Quando morre uma pessoa legal, ainda que eu não a conheça fico bastante mal, tanto quanto triste. Me lateja a cabeça e a brotoeja de uma vergonha medonha persiste, como se o fato de eu continuar por aqui vendo o outro partir demonstrasse minha falta de classe, ou de passe, fosse eu um mentecapto que não estivesse apto a penetrar nos salões celestiais do lado de lá. Ou mais. Ao mesmo tempo, me ataca um sentimento mesquinho – visto que a carne é fraca –, e me regozijo por não estar sozinho; vem aquele alívio por estar eu ainda em vosso convívio, e sem querer me ouço dizer "Ufa! Ainda bem que não foi comigo!". Só por essa eu já mereceria castigo, mas imagino que não esteja só nesse quesito. Atire a primeira pedra fatal o infeliz sem eira nem beira que nunca quis adiar a viagem final pro infinito!
Foi assim que me senti quando li que Vander Lee não estava mais por aqui. Com tanto filho da puta merecendo partir (vossa excelência este, aquele...), e é justo ele, Lee (um justo), que abandona a luta? E com tanto ainda por compor? Pô, Vander, pô! E eu nem o conhecia, nunca lhe dei um abraço, e agora esse dia vai ficar adiado no tempo e no espaço... Ainda bem que ele deixou sua obra, que, convenhamos, na época em que estamos, sobra. E eu admito que pouco conhecia seu som; e meio que num rito, numa oração, fui ouvindo que nem barata tonta, rezando, canção a canção, conta a conta, e achando tudo bom, bonito, zen. Sensível e verdadeiro como ninguém! Romântico até o osso, porém um colosso também no samba. Um bamba das Gerais pra mais de légua. Não tem régua que meça o humor-cabeça e o amor-coração. O cara sacara a língua da canção!
Sim, ele partiu, mas sua voz se partiu em mil e se espalhou entre nós, como se fosse chuva pra além de Bocaiuva, pra além de Budapeste, e do agreste, e do cabresto, e do resto... tudo coube dentro de um gesto, que virou pensamento, que queimou dentro do vento, lento, e ainda queima como um tira-teima, uma guloseima na boca de uma pessoa boa, mas com diabetes, como se todos os estiletes cortassem o sangue correndo em sua veia, morrendo em sua teia, como se uma fé ateia não tivesse a mínima ideia do que passa na cabeça de um presidiário que, otário sagitário, cumpre sentença porque matou a presença de um amor que perdeu a crença e ficou esperando aviões sem saber que ali nos porões da esperança tudo era mais cais que aeroporto, e despertou frágil, semimorto, no naufrágio das embarcações...
Alucinações? Não, senhores, apenas canções. Mas canções pungentes, pujantes, urgentes e delirantes, como se seu autor soubesse que sua prece preciosa tinha hora marcada com a descarada e indecorosa pálida dama, aquela que não respeita fome nem fama e nos come a todos, sem talheres nem modos. E quis o destino que fosse a vez dele... justo aquele que sempre foi profundo, do mundo dos que não têm pressa e, tranquilo – e com estilo –, brincava de verso no quintal do universo da invenção. Vander, coração de leão e sorriso de menino (compositor de hinos), de fino trato, sem contrato, um independente de dar orgulho na gente. E de uma pureza que põe mesa, de uma quase ingenuidade, que a gente chega até a pensar que, na verdade, ele estava mais pra um baile de anjos que pra esse show de horrores digno dos piores marmanjos.
Vai, Vander, o breve!, de alma leve, levar suas canções-orações pra contento do firmamento e pra luto da cuíca de quem aqui fica. Perdemos nós ao perder sua voz que cantava o que compunha com o talento de um nome próprio e o ópio de uma alcunha. Você que misturou Roberto com Chico, e deu tudo certo, e ficou tudo rico; você que transformou um carro numa escola de samba, como só sabe fazer um bamba; que expandia o brilho do cristal dia sim, outro também... e agora deixou a TV sem canal e a audiência refém... Paciência! Quem sabe agora você possa podar seu jardim, cheio de bossa; enquanto aqui, nós, na fossa, cuidamos mal de nós, cada vez mais sós. Você tragou seu veneno e seu vinho, mas em nosso gogó ficou o trago amargo de um só à margem do caminho. Fenece a flor e padece um órfão espinho...
