Não lembro exatamente o ano — quando muito, posso afirmar que foi num dos primeiros depois da virada do século —, o que, sim, lembro bem é o embasbacamento pelo qual fui tomado quando ouvi pela primeira vez a canção Logradouro. Já conhecia seus autores e era razoavelmente próximo deles: Rafael Alterio, pra mim, um dos maiores melodistas que o Brasilzão ainda não teve o privilégio de conhecer, e Kleber Albuquerque, também ótimo melodista e um dos letristas mais originais que surgiram nas últimas décadas. Outra coisa que me vem à memória quando penso nessa canção é a inveja que senti. Falar disso requer novo parágrafo.
Sim, assustada leitora e sustado leitor, nunca escondi que grande parcela de meu ser — ainda que à revelia de seu dono — sente inveja. Eu, que já flertava com uma parceria com o Garga Alterio, quando ouvi essa canção pensei cá com meus botões: "Por que ele não mandou essa melodia pra mim em vez de pro Kleber?" Entretanto, sou adulto o suficiente pra admitir que se ele tivesse feito essa má escolha o resultado não teria sido tão deslumbrante como foi. Claro, uma melodia linda como essa caindo nas mãos de qualquer letrista razoavelmente talentoso teria resultado numa bela canção, mas nada que pudesse se comparar ao encontro de dois gênios — que, além do mais, possuem uma empatia quase sexual em se tratando da parceria musical.
Que conta com poucos, mas excelentes, exemplos. Não esqueçamos que são os dois parceiros noutra pérola, a canção Xi — de Pirituba a Santo André, finalista daquele inesquecível festival esquecido da Rede Globo, o último, que ocorreu em 2000 e teve como campeã a polêmica (e bela) Tudo Bem meu Bem, do bróder Rica Soares. Mas voltemos à Logradouro: minha inveja foi tanta, que anos depois usei de um subterfúgio ao qual vira e mexe recorro, que foi o de criar pra original uma versão em espanhol, o que já fiz com um punhado de canções brasucas. Só que no caso desta ocorreu um incidente: essa hermosa palavra em português não tem sinônimo à altura na língua de Cervantes, de modo que virou um pífio Dirección.
Sin embargo (ou com), vocês devem estar se perguntando por que resolvi tratar dessa canção aqui e agora. Explico: soube que o mano Zeca Baleiro acaba de gravá-la num single que já está disponível mundo afora nessas tantas plataformas digitais que por aqui e por aí vicejam. O que me fez me lembrar de que essa mesma canção já havia sido cantada pelo Das Balas no show que resultou num CD que eu amo, o nem tão conhecido assim Concerto. A canção fazia parte do repertório, mas acabou ficando de fora do disco. Com toda a humildade que me é peculiar, passei um pito no amigo, e ora reparo que ele levou uns tantos anos pra deglutir a reprimenda.
Antes tarde que mais tarde. Aliás, essa canção já foi gravada por uma porção de gente, tirantes os próprios autores. E ela também — merecidamente, óbvio — papou o primeiro lugar na Fampop de Avaré (SP) lá se vão uma década e trá-lá-lá. E deve ter beliscado outros festivais Brasil afora, mas, como não sou acompanhador atento de tais efemérides, vou ficar devendo o relatório de sua trajetória. Claro, o mais importante não são os prêmios — que, com os anos, viram não muito mais que empoeirados troféus na estante —, e sim como uma obra tem o poder de tocar corações (e mentes).
E Logradouro pertence a esse time. Pra mim, é simplesmente uma das mais lindas pérolas de nosso cancioneiro, e o fato de Zeca vir a gravá-la e assim dar a ela uma possibilidade de ser conhecida e, por que não?, admirada por um número maior de pessoas vem mais uma vez provar um pouco não só de sua grandeza, mas também de seu olhar (no caso, ouvido) atento. Além disso, nesses tempos em que o CD agoniza, não deixa também de ser uma jogada acertada isso de lançar uma canção por vez em vez de jogá-las todas num único trabalho; pois assim temos a oportunidade de desfrutar mais demoradamente de uma única canção, como fazíamos antigamente quando os compactos chegavam antes dos LPs.
Entretanto, além de Logradouro, há o (bom) agouro; a canção Besouro (também de Kleber); quem nunca passou de calouro; as palavras que eu (não) douro; o que é (e o que não é) estouro; quem tem o tal do privilegiado foro; o que (ou quem) foi vítima de goro; os animais hiponeuros; o que eu instauro; o que eu (minto quando) juro; quem colhe os louros (e quem recolhe os morenos); o mouro (com U); o local do nascedouro; quem tem o coração que vale ouro; o passadouro; o encontro romântico que fracassou por falta de quorum; o respiradouro; o "(eu sou você que se vai no) sumidouro (do espelho)"; os piratas e a eterna busca do tesouro; o sulfeto uzífuro; a Unidos do Viradouro; o xarope (que nem rimar sabe); e, pra fechar com chave de ouro, quem não poderia faltar, o Zorro.
