Há um ditado que diz que toda forma de amor vale a pena. Isso também pode ser aplicado à música: toda forma de compor vale a pena (se a alma não é pequena... e o parceiro não é mesquinho). Como tenho composto bastante com Gabriel de Almeida Prado nos últimos tempos, resolvi dedicar essa Trinca a nossa parceria e suas várias facetas. ¡Adelante!
1) ALIMENTO
Quando Sonekka estava às vésperas de lançar seu CD Agridoce, promoveu uma espécie de concurso entre seus vários parceiros letristas: cada um comporia uma letra chamada, obviamente, Agridoce, e aquele que tocasse mais profundamente seu coração a veria musicada e gravada no supracitado disco. Eu, covardemente (mas não desprovido de senso competitivo), convidei meu parceiro Élio Camalle pra fazermos a quatro mãos a tal letra.
O resultado foi, a nossos olhos, de arrebentar. Já tínhamos as favas como contadas... Só não contávamos com um fator de desequilíbrio nessa balança: o peso da amizade entre Sonekka e Zé Edu Camargo! Enquanto eu e Camalle burilávamos uma letra cheia de nuances e climas, Zé Edu, que conhece Sonekka como poucos, pegou na veia e compôs uma letra, digamos, pungentemente biográfica. Não teve pra ninguém...
Daí que nossa letra ficou ali, num canto, jogada. Camalle até pensou em musicá-la, mas entre o pensamento e a ação faltou um elo que o motivasse. Passaram-se muitos anos, e ela ali, guardada num arquivo, à espera de melhor oportunidade. Eu e Camalle havíamos resolvido que só a tiraríamos do limbo quando valesse realmente a pena. Foi aí que entrou na jogada o Gabo.
Após, sei lá, umas duas dúzias de canções em parceria, algo começou a me dizer que ele era o cara certo pra musicar a tal letra. Afinal, sua musicalidade tinha muito do que havíamos escrito nos versos da dita cuja. Um dia me resolvi e lhe enviei, já devidamente rebatizada de Alimento, visto que não tinha mais motivo pra ela permanecer com um título que caducara.
ALIMENTO
Minha guitarra acre coça
O doce do rock’n’roll
É corpo esbanjando bossa
E alma encarnando soul
Meu som, este de agora,
É ruim da cabeça e samba
Tira um baião da cartola
E guarda um jazz na manga
Arte alimenta a vida
Tempera o arroz, fermenta o pão
Arte de fazer comida
É arte de fazer canção
Meu enredo é um videoclipe
Pra depois do carnaval
Violeiro no Mississípi
Bluesman in Blumenau
Meu folk não é folclore
Meu choro não é de chorão
Sou o zangão quando morre
Do mel do próprio ferrão
Obs.: perdoem a preguiçosa economia de Gabriel. Qualquer hora dessas o convenço a fazer uma gravação mais generosa e posto aqui, combinado?
***
2) O BARCO, O MAR E O CAIS
Tenho feito ultimamente muitas letras que considero bonitas com Gabriel. Mas esta, particularmente, tem um algo mais, uma coisa especial que não sei bem explicar com palavras. Mentira, sei sim. Afinal, o que é que eu não explico com palavras? Agora tem uma coisa: explicar não é necessariamente ser entendido. Mas já que eu comecei, e como aqui eu tenho que matar a cobra e blablablá, vou tentar...
Quando Gabriel me mostrou os primeiros versos que tinha escrito pra essa letra e me convidou a ajudá-lo na criação, fiquei muito feliz, pois vi que ali vinha coisa boa. A gente sabe quando vem. E eu sabia que, se ele optasse por terminá-la sozinho, igualmente ia sair coisa boa. Mas, já que ele resolveu passar a bola, sou lá idiota de chutar pra fora?
Pusemos mãos à obra, e aquele garoto da letra me remetia aos do livro Capitães de Areia, ao do filme Pixote, ao da canções Meu Guri e Relampiano e a tantos outros que, embora não tenham virado nem livro nem canção nem filme, vivem espalhados por esse Brasilzão de meu Deus amassando o pão que o diabo vomitou e ainda assim acreditando, mesmo que sua crença se dê por meio de fugas, por meio de esconderijos que só eles conhecem, e que às vezes só existem em suas mentes...