Vai, Vander! Já que você resolveu intervir no dedo do tempo e foi ver Deus mais cedo, vai ser anjo no céu! E manda um abraço pra São Pedro (só toma cuidado com o cedro, digo, cetro!), que por aqui, ao léu, num inferno que não soletro, nós seguimos sendo gauches no barro dessa vida encardida de compositores. Mas sei que daí você nos manda flores, flores, flores. E nós vamos driblando o destino e virando meninos, mais velhos que um matusalém e mais jovens que nossos filhos, com a sadia magia de nunca perder o estribilho, que a vida aqui continua enquanto você agora canta histórias pra lua. Foi pra tão distante, de repente, deixando um vazio galopante no peito da gente, nas casas e nos apartamentos, que agora são só lamentos.
Mas estamos cientes de que numa noite bela uma estrela brilhante pode bater em nossa janela e nos servir de calmante, enquanto ouvimos você cantar no interior de nosso interior. Seja como for, agora você encontrou um lugar onde Deus pode te ouvir e foi brilhar em Marte; por aqui, acalentamos a saudade de sua arte. Mas fique sabendo que sua passagem feito um furacão não foi em vão. Não deixou pedra sobre pedra na semente que medra no coração da gente que uma vez te ouviu, nota corrente de um rio de melodias das quais você foi um nobre domador. Agora, por favor, tenha a bondade de dizer pra essa divindade chamada Nosso Senhor que assim já é demais e que isso não se faz! Tá, a gente sabe que Deus é brasileiro, mas eu falo que você é Galo e Ele é Cruzeiro!
PS2: Bora ouvir Vander Lee?
Sim, ele partiu, mas sua voz se partiu em mil e se espalhou entre nós, como se fosse chuva pra além de Bocaiuva, pra além de Budapeste, e do agreste, e do cabresto, e do resto... tudo coube dentro de um gesto, que virou pensamento, que queimou dentro do vento, lento, e ainda queima como um tira-teima, uma guloseima na boca de uma pessoa boa, mas com diabetes, como se todos os estiletes cortassem o sangue correndo em sua veia, morrendo em sua teia, como se uma fé ateia não tivesse a mínima ideia do que passa na cabeça de um presidiário que, otário sagitário, cumpre sentença porque matou a presença de um amor que perdeu a crença e ficou esperando aviões sem saber que ali nos porões da esperança tudo era mais cais que aeroporto, e despertou frágil, semimorto, no naufrágio das embarcações...
Alucinações? Não, senhores, apenas canções. Mas canções pungentes, pujantes, urgentes e delirantes, como se seu autor soubesse que sua prece preciosa tinha hora marcada com a descarada e indecorosa pálida dama, aquela que não respeita fome nem fama e nos come a todos, sem talheres nem modos. E quis o destino que fosse a vez dele... justo aquele que sempre foi profundo, do mundo dos que não têm pressa e, tranquilo – e com estilo –, brincava de verso no quintal do universo da invenção. Vander, coração de leão e sorriso de menino (compositor de hinos), de fino trato, sem contrato, um independente de dar orgulho na gente. E de uma pureza que põe mesa, de uma quase ingenuidade, que a gente chega até a pensar que, na verdade, ele estava mais pra um baile de anjos que pra esse show de horrores digno dos piores marmanjos.
Vai, Vander, o breve!, de alma leve, levar suas canções-orações pra contento do firmamento e pra luto da cuíca de quem aqui fica. Perdemos nós ao perder sua voz que cantava o que compunha com o talento de um nome próprio e o ópio de uma alcunha. Você que misturou Roberto com Chico, e deu tudo certo, e ficou tudo rico; você que transformou um carro numa escola de samba, como só sabe fazer um bamba; que expandia o brilho do cristal dia sim, outro também... e agora deixou a TV sem canal e a audiência refém... Paciência! Quem sabe agora você possa podar seu jardim, cheio de bossa; enquanto aqui, nós, na fossa, cuidamos mal de nós, cada vez mais sós. Você tragou seu veneno e seu vinho, mas em nosso gogó ficou o trago amargo de um só à margem do caminho. Fenece a flor e padece um órfão espinho...
Vai, Vander! Já que você resolveu intervir no dedo do tempo e foi ver Deus mais cedo, vai ser anjo no céu! E manda um abraço pra São Pedro (só toma cuidado com o cedro, digo, cetro!), que por aqui, ao léu, num inferno que não soletro, nós seguimos sendo gauches no barro dessa vida encardida de compositores. Mas sei que daí você nos manda flores, flores, flores. E nós vamos driblando o destino e virando meninos, mais velhos que um matusalém e mais jovens que nossos filhos, com a sadia magia de nunca perder o estribilho, que a vida aqui continua enquanto você agora canta histórias pra lua. Foi pra tão distante, de repente, deixando um vazio galopante no peito da gente, nas casas e nos apartamentos, que agora são só lamentos.
