sábado, 6 de outubro de 2012

Crônicas Desclassificadas: 55) O aprendizado da perda

No decorrer da vida, por meio de árduo aprendizado, ficamos craques em perder. Já estreamos perdendo nosso primeiro lar, a barriga da mãe, e logo em seguida o peito dela; perdemos os dentes de leite; perdemos a infância (e, com ela, a pureza); perdemos a virgindade; perdemos aquela(o) garota(a) com quem teríamos dado tudo pra viver uma história de amor; saímos da escola e perdemos praticamente todos os amigos que lá fizemos; perdemos sucessivamente amores, empregos, tempo; perdemos a liberdade quando nos casamos (e tudo no qual investimos quando nos separamos); alguns perdem a fé, outros, a vergonha...

Perdemos avós, pais, tios, primos, papagaios, gatos, cachorros; perdemos a juventude, e com ela a certeza de que iríamos mudar o mundo; perdemos cabelo (ou se não, eles perdem a cor); perdemos a paciência; perdemos a crença na política (se é que um dia já tivemos); perdemos as cenas dos próximos capítulos; perdemos campeonatos; perdemos o voo, o trem, o bonde da história; perdemos o sono; perdemos o final do filme; perdemos horas e mais horas em consultórios, filas, estradas (que levam a lugar nenhum), ou em cursos nos quais perderemos o interesse em continuar; perdemos neurônios; perdemos a audição; perdemos a inteligência diante da televisão; perdemos grana; perdemos pênalti; perdemos os anéis (alguns, os dedos)...

Perdemos na loteria, no bingo da igreja, no jogo do bicho; perdemo-nos em antros de perdição; perdemos a boa forma; perdemos livros e CDs que não sabemos pra quem emprestamos; perdemos o dente do siso; enchemos a cara e perdemos o juízo (alguns, as pregas...); perdemos os fogos na virada (e, com ela, o ano que acabou); perdemos o eclipse; perdemos a chance de ir à praia quando fez sol e a de não ter ido quando choveu; perdemos horas em conduções lotadas; perdemos a oportunidade de dar aquele beijo por medo de receber um tapa (e perdemos o tapa por medo do beijo); perdemos a chance de nossa vida por preferirmos o conforto (e o tédio) do que ainda perderemos...

Perdemos o senso do ridículo; perdemos o chão (alguns perdem o teto); perdemos a oportunidade de admirar a dois a lua, as estrelas, o nascer do sol; perdemos aquela garota que foi lá fora fumar cigarro e nunca mais voltou; perdemos até a Copa de 1982 (sem falar na de 1950, mas essa eu perdi); perdemos na bolinha de gude, no videogame, no palitinho, nas damas, no gamão, no baralho, no ludo, no dominó, na sinuca, no xadrez (no xadrez, não, porque perdemos a chance de aprender a jogar); perdemos o quique da bola; perdemos a reprise de Um Corpo que Cai; perdemos tempo achando que sabemos escrever, compor, cantar, atuar; perdemos a humanidade nos shoppings...

Perdemos a ética, a honestidade, a integridade, a dignidade, o respeito do colega ao lado, por medo de perder um empreguinho que lá no fundo a coisa que mais queríamos era perder (e o colega, em nosso lugar, não perderia a chance de fazer o mesmo); perdemos um ano esperando as férias e, quando elas chegam, perdemos um mês tentando esquecer os doze que virão; perdemos a pose após algumas doses; perdemos a capacidade de escrever a mão; perdemos o idioma; perdemos tempo postando no facebook novidades que não interessam a ninguém (assumo minha parcela de culpa), mas que serão compartilhadas ou curtidas por todos, pra que o círculo vicioso das perdas não se perca...

Perdemos a individualidade e a privacidade; perdemos o gosto pelo silêncio; perdemos o sentido da importância da solidão; perdemos o bom gosto; perdemos espaço em casa acumulando coisas de que não precisamos e das quais, se viermos a precisar, não saberemos onde guardamos; perdemos várias oportunidades de não sermos hipócritas; perdemos a chance de acertar por medo de errar; perdemos o guarda-chuva; perdemos as chaves de casa (alguns, o rumo dela, outros, a própria); perdemos a chance de acabar com a miséria no mundo só pra termos uns brinquedinhos a mais; perdemos a hora (alguns perdem o rolex)...

Perdemos uma vida vendo nosso time perder; perdemos o verde (e o Verdão, mais ainda); tem gente que perde anos adquirindo um patrimônio que será posto a perder pelos filhos, ou pela mulher, ou pela amante; perdemos a capacidade de amar e perdoar; perdemos a direção, a eleição, a ereção, a coordenação motora; perdemos a energia; perdemos a esperança; por fim, perdemos a saúde; perdemos o uso da massa cinzenta; e, quando é tarde demais, perdemos o medo, por não termos mais nada a perder, pouco antes da última e irrevogável perda.

E, no fim das contas, o que ganhamos com isso?

6 comentários:

  1. Respostas
    1. Acho que até isso eu tô perdendo, Inevitável... rs... (além do prazer da sua companhia)

      Beijos,
      Léo.

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  2. Hum meu Rei...
    Achei perdas demais kkk
    Beijos

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  3. Há perdas que nos trazem ganhos imensos.

    Brutal!!
    Abraços

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    1. Pois é, Pedro, reconheço. Mas aí eu repito a pergunta do Chico: "Pra que tudo começou quando tudo acabar? rs

      Abração do
      Léo.

      P.S. Tô esperando aquela pizza antes de você se mandar!

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