeiro dia; e atire a primeira pedra quem nunca se sentiu assim em semelhante situação. No entanto, nem bem lá cheguei e a ansiedade logo se dissipou. E o responsável por esse milagre foi o ambiente da casa. Sempre brinquei que só me tornaria professor se me permitissem dar minhas aulas em botecos. E não é que meu desejo foi realizado? Estava eu justo num bar, com iluminação discreta e alunos atenciosos — e que, no mais, pra minha surpresa, dominavam razoavelmente bem — em sua maioria — o português. Um deles, inclusive, descobri que era poliglota — falava sete idiomas!
Naturalmente, eu estava pra lá de ansioso. Apesar de ter preparado o material com calma e antecedência, decorado umas falas em japonês etc., primeiro dia é primeiro dia; e atire a primeira pedra quem nunca se sentiu assim em semelhante situação. No entanto, nem bem lá cheguei e a ansiedade logo se dissipou. E o responsável por esse milagre foi o ambiente da casa. Sempre brinquei que só me tornaria professor se me permitissem dar minhas aulas em botecos. E não é que meu desejo foi realizado? Estava eu justo num bar, com iluminação discreta e alunos atenciosos — e que, no mais, pra minha surpresa, dominavam razoavelmente bem — em sua maioria — o português. Um deles, inclusive, descobri que era poliglota — falava sete idiomas!
No final das contas, pra resumir, as cerca de duas horas (com um intervalo no meio) passaram voando, e nem cheguei a usar todo o material que havia preparado. Claro, falei demais, algo sobre o que vou me policiar no futuro, mas quando terminei me senti contente e realizado. E acredito que os alunos também devam ter saído satisfeitos. Senti-me quase um Leandro Karnal, ou ainda mais, um Clóvis de Barros Filho. E paguei a prece feita a Noel falando bastante dele, contando vários "causos" que lera sobre o poeta da Vila e levando pra esses interessados alunos um pouco da história da música brasileira pra além da — tão conhecida deles e por eles amada — bossa nova. Mas sei que lá em cima, tomando uma com Noel, Tom Jobim há de me perdoar e entender.
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Semana de correria, levando aos poucos bagagens rumo ao novo apartamento, estudando, indo pra lá e pra cá etc. Nada que valha a pena contar, por ora ao menos. Assim, pulo pro sábado, 16 de dezembro, quando fizemos uma pequena viagem rumo a Kamakura — que eu já conhecia; visitei-a em viagem anterior. Lá, há uma estátua enorme de Buda; mas não fomos lá pra vê-la dessa vez. Fomos visitar a senhora Ueda, uma ex-aluna de Kana, que abriu um wine bar, o Chicchirichi, que na ocasião estava sendo inaugurado. Como a maioria das casas por aqui, era pequena, mas bem aconchegante. Depois, os convidados fomos comemorar em outra casa, o também minúsculo La Passion, cujo dono e chef era um japonês que andou pela França aprendendo sobre culinária e vinhos franceses, voltou e abriu essa casa. Bebemos até o limite e por pouco perdíamos o último trem. E a conta? Ficou a cargo da anfitriã(!). Sucesso, Ueda san!
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Domingo, 17/12, foi dia de festa. Pegamos o trem, fizemos trocentas baldeações e finalmente chegamos à vizinha Chiba, mais especificamente ao estiloso Cooljojo, uma casa de música ao vivo onde ia rolar um show pro qual Kana fora convidada a participar. O show seria do Hiroki Band, banda de seu guru Koichi Hiroki, guitarrista e compositor — também parceiro meu. Foi bonito ver a recepção calorosa dos músicos amigos (e aproveito que estamos só nós aqui pra fazer uma inconfidência: bem mais calorosa que a dos familiares de Kana, diga-se. Por essas e outras, considero os laços de amizade da maior importância. O saudoso Zé Rodrix bem que costumava dizer que os amigos são a família que escolhemos).
O show foi ótimo. A banda estava afiadíssima e ficou melhor ainda com a entrada de Nobuko Ariake, que toca um instrumento pouco comum: o vibrafone. Aliás, tratemos da escalação inteira: Koichi Hiroki na guitarra; Habu Kazuko na bateria; Masaharu Iida no baixo acústico e Nobumasa Tanaka no piano. E então entrou Kana pra cantar quatro músicas e incendiar o espetáculo com sua euforia brasuca. E, aos amigos brasileiros, conto que ela faz graça em japonês também. Percebi isso (minto, já sabia) vendo a plateia dar boas gargalhadas mais de uma vez. Ela cantou duas parcerias minhas com Hiroki, uma nossa e, de bis, a gonzagueana Qui nem Jiló. No entanto, pra mim a cereja do bolo foi uma música que Hiroki apresentou pela primeira vez, extraída da trilha sonora de um filme filipino (dirigido por um japonês!) chamado Blanka. Mocionei. Procure saber!
O show começou às 15h, teve um intervalo, recomeçou e terminou por volta das 17h30. Depois, obviamente, fomos todos bebemorar, que a vida é curta e a sede longa.
またね!
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Mais um PS em cliques:
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