quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

A Palavra É: 34) Solidão

("Solidão é lava que cobre tudo, amargura em minha boca, sorri seus dentes de chumbo. Solidão palavra cravada no coração resignado e mudo no compasso da desilusão [...]") Minha amiga Isabella Montagnana, bem na fase pós-inferno astral que antecedeu seu aniversário, desabafou no facebook sobre "a sensação de estar sozinha, de não poder contar, de fato, com ninguém", independente de estar rodeada por várias pessoas. E sentenciou: "O mundo é cheio de gente, mas no fim você vai estar sozinho." Discordei dela, em termos, e lhe prometi um texto — como presente de aniversário? Pensei nisso agora, e pode ser que seja. Ainda mais sendo ela sagitariana como eu e, portanto, já por isso dona de sensibilidade ímpar.

("A solidão é fera, a solidão devora, é amiga das horas, prima-irmã do tempo, e faz nossos relógios caminharem lentos, causando um descompasso no meu coração [...]") Cara Isabella, nem somos tão íntimos assim, mas eu, cá do outro lado do mundo, e sentindo-me igualmente só (em relação às amizades que deixei no Brasil), fiquei sensibilizado com seu desabafo; e isso por si só já é prova de que não estamos tão sós quanto pensamos, se temos o poder de sensibilizar alguém, seja quem for e onde estiver. Eu diria mais: talvez seja justamente a solidão que nos una, que seja essa aliança, essa ponte sobre o abismo negro e sem fundo do desespero. E por quê? Porque todos nos sentimos sós e nesse sentimento nos irmanamos. E o que podemos fazer é compartilhar essa solidão.

("Solidão apavora. Tudo demorando em ser tão ruim; mas alguma coisa acontece no quando agora em mim. Cantando eu mando a tristeza embora [...]") Querida, a solidão é também algo que nos faz crescer, pois nos afasta do conto de fadas da adolescência e nos põe em contato com, digamos, a vida como ela é. Sem solidão, não haveria criação. Pense: os grandes pintores, escritores, compositores e artistas em geral foram em sua maioria solitários. Ou pelo menos durante o ato de suas criações. Claro, podemos criar juntos, e há grandes parcerias por aí que não me deixam mentir, mas ainda entre estas há casos de solidão. Pensemos num dos maiores clássicos da MPB, Garota de Ipanema: Tom Jobim fez a melodia só e a entregou pra Vinicius de Moraes, que fez a letra igualmente só. Um perfeito caso de solidão a dois, como diria Cazuza.

("Sempre só, eu vivo procurando alguém que sofre como eu também, mas não consigo achar ninguém. Sempre só, e a vida vai seguindo assim, não tenho quem tem dó de mim [...]") É bem verdade que a solidão artística pertence a outro ramo da grande árvore da solidão. Pode mesmo ser compreendida como uma solidão burguesa, porque os solitários em geral, os que não pertencem a essa elite criativa, gemem (e bebem) sua solidão com mais desespero, pois não podem, sabem ou querem extravasar o que sentem por meio da arte. Eu, cá com meus botões, penso que é questão de nos acostumarmos, visto que ela é nossa frequente — e persistente — companheira. Pode até nos deixar por uns dias, uns meses ou uns anos, mas, fiel, sempre volta.

("Solidão de manhã, poeira tomando assento, rajada de vento, som de assombração; coração sangrando toda palavra vã [...]") Porém, se pararmos pra pensar, podemos chegar à conclusão também de que a solidão não deixa de ser uma espécie de egoísmo. Sim, como frisei, há vários tipos de solidão, e há inclusive aquela autoimposta, ou seja, aquela que tem quem escolheu tê-la, quem optou por se afastar do convívio social e se enfurnar dentro dos porões de si mesmo. Isso me lembra o famoso caso do escritor Henry David Thoreau, que em determinado momento de sua vida decidiu abandonar a sociedade e ir morar numa cabana no meio de uma floresta. Dessa experiência nasceu seu clássico Walden, que eu recomendo.

("Não fui eu nem Deus, não foi você nem foi ninguém; tudo o que se ganha nessa vida é pra perder. Tem que acontecer, tem que ser assim; nada permanece inalterado até o fim. Se ninguém tem culpa, não se tem condenação. Se o que ficou do grande amor é solidão [...]") Contudo, entre todas as solidões, talvez a mais egoísta seja a do ser apaixonado que se vê abandonado, pois este não respeita a lei que diz que pra que uma relação seja duradoura o amor deve ser recíproco. E, quando uma relação acaba, na maior parte dos casos é porque pelo menos um dos dois deixou de amar. Eu sei que falar é fácil, mas nem por isso deixa de ser verdade. O caso é que a maioria de nós ainda não atingiu esse grau de evolução e não aprendeu que amar é, na verdade, querer o bem da pessoa amada acima de tudo, e sobretudo acima de nosso próprio bem. E há ocasiões em que o que de melhor pode acontecer com a pessoa amada é se distanciar do/a parceiro/a.

("O meu vizinho do lado se matou de solidão. Abriu o gás, o coitado, o último gás do bujão, porque ninguém o queria, ninguém lhe dava atenção, porque ninguém mais lhe abria as portas do coração. Levou com ele seu louro e um gato de estimação [...]") Mas além da solidão há a felicidade da alienação; o engano da badalação; a válvula de escape que é a canção; a contrapartida da doação; a chegada de outra estação; os solitários em formação; os que sabem que "o amor da gente é como um grão"; os que nunca foram, mas ainda hão (de ser); o comprimido da ilusão; o outro, a justaposição; quem com ela aprende a lição; quem estende a mão; quem diz que não; quem muda de opinião; quem não é solitário, mas tem fome de pão; o x da questão; quem prefere ter razão; os cabelos de Sansão; quem se esconde no tesão; quem crê na união; quem passa a primavera esperando o verão; os originais que se xerocarão; e quem morre por amor, como o zangão... entre outros.

Pra terminar, há sempre o amigo sincero, e todos nós temos alguém a quem possamos dizer que "a sua palavra de força, de fé e de carinho me dá a certeza de que eu nunca estive sozinho". Agora, pr'aquele solitário em último (de)grau, que não tem nenhum Erasmo à mão, eu dou um conselho: sempre haverá aqueles estranhos que te ouvirão de bom grado em troca que uma dose qualquer. Brindo por eles.

E, qualquer coisa, estamos aqui. Longe, mas perto.

***

PS: Trilha sonora: Kana, Ímpar (Kana – Léo Nogueira)


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4 comentários:

  1. Olá Léo e Kana, adorei este "medley" bom para dançar de rosto coladinho. Você escreve muito bem, mas hoje achei que você esta tristinho, nostálgico.

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    1. Mudanças sempre são complicadas, Mi. A distância do país, da família, dos amigos... Mas a situação está sob controle, só aproveitei comentário da amiga Isabella no face pra presenteá-la com esse texto. Até agora, tudo em paz... com pitadinhas de caos vez por outra. rs

      Abraços,
      Léo.

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