terça-feira, 12 de junho de 2012

Crônicas Classificadas: 21) O nosso argentino

Dizem que todo brasileiro é um técnico de futebol; taí uma grande verdade! Eu também não fico atrás, e aproveito o tema pra deixar uma pergunta no ar: como é que o senhor Mano Menezes, sabendo que Messi é atualmente o n°1 do mundo, permite que o muchacho fique livre pra dançar um tango com a zaga brasileira e sapecar por três vezes a rede da Seleção Canarinho??? E ainda sai satisfeito? Esse mano tá mais pra hermano... 

Por essas e outras nos últimos anos tenho me mantido razoavelmente afastado do universo da bola. Um pouco porque eu, um apaixonado, tenho percebido cada vez menos paixão dentro das quatro linhas; outro tanto porque, como palmeirense, não quero ficar grisalho antes do tempo, se é que me entendem. Não à toa nosso grande herói de luvas, São Marcos, acabou careca...

Contudo, quando não tenho estômago pra acompanhar 90 minutos de sofrimento, procuro estar a par dos campeonatos e das partidas importantes ao menos pelos jornais. Afinal, no boteco ou no batente sempre é de bom-tom estar em dia com tais assuntos, pra não parecer um ET. Mas meu afastamento não é de todo. Sou um romântico, e um tanto nostálgico; assim, procuro ver poesia no futebol onde ela ainda sobrevive. E às vezes a poesia futebolística está também fora dos gramados, numa crônica de Tostão ou de Xico Sá, numa canção de Chico Buarque ou Jorge Ben (Jor), num filme de Ugo Giorgetti...

Por falar em Ugo Giorgetti, este sensível cineasta paulistano, descobri-lhe um excelente texto (que me fascinou) sobre futebol há poucos dias completamente por acaso. Deu-se assim: sem que eu pedisse, O Estado de São Paulo me presenteou com o recebimento gratuito do jornal pelo período de um mês. E, utilizando-me da máxima "de graça até injeção na testa", estou aproveitando enquanto dura (e ratificando sua posição política um tanto à direita...).

Mas nem só de direitismos vive o Estadão, graças a Deus! Li nesse pouco tempo artigos e entrevistas deliciosas, e descobri que o supracitado Ugo Giorgetti escreve semanalmente sobre futebol na coluna de acertado nome: Boleiros (também título de um belíssimo filme seu). E domingo último foi publicado ali o referido texto seu, escrito na sexta-feira, ou seja, um dia antes do jogo Brasil x Argentina. E não é que o homem parecia ter bola de cristal? Encantei-me com o estilo, os acertos, sobretudo com a comparação entre Messi e Zico (meu ídolo maior). 

E, como sou um camarada que gosta de compartilhar as coisas boas, da mesma forma como fui presenteado com um mês de Estadão gratuito, dou-lhes o prazer de, também de graça, poderem se deliciar com este belo texto, que, pra calar a boca de muito brasileiro ufanista, é um misto de poesia e gol de placa:

O nosso argentino
Por Ugo Giorgetti, para a coluna Boleiros, d'O Estado de São Paulo

Se não se produziu nenhuma das profecias apocalípticas que andam por aí, jogaram ontem Brasil x Argentina. Do alto desta sexta-feira não posso saber quem ganhou. É um pouco angustiante, mas no fundo tem pouca importância para o que vem a seguir.

Na realidade o que quero é falar de Messi, independentemente do jogo de ontem. Talvez tenha escolhido um mau momento e ele não tenha jogado nada, mas faz tempo que esse jogador me fascina. E não só pelo seu futebol primoroso.

Quando vejo Messi jogar sou atirado a um passado profundo, a um modelo de craque que pensava desaparecido, daquele tipo que o Brasil produzia em outras épocas. Um craque que não é atleta de modo algum, é baixo, franzino, não exatamente forte. Joga só com o talento, a classe e a inteligência. Destrói as defesas com criatividade, fugindo das pancadas com a esperteza vinda das ruas, do moleque que antecede o craque.

