quinta-feira, 1 de março de 2018

A Palavra É: 40) Vírgula



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"A lua é a boca na cara do céu/ O sol é quem acende o céu dessa boca/ Os sonhos são mais altos que arranha-céus/ Ideias são zumbidos de uma muriçoca/ Estrelas são, no breu, luminoso sorriso/ Montanhas são as esculturas dos lábios/ O pensamento é ave num voo indeciso/ O tempo são as páginas de um alfarrábio/ Os astros interpretam o firmamento/ O rio xaveca a terra, mas se casa com o mar/ Poetas são brisas que ouvem o vento/ A música é o som a um passo de gozar/ Paixão é torpedo que erra de destinatário/ Amor é vírus que se contrai pelo ar/ A vida é uma vírgula no calendário/ Se tudo isso é seu/ Me diga quem sou eu/ E o que mais posso te dar."

Desta vez, começo pelo fim. Ou seja, pela trilha sonora. Meu querido amigo e parceiro Augusto Teixeira, dentro dos trabalhos de lançamento de seu novíssimo primeiro CD, Estação Felicidade, acaba de lançar o clipe da canção... tchan tchan tchan tchan! ... Vírgula, que é dele em parceria com Gabriel de Almeida Prado e, ainda, como penduricalho, este escrevinhador que ora lhes escrevinha. De quebra, o clipe, assim como a gravação do disco, conta com a luxuosa (e charmosa) participação de Ceumar, um dos nomes mais brilhantes de nossa (nem tão) nova safra de cantores/compositores — e nunca incensada no nível de seu merecimento. Daí, como parte da divulgação, resolvi escrever sobre ela...

A vírgula. Este bendito sinalzinho de pontuação que também, como dizia Ferreira Gullar a respeito da crase, não foi feito pra humilhar ninguém. Aliás, a crase — na verdade, o acento grave (`); a crase é a fusão de duas vogais — e a vírgula deveriam andar de mãos dadas, pois tanto uma como outra costumam ser mal utilizadas por aí. No caso da crase — ou o acento grave, como prefiram —, dia sim, outro também, lemos por aí frases como "agradeço à todos" (né, Mr. Marin?) etc. Já a vírgula — que algum indivíduo que nunca sofreu de asma certa vez disse se tratar do sinal que pontua a respiração — costuma ser vítima de não poucas lambanças. Parágrafo novo pra ela... e elas.

Uma coisa que aprendemos — ou devíamos ter aprendido — na escola é que não se mete uma vírgula entre sujeito e predicado. Como dizem hoje em dia, simples assim. Ex.: "O livro está sobre a mesa." Entenderam? Por que, me digam, um infeliz vai escrever "O livro, está sobre a mesa"? Percebem? É praticamente uma relação matemática, quando as operações básicas são ligações diretas — adição, subtração etc. Daí, quando há um elemento novo, surgem parênteses, colchetes e tal. Da mesma forma, podemos pôr um elemento novo entre "o livro" e "está sobre a mesa". Assim: "O livro, que é uma coleção de folhas de papel, está sobre a mesa."

Repararam na diferença? Nos jornais, costumamos ler "Fulano de tal, 57, comprou a empresa X." Nesse caso, o acréscimo da idade do sr. Fulano de tal, que é 57, justifica a vírgula. E há ainda casos em que uma vírgula fora de lugar faz toda a diferença. Aprendi uma brincadeira que costumo usar, que, dizem, comprova quando alguém é ou não machista. Leiam esta frase: "Se o homem soubesse o valor que tem a mulher beijaria seus pés." Pensem aí, preciosa leitora e ocioso leitor, onde vocês poriam uma vírgula nessa frase? Pensaram? Se você a pôs depois de "tem", sinto muito, mas você é machista. Se você colocou depois de "mulher", parabéns, você está adequado aos dias correntes. Ah, se você a colocou depois de "homem", não precisa terminar a leitura; não há o que se fazer em relação a casos perdidos...

Voltando à canção, tratemos da vírgula de forma mais metafórica. Há um verso nela — na canção, não na vírgula — de que gosto muito e que justifica o título, que diz que "a vida é uma vírgula no calendário". Se não me engano, foi Gabriel quem concebeu esse magnânimo verso, mas, como um filho pertence aos pais em porcentagem igual, não me canso de me orgulhar dele, do verso — assim como da canção toda. Porque esse verso me faz baixar a bola sempre quando entro numas de "me dar ares", quando sou tomado por certa afetada vaidade. Se não passamos de uma vírgula no calendário, como podemos imaginar que somos a última bolacha do pacote? Até porque, se fôssemos, não teríamos outra bolacha com quem compartilhar essa, digamos, revelação, não é?

No mais, além da vírgula temos aqueles que acham que merecem uma auréola; quem não precisa de bússola; as farras de Calígula; os dentes de Drácula; a primeira epístola; os animais falantes de uma fábula; os jovens e suas glândulas; a cristã incrédula; quem se enche de júbilo; Dany López e sua linda Libélula (ouça-a aqui); quem se acha sem mácula; quem parou na nêurula; quem precisa de óculos; quem esqueceu de tomar a pílula; quem se preocupa com questiúncula; as certezas ridículas; quem preferiu não assinar a súmula; os cavaleiros daquela famosa távola; a beleza de Andress, Ursula; o escape da válvula; as criaturas xerófilas; e o santo padroeiro de não sei o quê que nos protege das ziquiziras.

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Dedico esta virgulina prosa a Vanessa Curci, que, dentre todas as pessoas que conheço, é quem tem uma relação mais íntima com a... ,

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