quarta-feira, 27 de julho de 2016

Esquerda, Volver: 9) O legado de Stalin

Foto: Paulo Pires/GES
Ao longo das não poucas décadas que carrego no lombo (e na alma) – mais de resistência que de existência –, a literatura tem sido uma de minhas fontes preferidas de aprendizado de (não só) história, pois é um modo de eu estudar, se não brincando, ao menos me divertindo. E considero este o mais eficaz (e ainda pouco utilizado) método de aprendizado. Por isso, celebro o fim da leitura do talvez mais importante (e interessante) romance deste século que ainda não atingiu sua maioridade: O homem que amava os cachorros, do escritor e jornalista cubano Leonardo (tinha que ser!) Padura, que conta, de modo romanceado (obviamente, visto que é um romance), as histórias de Leon Trotski, seu assassino e, de quebra, grande parte do século XX.

E, além de sua qualidade literária, esse romance é ainda mais digno de celebração pelo tema abordado e por ter sido escrito por um cubano(!), claro sinal de que o mundo em geral (e Cuba, em particular) está em processo de mudança. Há exatamente uma década, viajei a Cuba e zanzei por algumas de suas cidades por cerca de duas semanas (até escrevi uma espécie de diário – leia aqui). E, como sempre faço, fui atrás de livros de alguns autores que tinha anotado numa listinha previamente elaborada, como costumo fazer quando viajo, pois é meu modo de "levar pra casa", ou "fotografar", o país que visitei (eis aí um belo exemplo de como estudo história por meio da literatura). No entanto, foi-me impossível encontrar alguns autores da lista. Motivo? Escritores que, por um motivo qualquer, se desiludissem com o regime tinham seus livros "varridos" das prateleiras.

Sou de esquerda desde que me entendo por gente. E, quando digo de esquerda, refiro-me a ser um humanista, defender pautas progressistas e lutar por um mundo menos injusto. Portanto, sou, obviamente, crítico atroz do sistema capitalista e contrário à concentração de riqueza nas mãos de uns poucos; só que sou também completamente favorável à liberdade de expressão. Assim, talvez meu "deslize" seja ser contrário a regimes totalitários, sejam de direita ou de esquerda. Afinal, nada justifica a mordaça. Minha voz, que grita por escrito nos tantos textos deste bloguinho, só é possível porque vivo num país democrático (por enquanto). E é por isso que aceito até a grita dos equivocados, seja nas redes sociais, janelas de apartamentos ou ruas. É o preço. E é barato.

Hoje em dia, com o terrorismo se espalhando mundo afora, muitos governos se aproveitam do pânico geral pra "tocar um terror interno" em nome da segurança – e tal modus operandi já está chegando por aqui! Mas segurança sem liberdade não passa de outra espécie de prisão, ainda que confortável e com a concordância do preso. E o medo sempre foi justificativa pra muitas atrocidades. Nesse quesito, o grande nome do século passado foi o cara do bigodinho, também conhecido como führer. Só que este, finda a segunda grande guerra, foi mundialmente eleito como o maior genocida de nossa história recente, e seus seguidores foram devidamente julgados e condenados (fora os que conseguiram fugir e recomeçar a vida incógnitos). O problema foi o nº 2.

E quem foi ele? Claro, Josef Vissarionovitch Stalin. Esse "camarada", em minha humilde opinião, causou estragos que, se não foram maiores, foram ao menos mais duradouros. E por quê? Porque Hitler foi tachado como um gênio do mal e pronto, acabou-se; já Stalin foi durante décadas considerado um herói do proletariado e seu legado ultrapassou o território soviético e se espalhou por muitas regiões do globo. Vissarionovitch é o melhor exemplo que eu poderia apresentar de como é perigoso dar poder aos medíocres. Lugar de medíocres sempre foi lambendo botas; a partir do momento em que lhes damos um poderzinho qualquer, por menor que seja, eles põem imediatamente as garras de fora. E garanto que todos vocês já se depararam com ao menos um deles.

Eu poderia me estender no assunto por ainda laudas e laudas, afinal em qualquer lugar onde exista convívio social sempre haverá ricos exemplares de stalinzinhos, seja nas artes, na indústria, no comércio, nos esportes, no clero, na política (principalmente!) e por aí vai; mas queria me ater ao bigodudo (não confundir com o bigodinho) por ora, pois a leitura de Padura (perdoem a rima acidental) exaltou meus ânimos e fez em meu cérebro pulularem ideias. Vamos por partes: o primeiro grande legado de Stalin foi o de que qualquer pessoa próxima a um líder é um suspeito em potencial. Lá em seu íntimo, ele não pensava isso; a real é que um usurpador (né, Temer?) teme (ui!) que outros copiem sua estratégia, então procura de todos os meios possíveis se livrar da sombra do estorvo.

Agora, raciocinemos: todo profissional ambiciona galgar posições em seu trabalho; então, imaginem como devia ser o dia a dia dos que trabalhavam com Stalin sabendo que cedo ou tarde seu pescoço encontraria a corda. Nessa brincadeira, Stalin matou uma infinidade de inocentes úteis, sem falar nos milhões de tantos outros que foram dizimados por não concordarem com seu regime. Porém, o ponto mais importante no desserviço que ele prestou à humanidade foi ter moldado o comunismo pela lente de sua miopia. Como dizem, não tem virgem na zona, e Trotski não era nenhum Gandhi, porém acredito piamente que se tivesse liderado a União Soviética no lugar de seu desafeto o rumo que o comunismo tomou no mundo teria sido completamente diferente.

Como esquerdista, lamento profundamente que a história tenha sido tão cruel com o ideal marxista. O comunismo pós-Stalin virou uma piada de mau gosto, apesar de, diga-se, ter sido justa e necessária a Revolução Cubana – não seu desenrolar. É que esse tão stalinista, como diria Fernando Pessoa, "amor gorduroso" pelo poder, que gerou tantos caudilhos que estavam mais pra monarcas que pra revolucionários, feriu praticamente de morte os que deviam ser os verdadeiros princípios da esquerda. E aqui no Brasil vemos as lambanças petistas como um exemplo disso. Mas as revoluções são feitas por homens, com todas as suas qualidades e fraquezas; e vejo que o momento atual é de autocrítica e reinvenção. Até porque a direita está aí, mais forte do que nunca, e, convenhamos, se nossos Stalins viram monstros apesar das boas intenções, os deles o fazem com a pior das intenções.


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PS1: Por essas e outras, como mencionei acima, considero esse romance de Leonardo Padura o mais importante escrito até agora em nosso adolescente século.

PS2: Presentinho – entrevista que o escritor cubano concedeu ao programa Roda Viva:



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6 comentários:

  1. Texto ótimo, Leozíssimo!
    Já quero ler o romance, Tb.
    Bjbj

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    1. Leia, sim, Curcinha! Uma aula de história e literatura! Valeu!

      Beijos,
      Léo.

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  2. Adorei, Leo! Certamente também lerei o romance e verei a entrevista. Cada vez mais me identifico com a esquerda, mas claro, de forma crítica.
    Beijos,
    Danny.

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    1. Dannoca, com o que quer que nos identifiquemos, há que ser sempre de forma crítica, né? rs

      Valeu!
      Beijos,
      Léo.

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    2. É, tem que ser! Pensando bem, não dá pra ser de outra forma. :)
      Beijos!

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    3. Né? Quem põe a mão no fogo costuma se queimar. rs

      Beijoca,
      Léo.

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