terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Crônicas Desclassificadas: 72) O bloco dos mal-humorados


Quando estou com tempo, o que é raro, costumo me divertir bastante lendo, nos "cantinhos dos leitores" da vida, cartas (vá lá, e-mails) que estes mandam aos jornais, pois ali é um espaço democrático no qual quem costuma ler pode ser lido. Ou melhor, nem tão democrático assim, pois as cartas lá publicadas são escolhidas (por alguém) dentre tantas. Não me refiro, claro, aos direitos de resposta, pois, se alguém se sentiu diretamente ofendido, tem o direito de defesa. Mas não é este o caso aqui, o fato é que percebi que grande parte dessas pessoas que buscam um espaço público sofre de mau humor.
É, diria mais, as pessoas que gostam de chamar a atenção em geral, seja em espaços dedicados a leitores em jornais, seja em redes sociais, em programas popularescos, em muros (em blogues?), enfim, sei lá onde, têm um pezinho no mau humor (aliás, perdoem a rima pobre, mas acredito que gente que sofre de mau humor na realidade sofre é de mau amor... acho que já escrevi isso antes...). O próprio ato de escrever em geral é uma espécie de expurgo, serve pra filtrar a bílis, assim como os bebuns chamam tomar umas e outras de desopilar o fígado. Pensando bem, beber e escrever são atividades irmãs e complementares.

O problema é que muita gente, quando bebe, fala m... (presente!); muita gente, quando escreve, escreve m... (presente!); e muita gente, quando bebe e escreve, escreve mais m... ainda (presente!). Já dizia minha querida Lucia Helena Corrêa: "Se beber, não escreva. Nem leia". Só que algumas dessas pessoas exageram, vivem tão impregnadas de mau humor, que não conseguem mais ler com a leveza necessária à compreensão de um texto qualquer, muito menos conseguem perceber a diferença entre ironia e seriedade. Talvez por isso hoje precisemos tanto de rs e kkk. 

Daí agem como se fossem muito importantes a ponto de serem o alvo de tudo, vestem a carapuça e viram teclarelas. Hoje há a necessidade de se responder a tudo, e em público. Como não temos mais vida privada, vivemos numa República Federativa do Reality Show, sentimo-nos todos famosos, e nossas opiniões, que na maioria das vezes só a nós interessam (incluo-me), passam a ser verdades absolutas, pensamentos filosóficos a serem escritos (em caixa alta) com giz cor de sangue em lousas feicibuquísticas... ou twiteiras (no caso dos menos letrados). Isso quando tais pessoas não têm paciência pra escrever em blogues.

Quando estamos de mau humor, se uma pessoa não nos ouve, foi de propósito pra nos irritar; uma piada pode ser motivo pra que processemos seu contador; uma simples mensagem recebida via celular pode desencadear a terceira guerra mundial; e mesmo a felicidade alheia vira uma afronta inadmissível. O mau humor leva infelizes ao riso histérico, pra que o mundo não perceba que sofrem. Em compensação, o mau humor pode também gerar emprego, pois não são poucos os mal-humorados que vão parar em divãs, pra que alguém os ouça, mesmo que isso lhes custe alguns reais.

Por isso anda tão difícil ser humorista hoje em dia. Qualquer vacilo, qualquer palavra um tanto torta, e o camarada vira o Judas da vez. E tanto é verdade que dinheiro não traz felicidade, que grande parte dos ofendidos é gente endinheirada, que vive indo das praias do Caribe aos restaurantes de Paris, mas nem assim relaxa (e goza). Tem infeliz que só esboça um sorriso ao ver o outro com câncer, como se se tratasse de justiça divina. Fora aqueles que, porque têm raiva do Maradona, soltam fogos de artifício por causa da crise argentina. Pra falar a verdade, eu mesmo não digeri ainda o novo status quo corintiano... rsrsrsrs kkkkkkk

Tá, vou abrir o jogo. Li recentemente na Folha uma crônica escrita por Antonio Prata que achei interessantíssima, pra lá de espirituosa, chamada Cliente paulista, garçom carioca (aqui), na qual ele satirizava a desconfortável situação de clientes paulistas em restaurantes cariocas, ignorados solenemente pelos garçons de lá. E não é que nos dias seguintes choveram impropérios contra o moço? Oras, muito provavelmente esses irados que chamaram o caro Prata de, entre outras coisas, bairrista, não só não entenderam nada do que leram, como provavelmente devem ter se lembrado de ocasiões em que eles próprios foram os protagonistas.

Ah, o bom humor! Tão em falta no mercado... Aliás, mercado e bom humor são coisas que não combinam. Este lembra festa, vagabundagem, futebol, bebedeiras, prazeres da carne, bons livros, filmes leves que não nos exijam mais de dois neurônios, enfim, prazeres cada vez mais raros em tempos de estresse e excesso de trabalho. Sugiro que organizemos uma espécie de abaixo-assinado que obrigue que a carga horária do trabalhador brasileiro se espelhe na de nossos ilustríssimos representantes políticos. Inclusive com um salário compatível e a mesma agenda de "recessos". Assim poderíamos, como os congressistas, ter também, entre outras regalias, duas semanas de férias pra curtir o Carnaval. Duvido que haja mau humor que sobreviva a isso. Basta ver como toca sorridente a banda mais popular de Brasília: Renan e Seus Calheiros.

Acho que ando um tanto mal-humorado...

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