terça-feira, 19 de abril de 2011

Trinca de Ouro: 1) Cléverson Baía (+ Enrico Di Miceli), Danny Reis (+ Tony Pelosi) e Lis Rodrigues (+ Clarisse Grova)

A exemplo do que escrevi no Trinca de Copas, repito aqui: Pra não gerar melindres entre os parceiros, optei pela já manjada (porém democrática) ordem alfabética por título. E, aos apressadinhos e àqueles que quiserem pular o lero-lero, aviso que no final da página há o link pra audição das canções.

1) FENDA

Clarisse Grova é uma de minhas parceiras com quem mais tenho canções gravadas por terceiros, comprovando que ela, além de ser uma excepcional intérprete, tem se revelado nos últimos anos uma não menos talentosa compositora. Nós, que a conhecemos e admiramos seu trabalho, estamos esperando ansiosamente pelo lançamento de seu novo CD, que vem sendo feito sem pressa, com o capricho que lhe é peculiar. Batizado com o acertado nome de Coragem, é o resultado da experiência adquirida em tantos anos usando sua voz a serviço dos mais variados artistas. E Coragem também é a qualidade que tem essa mulher tão batalhadora e que deveria estar no panteão dos grandes nomes da música brasileira, não fosse... Não, não vou rezar essa ladainha de novo. Todos sabemos dos is sem pingos...

O fato é que minha não menos querida parceira Lis Rodrigues, em seu primeiro CD, o recém-nascido Artista de Sinal, escolheu duas de minhas parcerias com Clarisse pra dele fazer parte, o que muito me deixou orgulhoso. Queria neste espaço falar de uma dessas canções, a elogiada Fenda. Essa canção é o exemplo de como uma boa melodia pode ajudar uma letra menor a dar seu recado. Depois do pequeno sucesso de nossa Roma, encontrei em Clarisse a parceira perfeita pra exercitar meu buarqueano eu lírico feminino. Nessa época nasceram letras inspiradas como a já citada Roma, Marca Registrada, Orquestra, e outras nem tanto, como Fenda. Mas Clarisse é do tipo que, quando acredita numa letra, extrai dela sua essência. Daí que, quando ela me mandou a gravação, fui tomado por uma emoção imensa (e um tantinho de vergonha), ao ver/ouvir algo tão bonito feito sobre versos que eu menosprezara. Ao final deste texto segue o link. Ouçam e tirem suas própria conclusões.


FENDA

Entre pela fenda
É ilusão a cerca
Não tema, se perca
Só não me ofenda

Não sou da sua turma
Nem seu melhor amigo
Deite-se comigo
Só não durma

Eu não tenho bula
Eu não tenho seita
Não tenho receita
Só há gula

Eu não quero cobre
Eu não fico rubra
Me descubra e cubra
Só não me cobre

Se o pior pode acontecer,
Pode crer que acontecerá
Mas, enquanto eu te cegar,
Sossegue

Me releve ao me revelar
Só me vele sem me levar
Pois eu hei de te rejeitar
Aceite

***

2) O QUE EU QUERO

Por causa do grupo virtual M-Música, conheci a cantora carioca Danny Reis, uma moça simpática de sorriso encantador. Tempos depois, acabei tendo a cara de pau de promover, sempre de forma precária e improvisada, algumas oficinas de letra de música (que petulância a minha!). O assunto se espalhou pra fora das fronteiras paulistanas e calhou que uma facção da M-Música se interessou pelo assunto, daí acabamos organizando um outro grupo virtual, o Di-Versos, que, apesar de ter tido fim melancólico, durante o tempo que durou ocasionou muitas belas parcerias.

Certa vez Danny postou uma letra inacabada e me convidou a arredondá-la. Alguns amigos, como Sérgio-Veleiro, discordam desse tipo de parceria, mas eu o adoro. Acho muito fácil e reconfortante trabalhar sobre ideias alheias, seja consertando-as, seja cosendo-as, seja de que forma for. E a verdade é que a letra de Danny era bem interessante, mas por carecer de métrica não era lá muito musicável. O que fiz? Trabalhei os versos de maneira a que tivessem uma métrica mais musical e, mantendo minhas características, dei ênfase às rimas e à sonoridade. Danny aprovou o resultado e mandou esta a que chamamos de O Que Eu Quero pra outro compositor carioca da M-Música, Tony Pelosi, que a musicou lindamente.

