Ofereço este texto (e sua respectiva canção) a todos aqueles que tiveram a coragem de, pra esquecer um amor, fugir ao lugar mais distante possível (mesmo que esse lugar fosse o boteco da esquina; afinal, depois de duas doses, até o boteco da esquina pode se tornar o lugar mais distante do mundo!). ¡Ay, Praga!
Fazia muuuito tempo que eu não vinha por estas plagas tratar de Joaquín Sabina. Sabina, que, aliás, anda feliz da vida, em turnê internacional com o grande Joan Manuel Serrat. Desta feita com repertório novinho em folha, todo composto a quatro mãos pelos dois muchachos, repertório esse que resultou num belíssimo CD (que, obviamente, não chegou - e, infelizmente, nem chegará - por aqui), o La Orquesta del Titanic.
Andei lendo algo a respeito e me parece que os fãs de Sabina não estão lá muito satisfeitos com o disco. É que, claro, ficaram de fora melodias mais viscerais de Sabina, já que, penso eu, prevaleceram as de Serrat. Mas também acredito que tenham prevalecido as letras de Sabina, afinal, são bem inconfundíveis.
Mas deixemos de lado esse Titanic, pois aqui a orquestra, aliás, a banda, vai tocar em outros portos. Bem, a viagem dessa vez vai até Praga, a maior cidade da República Tcheca, onde Sabina esteve um tempo de férias (mas a trabalho). O motivo foi que Sabina, que sempre gostou de passar madrugadas num canto de bar bebendo e compondo (já ouviram falar de Noel Rosa?), já não encontrava mais paz pra exercer seu ofício nos bares de Madri. ... nem de Barcelona, Valencia, Zaragoza, Úbeda etc. A fama não o deixava mais tranquilo pra trabalhar enquanto bebia (ou seria o contrário?); sempre vinha um atrapalhar seu sossego, tratando-o como a um velho conhecido e puxando papo. Então o muchacho resolveu se empirulitar rumo a Praga, onde poderia amanhecer nos bares sem ser reconhecido (a não ser que passasse por ali algum turista hispânico).
E foi isso que ele fez. Mas fez mais. Levou consigo o amigo e poeta Benjamín Prado. Mas por um motivo muito interessante. Sabina contou em várias entrevistas que as dores de amores sempre o motivavam a compor. Só que naquele momento estava ele numa fase tranquila de sua vida, muito bem casado, caseiro, um tanto pacificado (à força) pelos diversos problemas de saúde que tivera durante um tempo considerável e que não lhe permitiam loucuras; assim que seu coração, batendo tão compassadamente, não era um bom companheiro pra empreender com ele mais uma viagem de composições que eram esperadas pela gravadora (e pelo público) pra um disco novo. Então Sabina se lembrou de um amigo e grande poeta, justamente o supracitado Benjamín, que vivia um momento bem distinto do dele no que se refere aos assuntos do coração.
Sabina conta ainda, em tom de galhofa, que chegou mesmo a jogar lenha na fogueira dessa esfacelada relação, que era pra tirar o máximo do amigo. Assim que o convenceu a acompanhá-lo nessa empreitada que era a feitura das canções de seu (até agora) último CD de inéditas (excluindo o mais recente, em dupla com Serrat), Vinagre y Rosas. E dele extraí eu a versão da canção em questão (desculpem os "ecos do ão"), Cristales de Bohemia, a qual, já rebatizada de Cristais da Boêmia, enviei a meu querido Tato Fischer, pra que este extraísse daquela seu melhor.
A coisa não foi fácil. Manjam aquele papo de "casa de ferreiro, espeto de pau"? Pois é, assim é a casa de Tato. Não, não, o piano está lá, o que ele não tem é um gravadorzinho ou algum programa de computador no qual gravar com um mínimo de qualidade suas (e alheias, como esta, no caso) canções. Assim que o processo foi leeeento... Mas teve suas compensações. Tato, grande ouvido (não confundir com grande orelha), corrigiu-me algumas imprecisões na prosódia da versão, sugestões às quais acatei, melhorando bastante o produto final. Rolou apenas uma dúvida: em determinado momento da letra original Sabina canta a palavra Moldava, que é como se chama em espanhol o rio da parte ocidental da República Tcheca. Mas em português o danado do rio se chama... Vltava! Impronunciável! E, se ele cantasse Voltava, não ia ser bem compreendido, assim que ele me convenceu a manter em português o Moldava. Até porque em português de Portugal, se não me engano, é assim que se diz.
