Há algum tempo escrevi um texto chamado João Pereira Coutinho e Eu, que, por sua vez, gerou outro de meu amigo Élio Camalle, O Centro, escrito quando de sua estada em Paris. Este já de volta a Sampa, encontramo-nos algumas vezes e em mais de uma delas voltamos ao assunto dos textos. E o tema me pareceu tão assustadoramente rico, que me deu vontade de explorá-lo um pouco mais também por aqui. Claro que, a meu modo, não faltarão os exageros apocalípticos, mas é que a coisa me pareceu meio assustadora mesmo.
Vivemos num mundo que tenta ser civilizado, mas na verdade o que há é o desejo de pôr ordem no caos, pois o homem, por natureza, não é um ser civilizado. As crianças, por exemplo, podem ser responsáveis por crueldades com animais (ou mesmo com outras crianças) sem que por isso sintam pena, culpa ou compaixão. Com o passar dos anos, elas vão sendo educadas e aprendem que não é de bom-tom machucar os bichinhos. Mas ainda assim algumas delas, só pra descontrair, vez por outra incendeiam algum índio ou estapeiam prostitutas.
E por que isso ocorre? Por que é tão difícil impor regras ao humano? Porque o humano obedece apenas às mesmas leis da natureza na qual vemos que o forte suplanta o fraco. Pra que um animal sobreviva ele precisa evoluir como espécie, adaptar-se ao meio procurando formas de facilitar sua alimentação e escapar daqueles que, por sua vez, querem torná-lo alimento. Por conta dessa, digamos, cadeia alimentar, várias espécies vão aos poucos se extinguindo. E mesmo entre os mais fortes sempre há os que são mais fortes ainda. E não há ninguém mais forte do que a própria natureza, que de vez em quando perde a paciência e comete das suas; foi assim que livraram o mundo, por exemplo, dos dinossauros.
A própria história da humanidade possui imensas lacunas ou mesmo mentiras atrozes simplesmente porque é contada pelos "vencedores". Hoje vemos os avanços da ciência, a revolução tecnológica, mas tudo não passa de brinquedinhos que mais cedo ou mais tarde serão destruídos por bebês mimados. Afinal, a história se repete (mesmo que em tom de farsa). São mera ilusão nossa inclinação às artes, nosso desejo de elevação espiritual ou intelectual, nosso amor à poesia e à literatura, enfim, todo o zelo com que cuidamos das obras de arte. Daí um doido explode uma bomba num museu e ... BUM! Já era!
E nas entrelinhas dessa historinha da humanidade podemos detectar que o mundo não consegue avançar muito, pois sempre vem um brucutu e põe o trabalho de anos (séculos?) abaixo. Hoje, se pensarmos bem, com um número excessivo de tripulantes coabitando num mesmo planeta, a verdade é que involuímos. Sabemos menos hoje do que sabiam nossos antepassados, apenas temos mais tecnologia, pois o legado que nos deixaram foi melhorado.
Reflitamos: todos os povos que conseguiram atingir um nível de sabedoria e, com isso, criar sociedades mais justas e eficientes foram dizimados por bárbaros. Só neste continente júnior temos os incas, os maias, os astecas, e, por que não?, os índios... Claro, não eram sociedades perfeitas, os astecas, por exemplo, eram um povo guerreiro; mas, ampliando mais nosso leque, vemos que a história se repetiu em todos os continentes do globo até chegarmos às guerras mais recentes. Na 2ª Guerra Mundial, os mocinhos lançaram bombas sobre duas cidades japonesas, dizimando inocentes, e tudo pra demonstrar que eram não os mocinhos, mas os mais fortes!
Não muito diferente das invasões estadunidenses ao Afeganistão e ao Iraque. E assim chegamos ao século XXI, celebrando o capitalismo, que é o pega pra capar da competitividade que produz dois tipos de pessoas: os vencedores e os perdedores. E todo mundo jogando de acordo com regras pré-estabelecidas pelos campeões do joguinho. E, se você não quiser jogar, não tem jeito, mesmo sem jogar já perdeu! O pensamento do Mercado hoje é um só: vencer a concorrência (o inimigo). Cobra engolindo cobra num jogo em que a ética é arma enferrujada cujo tiro sai pela culatra daquele que a usa.
