quarta-feira, 25 de julho de 2012

Crônicas Desclassificadas: 46) O Brasil de "Avenida Brasil"

Suponhamos que Freud tivesse nascido em nosso país e fosse nos dias de hoje um, digamos, quarentão. O que será que teria a dizer sobre o capítulo de ontem de Avenida Brasil? Provavelmente encontraria material pra escrever um livro! Deixando a frescura de lado e dizendo como a galerinha atual, "fala sério"! Esse povão de meu Deus que acorda às 4 e lá vai pedrada da matina deve ter se sentido vingado mais que os corintianos com a vitória na Libertadores! Afinal, corintianos são uns poucos, mas aqueles a quem, dizem, Deus ajuda porque madrugam, são muitos! Mas voltemos um tiquinho no tempo...

Quando criança eu era praticamente obrigado a assistir a novelas. Morava com meus pais e um irmão menor numa residência de dois cômodos, e o quarto, além de coletivo, também fazia as vezes de sala. Minha mãe, antes de se tornar uma católica fervorosa e alheia às coisas mundanas, era chegada a uma novelinha (desde Supermanoela!). Daí que acabei acompanhando novelas clássicas como O Astro, Pai Herói, Pecado Capital, Roque Santeiro etc. Até que, com a chegada da adolescência, meus interesses foram mudando, e as novelas foram ficando pra trás.

Com o tempo, passei a ter verdadeira ojeriza por novelas, um preconceito enorme mesmo. Achava coisa de mocinhas desocupadas (casadoiras?) ou de donas de casa sem maiores objetivos na vida. Preferia ler um bom livro ou ver um filme (nem tão bom assim). Não estava, contudo, de todo desinformado da fama que as novelas brasileiras sempre possuíram no exterior. Mas, todas as vezes que, por um motivo ou por outro, via-me em frente de uma tevê ligada nalguma novela, constatava que eu estava certo, as novelas não condiziam com a realidade brasileira; os enredos eram rocambolescos e as personagens principais eram quase sempre endinheiradas, falsas... e brancas!

Em contrapartida, sempre gostei do cinema nacional. E também dos atores brasileiros. Por isso, aceitava as novelas como um mal menor, visto que davam trabalho a esses atores, já que nosso cinema (e nosso teatro) sempre careceu de maiores investimentos. Até que, uns meses atrás, sei lá por quê, flagrei-me no sofá, de controle remoto numa mão (e uma bebida qualquer na outra), "zapeando" (que verbo horrível!) pelos tão infindáveis quanto inúteis canais, até me deparar com... Avenida Brasil!

Poupando-os do óbvio, basta dizer que, três dias depois, havia-me convertido num dependente (praticamente químico) dessa novela. Fui tomado por um prazer ufanista ao ver tanta gente boa arrebentando em tão pouco espaço de tempo! Pensei: se nada mais valer a pena, ver o sessentão Marcos Caruso esbanjando vitalidade (e sexualidade!) já é motivo bastante pra perder uns minutos diante do plim-plim. Mas havia mais: lá estava um dos melhores atores brasileiros na atualidade, Murilo Benício; e lá estava uma atriz (pra mim) até então mediana, Adriana Esteves, simplesmente arrebatadora, como uma espécie de Bette Davis tupiniquim pós-moderna. Ela já vem até aparecendo em listas sobre as maiores vilãs das novelas brasucas. Maior ou não, sua interpretação é digna de oscar!

Sem falar em gente que eu desconhecia completamente, como Juliano Cazarré (o impagável Adauto) ou Cacau Protásio (a invejosa empregada Zezé), que dão um banho de veracidade a suas personagens. Mas a lista é longa. Dá o maior prazer ver tanta gente boa junta, desde a aparição-relâmpago de Tony Ramos (um gênio -vide Grande Serão: Veredas- sempre tão subaproveitado) até nomes como Vera Holtz, Aílton Graça, José de Abreu. Esses e outros a serviço de uma trama digna tataraneta de O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas.

Por falar em Freud, a novela já rendeu inúmeras matérias, como uma do Estadão, na qual psicólogos foram entrevistados, chamados a dar seu diagnóstico a várias personagens. Claro que sempre há os mal-humorados, como, entre outros, Ruy Castro (a quem muito admiro), que, por serem seres superiores, não admitem o gozo geral quase futebolístico de se acompanhar tão épica e (por que não?) edipiana trama. Caros, se Shakespeare (como Freud acima) fosse um brasileiro quarentão (cinquentão?) hoje, poderia estar escrevendo novelas!

Pra não dizer que eu não falei de espinhos, há dois fatores que me fazem embrulhar o estômago: 1) Gal Costa recentemente, elogiando a trilha sonora de Gabriela, criticou o baixo nível das trilhas sonoras das novelas atuais. Apesar de discordar da diva em muitas coisas, tenho que admitir que, assistindo a uma novela que se passa no Rio, ouvir canções (canções?) que têm mais a ver com, sei lá!, Goiânia... fere... diria mais, magoa!... minha inteligência.