Gabriel preferiu não musicá-la, em vez disso me pediu que sugerisse alguém. Como gosto dessa coisa de apresentar parceiro, pensei em Adolar Marin, pois sabia que, se ele curtisse a letra, iria fazer uma canção incrível. E não me enganei. Quando ele me mandou, achei fodaça, mas quando ele veio em casa e nos mostrou ao vivo (convidei Gabriel a conhecer o novo parceiro), aí o queixo caiu! Demos ainda um retoquezinho na letra, que foi posterior à gravação abaixo, mas foi só um detalhe. Acho que vocês vão gostar também. Ei-la:
O BARCO, O MAR E O CAIS
Com olhos de vagalume
Menino mirava o mundo
Da estrela de sete pontas
Sonhou ser poeta
E andar de bicicleta
Lá no faz de conta
De dia tinha a mania:
Piscava pras três marias
Pescava-as com um anzol
Já que a vida era um ringue,
Usava o estilingue
Pra acertar o sol
Na ponte pra lugar nenhum
Morava com dois bebuns
E eram mesmo seus pais
Nas ruas vendia bala
Levava em sua sacola
O barco, o mar e o cais
Não tinha o que comer
Não tinha o ABC
Vivia na atmosfera
Contando cometas
Sonhou ser poeta
Mas isso ele era!
***
3) BONITA E SÓ
Então estávamos eu e Gabriel noutra madrugada dessas tentando regar o hábito de compor via chat (que "muderno"!), quando lá veio ele com nova ideia. Tenho que admitir: depois de mais de 500 canções, não é exatamente fácil pensar em algo novo. Daí que eu estar perto de um camarada talentoso que compõe há dois anos é muito bom, pois posso me aproveitar do frescor (eu disse frescor, não frescura!) de suas ideias e aliá-las a minha experiência (falô, gostosão!).
Pois bem, dizia eu que estávamos lá no chat das 5 (da madrugada) (acho que Zeca já usou isso), e era verso pra lá, verso pra cá, um verdadeiro Frankenstein letrístico, porém costurado com a mais fina agulha e igual qualidade de linha. Mas, falando a verdade, esse tema nem é assim tão novo. Contudo, todos os que já foram preteridos por uma bela e cruel mulher nos darão razão em compor tal canção!
Afinal, de que nos valeria compor se não nos vingássemos dessas frias belezuras (ao mesmo tempo que as homenageamos... no bom sentido, claro! ou no mal, por que não?) em versos e notas? É bem típico do macho rechaçado subtrair as qualidades à tal diva e assustá-la com o veneno da solidão. Não sei é se elas obedecem, mas isso é lá com elas. Fica aqui nossa urucubaca.
Pois bem, terminada, ficou novamente aquela questão: a quem enviar? Depois de breve conferência, surgiu o nome de Sonekka, até porque Gabriel não era até então seu parceiro. Ou era, agora não lembro, mas também não vem ao caso. O fato é que Sonekka nos pareceu ter o perfil adequado (isso é um elogio) pra entender a mensagem cifrada (pra não dizer explícita) na letra.
E ele não se fez de rogado, como vocês perceberão. Pronta a canção, só ficou a dúvida em relação ao título. Havíamos pensado em Beleza!, 10%, mas no final ficou, simples e cruelmente:
BONITA E SÓ
De que vale ser tão bela
Se faz disso uma cela
Pra trancar sua alma dentro
E no fim tanta beleza
Quando a alma vive presa
Nem te vale dez por cento
De que valem roupas caras
Se você não mete as caras
No jardim do sentimento
Quando o peito dá as horas
Coração fica de fora
Bate só no contratempo
Você é tão bonita!
Tão bonita de dar dó
Só bonita e só
Não que seja pecado, princesa
Nem que seja bonito ser feio
Mas se é só pra tirar sono alheio
Acorda, beleza?
Você é tão bonita!
Tão bonita de dar dó
Só bonita... e só.
Beleza?
***
Bem legas :)
ResponderExcluiradorei tudo.
beijos
Louise
Bom que gostou, queridona! Sua opinião é muito importante.
ExcluirBeijo do
Léo.
Hola Leó ... como vai? tudo bem?
ResponderExcluirme encantó todo .... me gustaron mucho las canciones....
no sabía que Gabriel también componía, pensé que solo cantaba... que legal olhar e escutar suas composições de vôces dois...
estas frases me gustaron mucho "Levava em sua sacola / O barco, o mar e o cais" .... wow.. me llegó al alma, me iba imaginando todo, y de repente, qué bonita frase !!!! ... ^_^
pero, tengo dos preguntas, no entendí esto: "Nas ruas vendia bala", o que é bala?, sólo encontré que era "bala" (proyectil)... "bala" tiene otro significado?... hihih tampoco encontré que es "urucubaca"...
me da gusto saludarte...
saludos.....
javier
Jejeje!
ExcluirJavier, Gabriel, aunque demasiado joven, es un cantautor muy bueno.
"Bala" es "caramelo" y "urucubaca"... Cómo te lo pódria explicar? Es una jerga, como que un deseo de mala suerte de uno hacia el otro. Algo que tiene que ver con santería, hechizo o cosa así.
Abrazos,
Léo.