Ass.: Tonto
Sim, assustada leitora e sustado leitor, nunca escondi que grande parcela de meu ser — ainda que à revelia de seu dono — sente inveja. Eu, que já flertava com uma parceria com o Garga Alterio, quando ouvi essa canção pensei cá com meus botões: "Por que ele não mandou essa melodia pra mim em vez de pro Kleber?" Entretanto, sou adulto o suficiente pra admitir que se ele tivesse feito essa má escolha o resultado não teria sido tão deslumbrante como foi. Claro, uma melodia linda como essa caindo nas mãos de qualquer letrista razoavelmente talentoso teria resultado numa bela canção, mas nada que pudesse se comparar ao encontro de dois gênios — que, além do mais, possuem uma empatia quase sexual em se tratando da parceria musical.
Que conta com poucos, mas excelentes, exemplos. Não esqueçamos que são os dois parceiros noutra pérola, a canção Xi — de Pirituba a Santo André, finalista daquele inesquecível festival esquecido da Rede Globo, o último, que ocorreu em 2000 e teve como campeã a polêmica (e bela) Tudo Bem meu Bem, do bróder Rica Soares. Mas voltemos à Logradouro: minha inveja foi tanta, que anos depois usei de um subterfúgio ao qual vira e mexe recorro, que foi o de criar pra original uma versão em espanhol, o que já fiz com um punhado de canções brasucas. Só que no caso desta ocorreu um incidente: essa hermosa palavra em português não tem sinônimo à altura na língua de Cervantes, de modo que virou um pífio Dirección.
Sin embargo (ou com), vocês devem estar se perguntando por que resolvi tratar dessa canção aqui e agora. Explico: soube que o mano Zeca Baleiro acaba de gravá-la num single que já está disponível mundo afora nessas tantas plataformas digitais que por aqui e por aí vicejam. O que me fez me lembrar de que essa mesma canção já havia sido cantada pelo Das Balas no show que resultou num CD que eu amo, o nem tão conhecido assim Concerto. A canção fazia parte do repertório, mas acabou ficando de fora do disco. Com toda a humildade que me é peculiar, passei um pito no amigo, e ora reparo que ele levou uns tantos anos pra deglutir a reprimenda.
Antes tarde que mais tarde. Aliás, essa canção já foi gravada por uma porção de gente, tirantes os próprios autores. E ela também — merecidamente, óbvio — papou o primeiro lugar na Fampop de Avaré (SP) lá se vão uma década e trá-lá-lá. E deve ter beliscado outros festivais Brasil afora, mas, como não sou acompanhador atento de tais efemérides, vou ficar devendo o relatório de sua trajetória. Claro, o mais importante não são os prêmios — que, com os anos, viram não muito mais que empoeirados troféus na estante —, e sim como uma obra tem o poder de tocar corações (e mentes).
E Logradouro pertence a esse time. Pra mim, é simplesmente uma das mais lindas pérolas de nosso cancioneiro, e o fato de Zeca vir a gravá-la e assim dar a ela uma possibilidade de ser conhecida e, por que não?, admirada por um número maior de pessoas vem mais uma vez provar um pouco não só de sua grandeza, mas também de seu olhar (no caso, ouvido) atento. Além disso, nesses tempos em que o CD agoniza, não deixa também de ser uma jogada acertada isso de lançar uma canção por vez em vez de jogá-las todas num único trabalho; pois assim temos a oportunidade de desfrutar mais demoradamente de uma única canção, como fazíamos antigamente quando os compactos chegavam antes dos LPs.
Entretanto, além de Logradouro, há o (bom) agouro; a canção Besouro (também de Kleber); quem nunca passou de calouro; as palavras que eu (não) douro; o que é (e o que não é) estouro; quem tem o tal do privilegiado foro; o que (ou quem) foi vítima de goro; os animais hiponeuros; o que eu instauro; o que eu (minto quando) juro; quem colhe os louros (e quem recolhe os morenos); o mouro (com U); o local do nascedouro; quem tem o coração que vale ouro; o passadouro; o encontro romântico que fracassou por falta de quorum; o respiradouro; o "(eu sou você que se vai no) sumidouro (do espelho)"; os piratas e a eterna busca do tesouro; o sulfeto uzífuro; a Unidos do Viradouro; o xarope (que nem rimar sabe); e, pra fechar com chave de ouro, quem não poderia faltar, o Zorro.
Ass.: Tonto
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PS: Trilha sonora (que deu origem à prosa): Zeca Baleiro, Logradouro (Rafael Alterio – Kleber Albuquerque)
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Léo, fiquei emocionado com suas palavras. Não teria errado não Você é um grande letrista e no próximo cd, vamos ter uma nossa.
ResponderExcluirObrigado pela força.
De um beijo na minha ÍDOLA KANASÃ e um grande abraço pra você
Salve, Garga! Estamos na mesma sintonia, embora em logradouros (rs) diferentes.
ExcluirAbração,
Léo.
Lindeza!
ResponderExcluirNé não, Dão?
ExcluirAbração,
Léo.