sexta-feira, 8 de junho de 2012

Trinca de Copas: 10) 4+1, Bezão e Sonekka

Aproveito as comemorações dos dez anos do Caiubi pra mostrar três parcerias com caiubistas:

1) BAZAR

Até hoje, com 40 verões na moleira, nunca consegui me sentir realizado profissionalmente, a não ser, esporadicamente, numa ou noutra ocasião. E, quando um homem não se sente realizado profissionalmente, se este é casado, um dos primeiros sinais de sua frustração profissional são as crises conjugais. Claro que quando uma mulher quer dar seu show particular, se não houver motivo ela inventa um, mas quando o homem dá motivo, aí é que ela se sente na pele de uma Bette Davis

Pois bem, dizem os sábios que de todas as experiências, por piores que sejam, tiramos algum aprendizado. No meu caso em particular, como não consigo tirar aprendizado nenhum, aproveito ao menos pra compor algo, ou pra tirar da situação mote inicial a ser desenvolvido. Esse foi justamente o caso de Bazar. Estava eu no centro da cidade com minha mui respeitável consorte (embora um tanto sem sorte) comprando algo de seu interesse, quando, do nada, ela resolveu se lembrar de algum erro que eu havia cometido oito meses, dezessete dias e quatro horas antes. Foi o que bastou pra que ela me jogasse nas fuças minha desprezível situação monetária, virasse as costas e me deixasse ali, mais comunista que um zero à esquerda...

Como ela saísse numa velocidade de deixar Barrichello com inveja, eu, cágado (olha o acento!) por natureza, nem tentei imitar-lhe os passos, pelo contrário, desacelerei-os ainda mais enquanto pensava nas injustiças da vida. Caminhei sem pressa nem posses até me perceber entrando nalguma estação do metrô que agora me foge à memória. Sentei-me num assento da plataforma e, em vez de chorar, não sei por que cargas d'água, cometi os versos que batizei de Bazar.

Terminei a letra na estação Jabaquara, onde eu descia na época. Depois, sem motivo aparente, acabei enviando-a a Sonekka, que acabou compondo-lhe uma canção que viraria um dos primeiros grandes sucessos caiubistas. Durante muito tempo foi mesmo seu carro-chefe. Dava gosto ver a galera enchendo o peito de ar antes de gritar com Sonekka o refrão. Tenho outras belas canções com o predileto da Brankka de Neve, a maioria esquecida, mas confesso que me doeu não a ver gravada em seu primoroso Agridoce. Claro que lá estava Mala sem Alça, outra grande parceria nossa, mas uma coisa é uma coisa e outra coisa é algo completamente diferente.

Achei em sua página caiubista uma versão bacana dela, que furtei e posto aqui:


BAZAR

É... Vou fazer uma zoeira
Vou rezar um palavrão 
É... Se o azar vem na carreira,
Ele vai comer poeira,
Vai comer na minha mão

É... Enquanto o meu amor zanga
Que eu não tenho profissão,
É... Enquanto o mau humor sangra,
Vendo minhas bugigangas
No bazar do mundo cão 

Que nem eu vi na TV
Pro povo poder cantar,
O refrão é iê iê iê 
Ou pode ser lá lá lá lá

É... Quem aguenta o tranco fica
Quem cai do tamanco foge
É...Também é chique ser Chica
Também o pobre "enrica"
Também o rico se estrepa

É... Pé na lama é sapato
Fome faz do pão filé
É... Nem sempre a foto é fato
Vez em quando é forte o fraco
Duvidar também é fé

Que nem eu vi na TV...

***

2) CAFUNDÓ

Na vida a gente vai acumulando vitórias e derrotas (e alguns empates), alegrias e tristezas (e algumas monotonias), satisfações e frustrações (e alguns conformismos) etc. etc. No quesito frustrações, uma de minhas maiores no Caiubi era não conseguir ter realizado nenhuma parceria com o grupo Rossa Nova. Já havíamos falado a respeito, mas a coisa ficava sempre no terreno das elucubrações. Também, se ser parceiro de um indivíduo não é fácil, imagine ser parceiro de uma banda (não sendo membro desta)...

Além do mais, o universo musical do Rossa me parecia um tanto distante de minha realidade de cidadão urbano. Claro que o sonho da casa no campo mora na maioria dos urbanos (desde que Tavito e Zé Rodrix nos enfiaram tal ideia cuca adentro), mas falar do campo sempre me foi mais difícil que falar da poluição, do trânsito, do caos... E os rossas sempre cantaram/compuseram tal tema com convicção. Daí a parceria não sair.

O tempo passou, o Caiubi voltou pro Lua Nova (que fica praticamente ao lado de minha casa) e, numa dessas segundas autorais, reencontrei Bezão, o Paul do Rossa. E só. Quando a noite acabou, encorajados pelo grau de etilismo no sangue, eu e Bezão travamos um papo animado (como, aliás, sempre travamos - em todos os sentidos do verbo), e fiquei de lhe mandar, finalmente, uma letra.

Sim, porque agora o Rossa Nova deu um tempo na relação, depois de dez anos! E, como eu disse, sempre é mais fácil parceirar com um. Procurei entre as letras de meu arquivo alguma que se parecesse com ele e achei uma chamada Cafundó. Pra ser sincero, eu não a sentia muito em sua voz, mas sabia que algo nela tinha a ver. Então acabei mexendo na letra, praticamente a reconstruí, e, no fim, aí sim senti que tava pra ele. Enviei-lha.