Vencida essa fase de definições acerca da letra final, voltamos ao velho problema: onde gravar? Tato me disse que já a tinha à mão, à espera da oportunidade. Foi quando teve uma ideia: ele apresentava um sarau no recém-fechado (na marra) Novo Lua Nova todas as quartas quartas-feiras de cada mês. Era o Quarta-Quarta, um sarau vale-tudo, com direito a música, poesia, mágica (!)... Sim, porque Tato é, entre outras coisas, também mágico (leia mas sobre suas magiquices clicando em seu nome). Enfim, era um sarau divertido à beça, meio assim "show de calouros". E Tato me disse que lá eles filmavam os eventos e que a qualidade de áudio dessa gravação era muito boa.
E assim que lá fui, com Kana, àquele sarau. Já conhecia a casa, obviamente, uma espécie de centro cultural da esquerda, com fotos de Che Guevara, Zumbi etc. E quem pilotava a mesa de som era o destemido Clodoaldo Batista, parceiro das antigas. Assim que fiquei tranquilo quanto ao resultado. Antes do sarau, Tato deu uma passada nela, e estava linda! Começou o sarau e lá foram subindo músicos, mágicos, poetas, doidos, acho que até eu subi (na condição de doido), Kana também se apresentou, ganhando a plateia, como sempre, agora com O Fim do Fim do Mundo, seu novo pequeno hit; e eis que chegou a vez de Tato fazer "a boa". E não é que, em plena gravação, foi interrompido pelo boa-praça maranhense (compositor e grande beberrão) Lourival Tavares? O tipo resolveu tecer-lhe loas em meio à gravação!
Resumindo, duas paradas depois, rolou! E é justamente ela que vocês podem ouvir agora. Uns três ou quatro dias depois o próprio Clodoaldo ma enviou. E phicou phoda! Gracias, Tatito!
CRISTAIS DA BOÊMIA
Vim a Praga liquidar esta canção
Por motivos que já não vêm ao caso
Às margens do Moldava
As ondas me empurravam
Ao acaso, pra não te dar razão
Foi na Ponte de Carlos que aprendi
A rimar divindade com blasfêmia
Alucinado e mais:
Se é pra pisar cristais
Que eles sejam da Boêmia, coração
Ai, Praga, Praga, Praga
Onde o amor naufraga
Ao som do acordeom
Ai, Praga, darling Praga
Um viciado paga
Bem mais pelo que é bom
Ai, Praga, Praga, Praga
Dois dedos numa chaga
E um santo no desvão
Ai, Praga, darling Praga
A lua é uma adaga
Manchada de alcatrão
Vim a Praga pra fundar uma nação
Uma noite às 10 horas da matina
Subindo a Malá Strana
Queimando tua bandeira
Na fronteira de minha solidão
Outra vez lamentando esse revés
Outra vez te esquecendo em cada esquina
Dançando entre as ruínas
Por desamor à arte
De regar-te as plantas de teus pés
Ai, Praga, Praga, Praga
Onde o amor naufraga
Ao som do acordeom
Ai, Praga, darling Praga
Um viciado paga
Bem mais pelo que é bom
Ai, Praga, Praga, Praga
Lá, onde a neve apaga
As brasas do umbral
Ai, Praga, darling Praga
Lágrima que me afaga
Na Praça Wenceslau
Ai, Praga, Praga, Praga
Dois dedos numa chaga
E um santo no desvão
Ai, Praga, darling Praga
A lua é uma adaga
Manchada de alcatrão
A original:
CRISTALES DE BOHEMIA
Vine a Praga a romper esta canción
por motivos que no voy a explicarte,
A orillas del Moldava
Las olas me empujaban
A dejarte por darte la razón
En el Puente de Carlos aprendí
A rimar cicatriz con epidemia,
Perdiendo los modales:
Si hay que pisar cristales,
Que sean de bohemia, corazón
Ay, Praga, Praga, Praga
Donde el amor naufraga
En un acordeón.