Galerinha da Globo, o povo, por mais que pareça, não é imbecil! Ignorante, sim, imbecil, não! Quando descobrirdes o que vem a ser querer tchu e tchá, oferecei à excelentíssima senhora esposa de vossos pais! Nem todos os aparelhos que vos dão audiência nesse horário provêm de manicômios! No mais, parece quase uma afronta perceber que a trilha melhora a olhos vistos (ouvidos ouvidos) quando a ação se passa na "Zona Sul". Oras, então Copacabana é bossa nova e a periferia é oi oi oi? Pelamordedeus! Ninguém merece "vem dançar comigô", seja lá quem for esse tal de "migô"...

...E 2) Desde que vi o horrendo filme Olga (fruto de tão bom livro de Fernando Morais), fiquei pensando no que levaria esses diretores a achar que na Rússia, num cruzeiro em alto mar, na Cochinchina, na PQP (este é um blogue censura livre...), TODO MUNDO TEM QUE FALAR PORTUGUÊS... E SEM SOTAQUE! Daí que ouvir em Avenida Brasil sotaques de Belo Horizonte ou de Sampa saindo da boca de uma personagem carioca é algo que me dá nos nervos. Um pouquinho mais de atenção a esse detalhe só teria a valorizar a novela. Mas, chato que sou, admito minha ranzinzice; afinal, numa época em que a maioria prefere assistir a filmes dublados...

Ouvi dizer que Avenida Brasil termina em outubro. Fiquei espantado, pois pra mim ela já anda pelos finalmentes. Agora é a hora da verdade! Quero ver se o autor é bom mesmo, pois haja assunto pra fazê-la render mais três meses! E, sinceramente, a Nina de empregadinha naquela casa já deu, né? O certo é que, finda a novela, volto pra meus filmes e livros, pois duvido que outra possa competir com essa de João Emanuel Carneiro tão cedo.

Tomara que, no fim das contas, uma meia dúzia de telespectadores esteja indo atrás das dicas de leitura que Nina tem dado a Tufão. Isso poderia, a médio prazo, resultar em novelas melhores. Afinal, não à toa em espanhol novela significa romance. Se a teledramaturgia brasileira seguir o exemplo de Avenida Brasil e der mais passos em direção aos romances, muita coisa pode melhorar nessa terra de iletrados (e surdos!).

Oi oi oi!




20 comentários:

  1. Nossa, Léo,
    Eu também relutei, mas acabei enfeitiçada por essa novela! rsrs... Desde a novela "A favorita" (em que a Patrícia Pilar encarnou uma vilã incrível e em que pude ver cenas dignas de cinema) é que eu não era fisgada por uma novela.
    Ontem comentamos aqui em casa coisas que você também percebeu, como a trilha horripilante, os sotaques de Tatui(r) e arredores em pleno Rio, a enrolação que a gente imagina que vai rolar a partir de agora... Ou seja, a Globo ainda não percebeu que isso tudo é bem evidente e que o público de uma trama como essa tem cérebro.
    Que pena, mas espero que pelo menos com relação ao desdobrar da trama até outubro o autor nos surpreenda.
    Bjs.

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    1. Esther, queridona, somos felizardos porque queremos ser surpreendidos. Tristes são aqueles que acham que são motoristas de seu destino, pois sempre haverá uma curva perigosa ou uma estrada esburacada. Assim, esperemos pra ver o que essa "avenida" nos reserva...

      Beijos,
      Léo.

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  2. Com todos os defeitos globais e novelescos, essa trama está boa pra caramba! Pra quem gosta de um suspense, ela é um prato feito! :)
    Abaixo o preconceito! (Ops, rima involuntária. rs)
    Beijos,
    Danny.

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    1. É isso aí, Danny! E o preconceito, que se dane (rima voluntária? rs...)!

      Beijos,
      Léo.

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    2. Agora, preconceito contra a trilha sonora eu tenho sim! rs
      É ruim demais...
      Beijos!

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    3. Pois zé... Somos dois! Hehe!

      Besos,
      Léo.

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  3. Ói , Ói, Ói, meu caro Léo, realmente ninguém merece tanto Oi!Oi!Oi! Mas infelizmente a verdade tupiniquim é; "toca-quem-paga", "quem tem pedigree", "quem tem padrinho" e por ai afora!
    Difícil, ou melhor, quase impossível fazer sucesso,(ou simplesmente ter uma música rolando nas emissoras de rádio) sem se curvar às regras e exigências da mídia! Concordo com você no que tange as telenovelas, mas o fato é que ao que me parece, até quem diz que não assiste, sabe o que está acontecendo rsss!!! Desavergonhadamente declaro que assisto sim! E realmente, na minha humilde oipinião, a "Carminha" superou a "Nazaréth das escadas" da Renata Sorrah em SENHORA DO DESTINO! O Murilo também conseguiu fazer com que a gente (ao menos eu) se esqueça de seus anteriores personagens cujo sotaque e forma de falar eram sempre os mesmos.
    A abertura também deixa muito a desejar e faz jus a trilha de abertura: Horrível!
    Agora, como você mesmo disse, é que vamos ver se o autor "tem garrafa pra vender" se a novela durar mesmo até Outubro. Haja trabalho, inspiração e talento para não entornar o caldo, como é comum acontecer! Abraços.

