Alguns amigos se preocuparam com as tintas carregadas de meus mais recentes textos. Escrevo pra tranquilizá-los. Está tudo bem, ninguém morreu, apenas resto eu cá com minhas contradições. Explico: adoro a liberdade que a solidão me proporciona; em contrapartida, às vezes a mesma liberdade me sufoca, pois tenho certo problema de foco. Quando há uma mulher a meu lado, sinto-me forte, traço metas, quero ir adiante. Já quando estou só, perco-me em fantasias, divagações, chamo a depressão pra dançar, e acabo tendo dificuldades de produzir. Sinto-me meio um peixe que quer viver em terra firme...
E é assim que me encontro neste exato momento. Por sorte trabalho fora, vejo pessoas, sinto o sol no rosto, pego o metrô lotado, percebo a dor de quem já desistiu de dirigir seu destino, enfim, entrego-me ao ir e vir (enquanto não vou nem fico). Caso contrário, estivesse em casa o risco seria maior. Mas também é nessas ocasiões que meu Mr. Hyde quer pôr as manguinhas de fora, atirar-se aos excessos. É uma fase. Já a conheço de longa data, portanto, não sinto mais aquele medo atroz que sentia antes. Isso não quer dizer que esteja imune a seus efeitos, apenas os sinto com mais, digamos, resignação.
Por isso tenho escrito bastante, escrever me ajuda, se não a imunizar, ao menos a procurar entender o que se passa. Ademais, se não dá resultados, ao menos é uma terapia mais barata. Daí que peço desculpas àqueles que vêm aqui à procura de música. Contudo, tentando unir a fossa à bossa, lembrei-me de uma canção de Joaquín Sabina de que gosto muito (pra qual compus uma versão em português) e que tem tudo a ver com esta minha fase. Chama-se Calle Melancolía. Engraçado que sua gravação original não me agradou muito, parecia que a tristeza dos versos não condizia com o ritmo.
Tempos depois, ouvi-a numa gravação ao vivo, do disco Nos Sobran los Motivos, e, apesar de não gostar de discos ao vivo, achei aquele registro muito mais impactante. Talvez porque Sabina, bicho de palco que é, lá se sinta mais à vontade. Parece até que, quanto maior o público, mais ele se agiganta e interpreta suas canções como se fosse a vez derradeira. Assim, Calle Melancolía, nesse disco, ganhou uma interpretação ímpar, e foi dela que tirei a pungência necessária pra compor minha versão.
Convidei então meu grande parceiro Ito Moreno pra gravá-la, e, por sorte, ele aceitou. Claro que demorou um pouquinho, mas me presenteou com uma bela interpretação, como é de seu feitio. Ouçamo-la, pois. Assim, caros amigos, não se preocupem. A coisa aqui ainda tá preta, mas vou tomando aquela cachaça e segurando o rojão, fazendo do veneno a vacina. Com vocês, Rua Melancolia:
RUA MELANCOLIA
Joaquín Sabina/versão: Léo Nogueira
Como quem vai no lombo de uma égua sombria
Pela cidade vago, não me pergunte aonde
Busco alguém ao acaso que me ilumine o dia
Mas toda porta se fecha e nega o que esconde
As chaminés vomitam seu hálito de fumo
A um céu que é cada vez mais distante e mais alto
Pelas paredes sujas vejo escorrer o sumo
De uma fruta de sangue crescida no asfalto
Lá, o campo estará verde, deve ser primavera
Alguém num trem ligeiro eu acho que me acena
O bairro onde eu vivo mais parece uma cratera
Desolada paisagem de cabos e de antenas
Vivo preso ao número 7 da rua Melancolia
Quero mudar já faz anos pro bairro da Alegria
Mas eu sempre perco o bonde que pra lá me levaria
E na escada assovio a mesma melodia
Como quem vai a bordo de um barco enlouquecido
Que vem no breu da noite e vai pra nenhum lugar
Assim meus pés me levam ao lar dos esquecidos
Já cansados de andar sem nunca te encontrar
Fumo indo pra casa, e a solidão me assombra
E, quando chego tarde, ninguém mais me reclama
Só mantenho a companhia da minha própria sombra
E sua ausência eu abraço, sozinho em minha cama
Sonho pra ver se trago de volta seu sorriso
Me sinto um morto-vivo num mundo que acabou
Como se eu contagiasse o chão por onde piso
Quem quiser me encontrar já sabe onde estou
Vivo preso ao número 7 da rua Melancolia
Quero mudar já faz anos pro bairro da Alegria
Mas eu sempre perco o bonde que pra lá me levaria
E na escada assovio a mesma melodia
A original:
CALLE MELANCOLÍA
Como quien viaja a lomos de una yegua sombría,
por la ciudad camino, no preguntéis adónde
Busco acaso un encuentro que me ilumine el día,
y no hallo más que puertas que niegan lo que esconden
Las chimeneas vierten su vómito de humo
a un cielo cada vez más lejano y más alto
Por las paredes ocres se desparrama el zumo
de una fruta de sangre crecida en el asfalto
Ya el campo estará verde, debe ser Primavera,
cruza por mi mirada un tren interminable,
el barrio donde habito no es ninguna pradera,
desolado paisaje de antenas y de cables
Vivo en el número siete, calle Melancolía
Quiero mudarme hace años al barrio de la alegría
Pero siempre que lo intento ha salido ya el tranvía
y en la escalera me siento a silbar mi melodía
Como quien viaja a bordo de un barco enloquecido,
que viene de la noche y va a ninguna parte,
así mis pies descienden la cuesta del olvido,
fatigados de tanto andar sin encontrarte
Luego, de vuelta a casa, enciendo un cigarrillo,
ordeno mis papeles, resuelvo un crucigrama;
me enfado con las sombras que pueblan los pasillos
y me abrazo a la ausencia que dejas en mi cama
Trepo por tu recuerdo como una enredadera
que no encuentra ventanas donde agarrarse, soy
esa absurda epidemia que sufren las aceras,
si quieres encontrarme, ya sabes dónde estoy
Vivo en el número siete, calle Melancolía
Quiero mudarme hace años al barrio de la alegría
Pero siempre que lo intento ha salido ya el tranvía
y en la escalera me siento a silbar mi melodía
***
olá... cheguei ao seu blog por acaso, mas compartilhamos a admiração por Joaquin Sabina - na minha humilde opinião, o maior poeta que conheço. Qualquer coisa, sou Franzinho Girão, no FB. Abraços!
ResponderExcluirBem-vindo, Franzino! Se você notar, há outras postagens (e versões) sobre Sabina por aqui. Sinta-se em casa. Vou lá no fb te adicionar.
ExcluirAbração,
Léo.