Ay, Praga, darling, Praga
Los condenados pagan
Cara su rendeción
Ay, Praga, Praga, Praga,
Dos dedos en la llaga
Y un santo en el desván
Ay, Praga, darling, Praga,
La luna es una daga
Manchada de alquitrán
Vine a Praga a fundar una ciudad
Una noche a las diez de la mañana,
Subiendo a Mala Strana,
Quemando tu bandera
En la frontera de la soledad
Otra vez a volvernos del revés,
A olvidarte otra vez en cada esquina,
Bailando entre las ruinas
Por desamor al arte
De regarte las plantas de los pies
Ay, Praga, Praga, Praga
Donde el amor naufraga
En un acordeón
Ay, Praga, darling, Praga
Los condenados pagan
Cara su salvación
Ay, Praga, Praga, Praga
Donde la nieve apaga
Las ascuas del tablao
Ay, Praga, darling, Praga
Lágrima que se enjuaga
En Plaza Wenceslao
Ay, Praga, Praga, Praga,
Dos dedos en la llaga
Y un santo en el desván
Ay, Praga, darling, Praga
La luna es una daga
Manchada de alquitrán
***
A rimar cicatriz con epidemia,
Perdiendo los modales:
Si hay que pisar cristales,
Que sean de bohemia, corazón
Ay, Praga, Praga, Praga
Donde el amor naufraga
En un acordeón.
Ay, Praga, darling, Praga
Los condenados pagan
Cara su rendeción
Ay, Praga, Praga, Praga,
Dos dedos en la llaga
Y un santo en el desván
Ay, Praga, darling, Praga,
La luna es una daga
Manchada de alquitrán
Vine a Praga a fundar una ciudad
Una noche a las diez de la mañana,
Subiendo a Mala Strana,
Quemando tu bandera
En la frontera de la soledad
Otra vez a volvernos del revés,
A olvidarte otra vez en cada esquina,
Bailando entre las ruinas
Por desamor al arte
De regarte las plantas de los pies
Ay, Praga, Praga, Praga
Donde el amor naufraga
En un acordeón
Ay, Praga, darling, Praga
Los condenados pagan
Cara su salvación
Ay, Praga, Praga, Praga
Donde la nieve apaga
Las ascuas del tablao
Ay, Praga, darling, Praga
Lágrima que se enjuaga
En Plaza Wenceslao
Ay, Praga, Praga, Praga,
Dos dedos en la llaga
Y un santo en el desván
Ay, Praga, darling, Praga
La luna es una daga
Manchada de alquitrán
***
***
Seguro que le podrás poner la misma música a esta letra de Lucía Folino
ResponderExcluirCONTROLES DE PANDEMIA - Ay, Paga, darling, paga.
Digo “paga” al truhán de la canción
por motivos de burla y de descarte.
Mezclados con tus babas
los toros me aguijaban
a olvidarte, por terco corazón.
Por la mano de Carlos desviví
tras quitar el barniz de la pandemia.
Botones sin ojales,
si hay que prohibir manuales
que sean de sureña el papelón.
Ay, paga, paga, paga.
cuando la luz se apaga
en este botellón
Ay, paga, darling, paga
Los concertistas vagan
para su salvación.
Ay, paga, paga, paga.
Dos libros de la Maga,
Top manta en el Corán.
Ay, paga, darling, paga
La luna está en las bragas
que oculta tu diván.
Paga y paga cinismo y soledad,
en las noches con nombre de fulana,
Cerrando las ventanas
de inútiles caderas
hasta la vera de tu necedad.
Sin juez, del derecho y del revés,
Me dejaste una vez, casi en la ruina
de rosas con espinas,
por no instaurar el arte
de aliviarte, las noches del después.
Ay, paga, paga, paga.
cuando la luz se apaga
en este cotillón.
Ay, paga, darling, paga
Los concertistas vagan
en turbia usucapión.
Ay paga, paga, paga,
Mi voz de espuma daga
la tumba del cacao,
Ay, paga, darling, paga,
lágrimas que son plaga
cortando el bacalao.
Ay, paga, paga, paga,
mentira de la llaga
como un electroimán.
Ay, paga, darling, paga,
La musa que te embriaga
con cantos de alacrán.
Por lo que he leído, esta muchacha tiene serios problemas psicológicos, así que no es un ejemplo confiable para nada. Además, yo prefiero que las personas que escriben comentarios acá se presenten por lo menos.
ExcluirSaludos,
Léo.