Algum tempo depois ele me ligou dizendo que a tinha terminado e que queria me mostrar. Convidei-o a vir em casa, tomamos umas e mais umas, ele me cantou a dita cuja, eu chapei, e ele me confidenciou que logo que a lera sentira como que uma canção de amor e separação que tinha a ver com sua história com o Rossa. Contudo, dois versos traíam sua intenção de fazer uma homenagem a seu ex-grupo: "Sem você sob os lençóis/ mal me cobre o cobertor". Não me fiz de rogado e troquei-os por "Ficam dedos, vão-se anéis/ foi você, ficou o amor". Touché!

Na mesma tarde ele caiu na besteira de me mostrar outras duas melodias, e acabei letrando-as no calor do momento. Mas essas vão ficar pra outra Trinca. Por ora basta dizer que agora tenho uma frustração a menos na vida. E, querem saber? É questão de química. Desde a primeira vez que troquei uma prosa com Bezão soube que era questão de tempo pra que a parceria rolasse. E o à-vontade que reinou entre nós naquela tarde não me deixa mentir. Porque Bezão já era meu parceiro antes da parceria. Senhoras e senhores, Cafundó:

CAFUNDÓ
Bezão - Léo Nogueira

Uma coisa somos nós
Outra coisa sou eu só
Você me levou a voz
E eu fiquei com esse nó

Uma coisa somos dois
Outra coisa é essa dor
Sem você aqui o sol se pôs
E até o luar minguou

Não tem sol pros girassóis
Não tem flor pro beija-flor
Ficam dedos, vão-se anéis
Foi você, ficou o amor

Não tem centro sem amor
Nem Madri, nem Marajó
Tudo é sempre pranto pronde eu for
Todo canto é cafundó

***

3) O MILAGRE DE JOSÉ

Meu primeiro nome é José. Não tenho nada contra o nome, nem contra o santo, muito menos contra os milhões de Josés que há mundo afora, o problema é que pra uns (muitos) José é pejorativo, é sinônimo de capacho, é quase... quase... quase um palavrão! E quando o José vira ? Aí phodeu! Minha sina começou na 5ª série, quando uma professora de inglês (!) carinhosamente resolveu me chamar de . Até então eu era o Leonardo, pura e simplesmente. Mas a partir daquele dia eu virei o . AAAAAAAAHHHHHH!!!

O tempo passou, virei o Léo, mas o trauma foi tão grande, que precisei escrever um romance com o título de pra ver se exorcizava esse fantasma. Nem exorcizei, nem o livro vingou, e o continuou por ali, assombrando meus dias. Não podia passar em frente de uma obra (trabalhei um tempo em obras... Coisas da nece$$idade...), que o tal do aparecia. Parecia mesmo que eu ia ouvir a qualquer momento alguém me gritando ", traz a massa!" ou algo do gênero...

Daí resolvi juntar meus defeitos numa só canção. Deu-se assim: na época eu vivia com uma baita inveja da canção Sai da Cruz, de meu mano Élio Camalle. E, quando uma dessas invejas me acometem, só sossego quando componho algo à altura... Quero dizer, não precisa necessariamente estar à altura, mas que preciso compor algo, preciso! Então, deu-se que nesse dia, estando eu em casa meio que de bobeira e com a bendita (?) Sai da Cruz atravessada nas ideias, veio-me à mente um mote pra letra, que acabei desavergonhadamente compondo na métrica daquela. Claro que, como não ia usar a letra nessa melodia, aqui e ali eu a reajustava, mas no geral cabia.

Quando a acabei me senti vingado, pois, em minha concepção, fizera uma letra que não devia nada à de Camalle. Mostrei-a a Kana e ela em pouco tempo lhe fez um pedaço de melodia. Só que o tempo passava e ela não conseguia terminá-la. É que musicar letras não é exatamente o forte de Kana. Era a época em que nosso grupo 4+1 (Alê Cueva+Álvaro Cueva+Kana+Marcio Policastro... +eu) estava indo de vento em popa e tínhamos encontros frequentes pra compor. Certa tarde, por conta disso, apareceu em casa Marcio Policastro, a quem pedi socorro.

Ele não se fez de rogado e compôs ali, na hora, outro pedaço de melodia, encadeado no pedaço que Kana compusera. Era o que faltava pra que Kana se animasse e concluísse a canção. O 4+1 então passou a cantá-la nos shows, e, durante o breve período de vida do grupo, essa foi uma das canções que mais agradavam ao público. Ainda sonho em vê-la gravada (sonho muitas coisas); por ora posto a seguir uma gravação dela quando do histórico (ao menos pra nós) show que o 4+1 fez no Centro Cultural de São Paulo. Vejam que, na falta de uma boa terapia, a composição por vezes resolve a equação trauma + inveja:


O MILAGRE DE JOSÉ
Kana Marcio Policastro - Léo Nogueira

José,
Ouve um conselho,
Ergue os joelhos
Dessa omissão
Viver só pela crença,
Não recompensa
O milagre é ação

Ô 
José, vê se aprende a falar
Abre a boca, dá tua opinião
O diabo te come devagar
E você sussurrando oração

Dá um pouco de paz ao Criador
Ao invés de pedir, vai lá fazer
Ninguém tem nada a ver com tua dor
Se a fé que tem não é em você

A mulher tá a ponto de pirar,
Os teus filhos reclamam mais pirão
O teu saldo no bar é mentira
E a TV é ilusão

Fica aí dando sopa pro azar
De repente tropeça, a morte vem
Pouco pranto a família vai gastar
Ô
José, e se não houver o além?

***

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