Meu camarada (e grande compositor) Marito Correa, certa vez, comemorando seu aniversário com um show em um bar, ouviu do dono deste, visto que o público não era o esperado, a fatal pergunta: "Cadê o público?", ao que Marito, sem pestanejar, retrucou: "Eu é que pergunto. Eu trouxe a música, você trouxe o quê?". O diálogo foi mais ou menos esse, apenas o utilizei pra ilustrar outra questão espinhosa no Brasil, a da venda de livros, sobretudo a de livros brasileiros.
O que me chamou a atenção pra tal assunto foi matéria que li sexta passada na Folha (de São Paulo), intitulada Eles Não Chegam Lá (segue o link). Na matéria são entrevistados escritores e editores, desculpem, publishers (fica mais in, né?), no intuito de que expliquem por que, ao passo que livros brasileiros de não ficção vão bem nas vendas, os de ficção não alcançam o mesmo patamar. As opiniões, claro, atiram pra todo lado; algumas possuem até certo bom senso, já outras são simplesmente estapafúrdias. Sempre há um preguiçoso ou mal-informado que tira o seu da reta pondo a culpa em quem cria. Ou seja, a vítima é sempre quem cria, nunca quem põe a criação na prateleira...
Uma coisa há que ser aclarada: a arte, pra ser necessária, precisa ser livre de amarras, modismos, tendências e o raio que a parta. Não dá pra dizer, como disse ilustríssimo senhor, "são poucos os autores de ficção que merecem publicação", ou ainda como outro que disse que a "ficção perdeu os leitores". Acho justamente o contrário de ambas afirmações: há, sim, muitos autores de ficção que merecem publicação, o que acontece é que os leitores é que perderam a ficção. Hoje a maioria quer ser feliz e ter sucesso, pra estes a autoajuda lhes basta.
E há o problema do preço dos livros, que é meio como a questão do "quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?", ou seja, os livros são caros porque há poucos leitores, ou há poucos leitores porque os livros são caros? Além disso, a literatura é tratada pela maioria dos editores como sabão em pó; há sempre em primeiro lugar a tentativa de saber o que o público quer ler acima de o que é realmente importante ser publicado. O escritor Marçal Aquino resumiu bem o que penso, quando disse que "o autor que se guia pelas tendências do mercado deixa de ser um artista para ser um comerciante". Claro que editora que não vende vai à falência, mas, como disse sei lá quem, nem tanto à terra, nem tanto ao mar.
O principal inimigo da proliferação de bons escritores talvez seja o pensamento preguiçoso e monocultural de investir muito em um só autor (mais ou menos o que acontece nos ramos da música, do cinema etc.), o que é mais barato e mais rentável, mas infinitamente mais injusto. Daí que o resultado de vendas não reflete, na maioria dos casos, a qualidade da obra. O que acaba sendo um crime contra o leitor que gosta de ler, mas não tem base intelectual pra escolher o que quer ler. Vejamos por exemplo o que acontece agora com esse fenômeno de vendas que é o tal de Cinquenta Tons de Cinza. Independente da qualidade do livro, sobre a qual não posso falar porque não o li, há um marketing violento mirando o público feminino que meio que o hipnotiza. E as leitoras não pensam no porquê de estarem comprando este e não outro, elas simplesmente PRECISAM comprá-lo.
E esse precisar é algo que se assemelha à condição do drogado em relação à droga. Curioso que sou, mais de uma vez cedi à tentação de comprar um ou outro best-seller pra tentar entender o porquê de aquele livro ser um fenômeno. E confesso que, na maioria das vezes, o arrependimento foi enorme, pelo tempo gasto na leitura nula, por ter me achado um imbecil, enfim, sentimentos que me provaram por A + B que sucesso de vendas não é sinônimo de qualidade. Porque, como o traficante, o autor de best-sellers (com raras exceções) entrega ao leitor não a verdade dele, autor, mas o que o leitor quer (ou pensa querer) encontrar nas páginas de um livro. E tudo vira uma grande fórmula repetida por todos esses autores. Claro que uns são melhores que outros também no ato de desenvolver essa fórmula, mas, no geral, quando já se sabe aquilo que se quer, não há surpresa, e, ao virar a última página, sobra apenas um vazio (seguido pelo desejo de adquirir mais vazio, pra suprir o seu próprio).
Nesse jogo de empurra-empurra, as editoras, que têm fins lucrativos, põem a culpa no governo por não educar futuros melhores leitores, e o governo, de mãos atadas por não ser mais que o gerente, lava as mãos (atadas). Acredito que só haverá uma mudança de cenário quando o gerente se rebelar e resolver, por meio de impostos, leis ou sei lá mais o quê, pôr um cabresto na liberdade ilimitada que possuem os detentores do dinheiro. Claro que isso não vai acontecer tão cedo, e, se ou quando acontecer, ainda precisaremos de uma ou duas gerações de cobaias até chegarmos ao leitor que deixará de ser gado alfabetizado e passará por si próprio, sem ajuda de terceiros, a escolher, se não a grama que vai comer, ao menos de qual pasto a comerá.
Claro que toda essa bobagem acima (minha e alheia) é fruto da cabeça (de bagre) deste projeto de escritor que não entende nada dos meandros (e meonardos) editoriais. Mas nem preciso entender, senão não seria um escritor, mas um editor (ou quem sabe um publisher). Pra resumir, o que gira a roda da produção cultural é o artista, o criador, que, na maioria das vezes está se lixando pra modismos, tendências e o escambau. E, quanto mais livre este for, mais imprescindível será sua obra, pois, quando a criação deixa de ser uma necessidade praticamente fisiológica pra se enquadrar em algum modelito, deixa de ser arte pra virar fórmula.
Mais ou menos da mesma forma (fórmula?) como estão tentando impor agora aos leitores uma geração de jovens escritores. Bolas, os grandes escritores sempre melhoraram com o tempo, mas hoje em dia o culto à juventude virou tão ideia fixa, que querem limitar até esse ofício a quem tem menos de quarenta tons, digo, anos? Nada contra escritores jovens, tudo a favor de escritores de todas as idades possíveis. Pra terminar este balaio de gato de maneira, não in, mas chique, que é por meio de citações, deixo aqui duas de Mário Quintana, que resumem o que eu quis dizer, e muito pelo contrário: 1) "Pertencer a uma escola poética é o mesmo que ser condenado à prisão perpétua", e 2) "Um autor que nunca se contradiz deve estar mentindo".
Falou e disse, Léo!
ResponderExcluirIsso acontece também com a música! Tudo virou produto e deixou de ser arte. Esta, coitada, está fadada a não sobressair mais...
Mas quem é artista vai fazer arte de qualquer maneira, vai encontrar um jeito!
Beijão!
É, Danny, novos tempos pedem novas ideias. Criemo-las.
ExcluirBeijos,
Léo.