Tony acabou sendo o produtor do primeiro CD de Danny, que chegou a minhas mãos há poucos dias (pelas do próprio Tony, parceiro bom de prosa - e de macarrão - que conheci na casa de Tato Fischer). Por falar nisso, o CD chama-se Todo Dia (também nome da maravilhosa parceria de Guilherme Rondon com Alexandre Lemos), e é, além da parte musical, de primeira, um deslumbre aos olhos. A arte gráfica é um primor, cheia de detalhes e nuances. A única coisa que depõe contra é que, como tem um formato diferente do tradicional, é difícil guardá-lo nas gavetinhas onde costumamos pôr nossos CDs. Mas também isso deve ter sido proposital.

Abaixo posto a letra. Vejam se Veleiro tem razão ou não.


O QUE EU QUERO
Tony Pelosi - Danny Reis - Léo Nogueira
Eu quero um amor assim
De brisa fresca no rosto
Paisagem boa de se olhar
Desejo de mergulhar
Pra ir buscar o sol posto 

Eu quero esse amor pra mim
Sorrindo que nem moleque
Que colhe fruta no pé
Me leva a voar porque
Já nasce sem breque

Amor de edredom e luva
De mar que corre pro rio
De chuva depois do estio
E de estio depois da chuva

Amor amigo e maduro
De uma infância sem fim
Pra me embalar no futuro
Quando eu me cansar de mim
Só quero se for assim


***

3) PIAUÍ

Falo por mim, mas acredito que com os outros se dê emoção igual. Uma de minhas maiores alegrias, na condição de compositor, é receber um CD de algum cantor (ou cantora) em que esteja incluída uma canção minha. Ouvir a canção tocar no rádio é outra (esta, mais rara), e ir a um show em que a toquem ao vivo é ainda mais gratificante. Quanto a esse terceiro item, de minha parte preciso dar um depoimento: tenho muitos parceiros e, afortunadamente, tenho sido muito gravado, ainda que somente por pessoas que estão fora da grande mídia. Por conta disso, quase toda semana há, em algum ponto de São Paulo (ou mesmo em outras paragens), algum show rolando em que toquem algo de minha autoria. E a verdade é que tenho ido cada vez menos a esses shows. Às vezes num mesmo dia acontecem dois shows em que será cantado algo meu. Daí vêm à tona questões como tempo, grana, escolha etc. Se eu tivesse grana, tempo e o poder da onipresença, iria com satisfação a todos, mas como tal junção de fatores não é possível, muitas vezes opto por ficar em casa. Tem um outro fator determinante que preciso citar: os direitos autorais no Brasil ainda são um assunto digno de crítica, então, pra um compositor que, como eu, não canta, e consequentemente não gera dividendos de sua arte via shows, deslocar-se pra lá e pra cá, muitas vezes pagando o couvert artístico pra ouvir sua própria canção, é um fator desanimador. Não sou o único que pensa assim, o problema é que sempre é um assunto que gera melindres. Eu mesmo me sinto constrangido a pedir pro parceiro colocar meu nome na lista, pois sei que também não é fácil pra ele esse trabalho de encher determinada casa de público. Por isso encontrei neste espaço maneira de tocar no assunto de forma, digamos, coletiva. Acho que deveria ser padrão em cada show haver uma lista vip com os nomes dos compositores que serão tocados naquele show. Afinal, público é uma coisa, compositor é outra. Fica aí a sugestão.

Acabei fugindo do tema, mas esse é um desabafo que queria fazer há tempos. Isto posto, a gravação da referida canção Piauí me deu uma alegria maior ainda pelo fato de ter sido gravada por um artista do Amapá, Cléverson Baía, a quem não conheço (em seu roqueiro e pulsante Arte & Ira), por conta dessa mágica que a música nos proporciona, desconhecendo distâncias geográficas. Já falei da feitura dessa canção no texto que escrevi sobre meu parceiro Enrico Di Miceli, que é um paraense que mora em Macapá. O que teria a acrescentar é que tenho um carinho especial por esta nossa Piauí porque nela consegui tratar de um assunto que acho da maior relevância em nosso país e que em tempos pós-ditadura vem sendo pouco explorado. Todo mundo está satisfeito com o crescimento do Brasil, mas o preconceito continua, a educação se mantém precária e, embora a classe baixa tenha tido mais acesso ao "paraíso" do consumismo, o abismo cultural ainda é uma cratera que se abre a cada dia sobre a qual ainda não ergueram nenhuma ponte. É triste ver tantos ignorantes endinheirados de um lado e do outro uma aristocracia estagnada e ofendida pelo aumento do poder aquisitivo daqueles. Uma problemática até agora sem solucionática!