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    1. É isso aí, AC! Paguemos pra ver... Valeu pelo depoimento!

      Abração do
      Léo.

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  4. Acho que a trama esta mais para O Primo Basílio, de Eça de Queirós.

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    1. Concordo neste ponto, mas o que eu quis dizer é que em matéria de maldade e de vilã, a "Nazareth" perto da "Carminha" fica parecendo, "irmã de Maria" rsrs!!!!

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    2. AC, Toninho:

      Seja "O Primo Basílio", seja "O Conde de Monte Cristo", as influências literárias são algo a se aplaudir.

      Abraços,
      Léo.

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  5. Poxa, meu amigo, assim não dá, eu estava escondidinho aqui para ninguém saber que eu assisto a Avenida Brasil e você espalha pra todo mundo que assiste, agora tenho que me denunciar, ainda mais com você falando com tenta propriedade dessa novela rsrsrsrsrs
    Meu amigo, adorei o que e a forma com que escreveu sobre o tema. Nem tem mais o que acrescentar, somente a concordar com a questão da trilha sonora. Temos muitos compositores fazendo coisas magníficas, conhecidos ou inéditos, que fazem arte com palavras misturadas a maravilhosas melodias e muito bem arranjadas para ficarmos a mercê desse tipo tcha, tchu, oi, oi oi, sei mais lá o que. Merfecíamos coisa melhor. Quem sabe eles não procuram na internet algumas deliciosas canções que insistem em nos dar prazer.
    Abraços

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    1. Agradeço pelas gentis palavras, Carlinho!

      Na adolescência ouvia Roberto Carlos escondido. Com o passar dos anos aprendi a não querer mais esconder os prazeres... Ao menos a maioria deles... Hehe!

      Abração,
      Léo.

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  6. Poxa, eu tentei assistir um capitulo e pra mim me parece mais do mesmo:
    Galãs deprimidos, megeras malvadas, coitinhas em busca de vingança, malandros em busca de dinheiro, um sessentão forçadamente galã...sei não, acho que esse feitiço não me pega

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    1. Sonk, tudo é uma questão de olhar. Posso achar tanto que você está coberto de razão e, ao mesmo tempo, que está completamente enganado. Muito da mágica das coisas existe pela forma como queremos ser ludibriados/encantados. É como se apaixonar...

      Mas fico grato em saber que, mesmo sendo voz discordante, você está por perto. Pois sua opinião sempre terá, pelo menos, meu respeito.

      Abraço,
      Léo.

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  7. Léo, estou mais para a opinião do Sonekka. Acima de tudo, essa trilha sonora é o fim. Meu ouvidinho merece coisa melhor. Não tenho paciência para assistir a dois canastrões (Cauê e Marcelo) contracenando numa mesma novela. Não aguento ver o olhinho esquerdo da Débora se comprimindo toda vez que ela se emociona (é o mesmo em qualquer papel), nem as caras e bocas da Adriana, parecidas com as do seriado Toma lá dá cá. Além disso, acho non sense a tremenda sorte que os vilões têm, que tudo dá certinho somente para eles. Vou fazer como faço com todas as novelas que acho chatas no início: leio os resumos da semana e na última semana, cujos capítulo sempre são os mais emocionantes, assisto a tudinho... rs.
    Beijinho,
    GB

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    1. Gabi, é você?

      Queridona, é que você, pelo visto, é noveleira profissional (rs...), daí fica mais crítica. Deixe os meninos! Até os canastrões estão indo bem. Eu não gostava muito do Cauã, mas nessa acho que ele tá bem. Enfim, pra quem tava desacostumado como eu, tá de bom tamanho. Mas quanto à trilha, concordo com você, dá vontade de dar um tiro na telinha...

      Beijos,
      Léo.

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  8. É o único blog q freqüento vc é meu mainstream. Porque NAO pegamos a novela e compomos um trilha extra oficial? Podemos mandar pro autor inclusive. Alias , porque nso fazemos isso com todas as novelas?

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    1. Sonk:

      Agradeço pelas visitas e pelos comentários sempre pertinentes, mesmo quando discordamos.

      Essa ideia acho bem interessante, porém, não creio que precisemos compor pras novelas. o Caiubi já tem material o suficiente pra várias trilhas; minha sugestão em cima de sua sugestão é utilizarmos essas canções e montarmos essas trilhas, digamos, opcionais. Podia ser uma experiência bacana: "Avenida Brasil" versão Caiubi etc...

      Abraço,
      Léo.

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