terça-feira, 23 de outubro de 2012

Ninguém me Conhece: 69) Vamos liberar o pedaço pra Luiz Tatit


São Paulo, apesar de ser a capital financeira do Brasil, sofre de falta de amor-próprio, artisticamente falando. Os artistas daqui têm que sair Brasil afora pedindo perdão por serem paulistanos, afinal, aqui é o túmulo do samba, e Nelson Motta acha que temos... sotaque carregado (sou do Ceará, mas já vivo aqui há tanto tempo, que seria hipocrisia não me considerar paulistano... não o digo com orgulho)! Já falei aqui que, na realidade, quem tem sotaque carregado é estrangeiro falando português, brasileiro tem acento regional que identifica de onde ele é, e só.

1) Achou! (Dante Ozzetti Luiz Tatit)

Contudo, voltando a nossa Sampa, talvez o problema daqui seja que nós, paulistanos, quando a olhamos, não vemos nosso rosto (como diria o ex-tropicalista de Santo Amaro da Purificação). E ela tampouco nos reconhece. Terra de ninguém, puta de luxo, babel moderna, reduto do PSDB (cala-te, boca, que o texto é sobre música!)... A falta de amor-próprio é tão grande, que, excetuando Eduardo Gudin, Kléber Albuquerque, Marcio Policastro e mais um ou outro, todo mundo aqui, quando canta, imita um erre (R) que não é o mesmo da fala. Ou seja, quando falamos, falamos ere, quando cantamos, cantamos erre. Vá ser complexado assim lá na Cochinchina! 

Talvez seja por isso que o supracitado Eduardo Gudin (e o não citado Celso Viáfora) não tem o reconhecimento que merece. Mesmo Adoniran Barbosa não costuma ser cantado nas rodas de samba da Lapa carioca. E se Gudin, que tem parceiros cariocas e já foi músico de Clara Nunes, não tem esse reconhecimento, o que dizer de Luiz Tatit, que, além de tudo é superpaulistano na musicalidade (e, de quebra, professor da USP!)? Só um detalhe: não estou falando mal do Rio (que adoro) nem dos cariocas. Tenho alguns parceiros de lá a quem muito estimo. Só estou virando o holofote um pouquinho pro lado de cá.

Minha querida Daisy Cordeiro, a quem muito devo, apresentou-me a obra de muita gente boa, como Vicente Barreto (de quem eu viraria parceiro tempos depois) e Luiz Tatit. Presenteou-me com o CD Felicidade, joia rara no cancioneiro nacional, e minha primeira impressão foi já um choque, pois Tatit é originalíssimo, com suas letras que mesclam filosofia e humor, seu canto quase falado (que me lembrou Noel) e suas melodias a serviço da letra. 

Tatit é, na verdade (mas não só), um cronista (contista?) que escreve suas histórias em forma de versos. Suas letras (quase italianas de tão quilométricas) contam, em geral, pequenas mazelas das relações humanas, mas sempre com um olhar mordaz e um humor mordente (humordente?) e sem abrir mão de reflexões existencialistas. Vou dar uns exemplos:

2) A Companheira (Luiz Tatit)
Zélia Duncan 

"Você reclama que eu estou tão diferente/ Você não sabe o que diz, é evidente/ Como é que pode de repente/ Alguém ficar tão diferente/ E diferente de quê?" (Eu Sou Eu); "Quando fiz de tudo poesia/ Pra dizer o que eu sentia/ Fui mostrar/ Ela não me ouvia/ E mesmo/ Insistindo todo dia/ Era inútil/ Não me ouvia/ Sofia! Sofia!/ Não ouvia/ E não havia/ O que fizesse ela atender/ Sempre dispersiva/ Sempre muito ativa/ Sofia é do tipo que não para/ Não espera e mal respira/ Imagine se ela vai ouvir poesia!" (Haicai); "Quem amou/ Dia sim dia não/ Só amou à prestação/ Na indecisão/ Teve carinho/ Mas nunca teve carinhão/ Que é uma ternura imensa/ Que pega ponta do seu pé/ E vai ao topo da cabeça/ É um caminhão de cafunés (Dia Sim, Dia Não); e por aí vai nessa levada.