PIAUÍ

Embaixo da ponte tem gente
Em cima da ponte tem carro
Tem, dentro do carro, fumante
Dentro do bueiro, cigarro
No trem do subúrbio, lotado
Um bando em pé… e cansado

Na frente do prédio tem shopping
Atrás desse prédio, barraco
Embaixo do shopping tem parking
Tem obra que abre buraco
E pobre que é soterrado
Um bando que morre cansado

Tem gente cansada por aí
Querendo apagar o Piauí

Tem gente que olha pro umbigo
Cansada, de barriga cheia
Não vê o olhar do mendigo
Não vê o menor, quando cheira
E aquele, no carro blindado
Com vidro fumê… tá cansado

Tem alvo pra bala perdida
Doméstica fazendo bico
Tem santa que entra pra vida
Banqueiro ficando mais rico
A sola de um pé sem calçado
É que sabe o que é estar cansado

Tem gente cansada por aí
Querendo apagar o Piauí


***

6 comentários:

  1. A-do-rei, Léo parceirinho!!!! Obrigadíssima pela parte que me toca! Hahahaha!
    Eu discordo totalmente do Veleiro. Acho que toda maneira de amar (e de musicar, e de fazer arte), desde que sincera, vale a pena!
    E letrinha? Desde quando você faz letrinha? Eu achei "Fenda" um letraço!
    É por isso, aliás, que tanta gente tem gravado suas músicas...
    Outra coisa que tenho em comum com a Lis é que nós duas gravamos "Todo Dia"! rs
    Outra coisa: nosso show de lançamento vai ser no mesmo dia, 29 de abril. Eu aqui no Rio, ela aí em Sampa.
    Já falei pra ela que precisamos ainda nos juntar nos palcos da vida. Acho que os astros conspiram! :)))
    Fato é que a minha letra, que no início era um poema sem muitas pretensões, virou uma bela letra! Serei eternamente grata por isso, até porque você "captou" o que eu disse só nas entrelinhas!
    Um beijão!

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  2. Parceirinha!

    Eu que agradeço pela alegria dessa parceria e por poder participar desse tão belo trabalho.

    Beijos do
    Léo.

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  3. Minha ex-professora de literatura, a (agora) doutora Mayra, após um mea culpa, resolveu passar por aqui e me deixar umas palavras, que não pôde publicar por incompatibilidade com os perfis disponíveis. Mandou-me por e-mail e autorizou-me a publicá-lo aqui. Ei-lo:

    Léo querido! Passei por aqui, rápido, pra te dar um alô. Bacana seu blog. É um baita registro das suas andanças musicais. Como você sabe, não costumo passear por esse gênero, mas me parece que você está tecendo um registro raro e precioso do seu caminho musical. É isso? Ouvi Fenda. Muito linda. E discordo de você quanto à qualidade da letra! Beijão,

    Mayra.

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  4. Mayra, querida, bom te ler por aqui após longas férias suas. Agradeço por suas palavras de incentivo. Apenas acrescento que este blog é mais ambicioso no que se refere a caminhos musicais, pois, além dos meus, dedica-se a relatar o de outros artistas igualmente "esquecidos" pela mídia. Quanto a Fenda, realmente agora, com música, não a acho má de todo.

    Beijão do
    Léo.

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  5. Viu, viu, viu? Ela é professora de literatura e viu qualidade na letra de "Fenda". Como diria aquele personagem do Jô Soares, "não se deprecie, mulherrrrrr"! No caso, homem! rs
    Beijo!

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    1. Hahaha! Desculpe o atraso na resposta. E obrigado.

      Beijos,
      Léo.

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