Mas estamos cientes de que numa noite bela uma estrela brilhante pode bater em nossa janela e nos servir de calmante, enquanto ouvimos você cantar no interior de nosso interior. Seja como for, agora você encontrou um lugar onde Deus pode te ouvir e foi brilhar em Marte; por aqui, acalentamos a saudade de sua arte. Mas fique sabendo que sua passagem feito um furacão não foi em vão. Não deixou pedra sobre pedra na semente que medra no coração da gente que uma vez te ouviu, nota corrente de um rio de melodias das quais você foi um nobre domador. Agora, por favor, tenha a bondade de dizer pra essa divindade chamada Nosso Senhor que assim já é demais e que isso não se faz! Tá, a gente sabe que Deus é brasileiro, mas eu falo que você é Galo e Ele é Cruzeiro!
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PS1: Bora participar dessa campanha? É você quem ganha (http://www.vanderlee.com.br/campanha/).
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PS2: Bora ouvir Vander Lee?
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Comovente, Léo, belo texto! beijo.
ResponderExcluirValeu, Rossana. Era o mínimo que eu podia fazer.
ExcluirBeijos,
Léo.
Triste perda.
ResponderExcluirO texto tá lindo e comovente.
Valeu, Vanessinha.
ExcluirBeijo,
Léo.
Parabéns, Léo!!!
ResponderExcluirO Vander merecia mesmo ser descrito por você.
Valeu, Moreirinha!
ExcluirAbraço,
Léo.
Parceiro, fiquei triste do mesmo jeito que na passagem do Madan. Não conhecia o Vander, e mesmo sua obra, pouca coisa. Mas a proximidade com a Ivânia e com o Carlos Gomes, a história linda e também sofrida da família, me fez escrever essa homenagem abaixo, encaminhei pro Carlos Gomes, se e quando quiser musicar. Abs;
ResponderExcluirBALAIO DE SONHO
ResponderExcluirÁLVARO CUEVA
QUANDO UM ARTISTA PARTE
A ARTE DO AMOR É SUA ARTE
E FICA MAIS VIVA EM NÓS
A PORTA ABRE, A PORTA FECHA
E É HUMANO CRER QUE A FRESTA
SE PRESTA À PASSAGEM DE LUZ
A VIDA SABE, A MORTE DEIXA
POR FAZER AQUELA FESTA
QUE CELEBRA A ALEGRIA E A TRADUZ
PUS MEU BALAIO DE SONHO
JUNTO À TRISTEZA E LÁ PONHO
DIAS RUINS PRÁ COARAR
ÀS VEZES DURMO TRISTONHO
DEPOIS ACORDO CANTANDO
PRÁ QUANDO A DOR SE ACALMAR
EU ME LEMBRAR QUE VIVER
É ADORMECER E ACORDAR
E SE EU PRECISAR DE VOCÊ
OU VOU SONHAR, OU CANTAR
Perfeito Àlvaro!!! Gostei muito...aguardo ansiosa quando já estiver musicada.
ExcluirMuito bonita a letra, mano Cueva! Oxalá ele a musique. Me avise quando. Quero ouvir.
ExcluirAbração,
Léo.
Claro! Assim que ele me enviar, compartilho aqui com os amigos! Abs;
ExcluirFicamos no aguardo.
ExcluirAbç,
Léo.
ótima leitura, bela lembrança!
ResponderExcluirValeu, Dimi!
ExcluirAbração,
Léo.
Léo ... texto perfeito, digno de Vander Lee.
ResponderExcluirVocê escreveu em verso e prosa, toda a trajetória desse ser ILUMINADO e que por ser assim nos deixou órfão e involuntariamente obrigados a ouvir as porcarias que ai estão.(desculpe-me a deselegância)
Amei!!! Parabéns!!!
Olá, Leila!
ExcluirGrato pelas palavras. Contudo, discordo de você em um ponto: não somos obrigados a ouvir as porcarias que aí estão. Temos nosso livre-arbítrio e, além dele, muitos outros bons artistas em atividade, alguns mais famosos que Vander, outros menos, mas muitos e muito bons! Ns basta pesquisar.
Abraços,
Léo.