Enfim, caros, cá estamos nós neste hoje que nos coube, tentando pacificamente sobreviver e deixar um mundo melhor pra nossos filhos e netos, mas desde já condenados à derrota, pois, mesmo que, com muito custo e a contragosto, ascendamos nessa escala social usando os ombros de nossos colegas de empresa como escada, amanhã sempre aparecerá um mais jovem e com menos escrúpulos que, por sua vez, com maiores competência e vitalidade, usará os nossos. Mas calma! Isso só até que novos bárbaros se apoderem dos brinquedinhos nucleares de nossos vizinhos e os convençam, por bem ou por mal, de que os brinquedinhos (e os donos dos brinquedinhos) pertencem a eles.
E isso tudo por quê? Porque o forte não tem limites pra impor sua força, ao passo que o fraco se apega a valores que o impedem de enfrentar de igual pra igual o forte. Nessa guerra só ganha quem não tem o menor respeito por regras, leis e outros quitutes. O problema é que o forte, após a vitória, sabe apenas destruir, por isso precisa da inteligência do fraco pra reconstruir. E no fim do fim, que não deixa de ser um recomeço, sempre haverá um de nós (os fracos) pra reescrever a história que eles nos ditam. E tenho dito!
Léo, às vezes eu também tenho essa impressão de que o mundo "involuiu". Mas é que é mais fácil a gente enaltecer o passado, achar que "era melhor naquele tempo".
ResponderExcluirMas vamos pensar melhor: isso não existe. A história da humanidade sempre foi de atrocidades, guerras, dizimações. Você mesmo citou a matança de civilizações inteiras.
Mais do que caminhar a passos de formiga, minha impressão é a de que não saímos do lugar. Ainda estamos, nesse sentido, no tempo das cavernas.
Mas nem por isso a gente vai deixar de cumprir nossa missão, que é a de evoluir! Acredito nisso.
Beijos,
Danny.
É, Danny, a cada novo dia eu ponho na cabeça de que tenho que fazer minha parte, mas de vez em quando me pego pensando que não é o suficiente. Enfim, são fases... O que levamos da vida é o que lutamos. No mais, talvez essa "involução" tenha um lado bom: agora a plebe também tem possibilidade de almejar alguma coisa. Há duzentos anos isso não seria possível.
ExcluirBeijos,
Léo.
É preciso definir o significado exato da palavra "evolução" - quando se trata de algo naturalmente sem peias como o bicho-homem. A ciclotimia dos desmandos humanos obedece a ondas sucessivas de consciência, esta criada pelo medo - puro e simples - dos castigos impostos pela fé. O fraco é mais forte quando a consciência está em alta, à moda da famosa fábula de La Fontaine, aquela do feio e bronco lobo e do belo e inteligente cordeirinho trocando argumentos à beira do riacho, lembram? Pois é. Na minha insensata (tomara) opinião, o homem não "foi" e nem "será"; o homem "é" isso aí. Vai sempre tirar partido das vantagens de que a natureza o dotou, à revelia de valores, presumidos ou não. A massa humana é estúpida, dentro do sacrário de regras inventadas a que se impôs socialmente.
ResponderExcluirDe minha parte, porém, não me considero pertencente à massa humana enquanto organismo; estou fugindo o tempo todo de minha pasta essencial, como o diabo foge da cruz - ou melhor, como a cruz foge do diabo. Beijos / Tav
Salve, Tav!
ResponderExcluirQue honra contar com sua ilustre presença e respectivos argumentos, sempre tão bem alinhavados. É, a força e a fraqueza, de tempos em tempos, trocam de time, assim como as direitas e as esquerdas, mas só porque um almeja estar no lugar do outro, e não mudar uma socieade. Daí que esse "tirar partido das vantagens" nunca o é pro coletivo. Talvez o segredo seja mesmo o aprende a entender o tempo que levamos nos preparando pra deixar de ser organismo...
Beijão,
Léo.