Messi me aparece como um doce fantasma, ressurgido de outros tempos para me provar que o passado nunca se apaga inteiramente, e que para encontrá-lo basta olhar as coisas atentamente. O Brasil mudou e mudou para sempre, mas muita coisa do passado caminha junto com as mudanças, e os craques que tínhamos, penso em Tostão, Zico e Bebeto, reaparecem miraculosamente diante de mim quando vejo Messi. Lembra, ao menos para mim, principalmente Zico, até no modo de correr e de resolver certas jogadas. É um jogador destinado a não ser de uma época específica, mas, por seu conjunto de atitudes, eterno.

O conjunto de atitudes que faz de um jogador um artista fora do tempo engloba sua imagem por inteiro. As atitudes de Messi são exemplares nesse sentido. Comemora gols como se comemorou sempre, com alegria e êxtase. Não executa dancinhas debochadas, quase nunca reclama, não entra em discussões nem precisa humilhar ninguém. Não lança moda, seu penteado é absolutamente convencional, parece não ter atrativo algum para a publicidade. Não me lembro de ver, ou alguém ter comentado comigo, algum comercial estrelado por Messi. Talvez exista na Argentina ou em outros lugares, mas juro que não consigo ver qualquer produto da atualidade que ele poderia anunciar. De que classe de consumidor ele seria o porta-voz?

Não faz o gênero rock star, moderno, atualizado, sempre na moda. Ao contrário, é maravilhosamente fora de moda como um aparelho de TV branco e preto, a nos recordar que boleiro tem, principalmente, que jogar bola e sua atualidade consiste em reviver o que fizeram os grandes que se foram, estar à altura deles e, se possível, superá-los. Jogando bola.

Messi teve a felicidade adicional de jogar num clube como o Barcelona, que é só futebol, que honra esse jogo profundamente, sua camisa e suas cores, sempre iguais, limpas de patrocinadores, marcas, logotipos etc., etc. Messi e o Barcelona são o futebol que eu pensava não existir mais.

***

Em parceria com o baiano de São Paulo Carlos Silva compus há alguns anos Ugo Giorgetti - Um Samba. Na falta de gravação, posto abaixo a letra:

UGO GIORGETTI - UM SAMBA
Carlos Silva - Léo Nogueira

Sambo sobre Sampa
Sem bossa, passo, pássaro, passeio
Na poça meu olhar estático estampa
Um riso raso, rápido... e feio

Rio sobre Sampa
Sem medo, cedo, ácido, alheio
Pertenço, tenso, tácito, na sombra,
A um pranto pouco, pálido... e freio

Venço sobre Sampa
Sem lenço, bolso, bálsamo... eu creio
Num homem, hoje, mágico... um samba,
Um sonho, um santo. É sábado... e sei-o

Amo sobre Sampa
O caos, a causa, a crônica... recreio
De bandeirantes, bêbados... (e bambas?)
Mas, antes, ontem, éramos... o meio

Vejo peixes mortos dentro do aquário
E, às vezes, nem me importo, pois sou sagitário

***


4 comentários:

  1. no entiendo mucho de futbol...pero me gusta eso de que haya todavía jugadores que no respondan al "modelo mediático consumista" y sean puro talento....con los recursos de la calle...
    abrazos!!

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    1. Yo pienso igual que vos, Marce. Y además creo que los "recursos de la calle" son una buena escuela no solo para la cancha, sino que también para... la calle. Jeje!

      Besos,
      Léo.

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  2. Hola...
    wow.. me gustó mucho este poema, me gusta mucho como rima, el juego de palabras, que suenan parecido hihih ... es muy "legal"...

    casi nunca miro fútbol, y no sé nada sobre los futbolistas, pero este texto de Giorgetti es muy interesante.... es la otra cara del futbolista, la que (pensaría yo, la verdad no sé), otros no conocerán, me gustó también mucho ....

    saludos

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  3. Hola, Javier!

    Giorgetti es un poeta del cinema brasileño, pues sus películas son como poesías visuales.

    Saludos,
    Léo.

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