Os primeiros passos musicais de Tatit já vão longe, começaram na década de 1970, com o Grupo Rumo, do qual foi integrante e que já tinha essa proposta da canção falada, mas sem ser rap. Foi no Rumo que surgiu também, entre outros, Ná Ozzetti. Esse grupo desenvolveu também um importante trabalho de recriação de canções menos conhecidas de compositores da velha guarda, como Noel Rosa e Lamartine Babo. Mas tomemos outro rumo, que o papo aqui é Tatit.

Mas tenho que ser justo, Tatit tem sido bem gravado. Nomes como Ney Matogrosso, Zélia Duncan e Leila Pinheiro são só alguns entre muitos. Sem falar em seus parceiros, Zé Miguel Wisnik, Chico Saraiva, Dante Ozetti. Com este último Tatit compôs Achou!, canção que arrebatou corações no malfadado Festival Cultura, da TV Cultura, interpretada por Ceumar. A canção, apesar de ser a favorita do público, acabou em 2° lugar. Mas foi suficiente pra que DanteCeumar recebessem um convite pra gravar um disco juntos, que se chamou, obviamente, Achou!, que conta com várias parcerias entre DanteTatit.

Escrevo este texto meio que por acaso. Domingo, lendo a Folha de São Paulo, folheei sua revista São Paulo e me deparei com uma entrevista com ele, pela qual soube que hoje é seu aniversário. Daí achei que seria mais que justo homenageá-lo aqui no Ninguém me Conhece (paciência, coube-lhe a edição 69, mas o que se há de fazer?). Afinal, temos que ter orgulho dos nossos também. No mais, entre outras coisas ele confessou que assistiu a Avenida Brasil (viu, Camalle?), e me senti em boa companhia, pois tenho recebido muita paulada por admitir que a acompanhei com gosto.

3) Felicidade (Luiz Tatit)

Bem, tá na hora de acabar. E, como tô sem ideia pra pensar num fim apoteótico, roubo-o dos versos de uma canção do próprio Tatit que se chama Essa É pra Acabar: "Sempre foi difícil terminar/ Sempre é um suplício esse momento/ Mas temos que acabar/ Não adianta essa demora/ Se tudo acaba um dia/ Então, por que que não agora?/ Vamos entender esse momento/ Vamos acabar enquanto é tempo/ [...] Essa é pra acabar/ Foi feita só pra isso/ É pra lembrar vocês/ Que existem outros compromissos/ [...] Então que acabe logo/ Que eu já não aguento mais/ Se isso não acaba eu me sufoco/ Tchau, tchau, tchau..."

***

PS: Ficou muita informação de fora, mas eu não sou repórter, paciência. Quem quiser saber mais, visite o site dele aqui.

4 comentários:

  1. Magnânimo! o Luiz tem um jeito todo pessoal de escrever, eu sempre sinto que ele pega a idéia concentrada, depois vai desconstruindo, desconstruindo e tecendo sua cronica e contando uma historia. Eu adoro! A propósito, eu também assisti Avenida Brasil.kkkkkkk ..beijos mil

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    1. Pois é, Daisoca! O cara é fera! Quanto à Avenida Brasil, já tô com crise de abstnência. Hahaha!

      Beijão do
      Léo.

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  2. Tatit é show. Tenho vários cds dele, não é à toa que é o compositor mais gravado pela Ná, a união deles é fantástica. A música Capitu é um achado, inteligente e bem humorada. Lembra dessa?

    Massa falar do Tatit aqui.

    bjos

    veleiro

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    1. Salve, Velerim!

      Vou procurar essa. Valeu pela presença.

      Beijão,
      Léo.

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