quinta-feira, 5 de março de 2015

Trinca de Ouro: 8) Gabriel de Almeida Prado, Kana (+ Vasco Debritto) e Nelson Machado

O genial Kleber Albuquerque (por quem nutro uma admiração ímpar e cuja amizade aprendi a regar qual fosse a mais rara flor – e é), após safenar seu coração (que, de tão grande, mal sabia caber dentro da caixa do peito), retorna aos palcos de coração recauchutado nesta quinta-feira, também conhecida como 5 de março de 2015 (antevéspera de seu aniversário), pra show único no Espaço Parlapatões, que dorme e acorda na charmosa (e também recauchutada) Praça Franklin Roosevelt, 158, no coração (sic) de Sampa. O evento está marcado pra começar às 21h, e é bom chegar cedo, pois a casa não comporta tantos amigos quanto cabem em seu coração. O nome do show não poderia ser mais acertado, Psicoaudiocardiograma (maiores informações aqui). E a quem vem tudo isso? Resolvi, como forma de divulgação/homenagem ao albuquerqueano mano  – e motivo pra tirar da manga canções que fiz, digamos, de coração –, publicar aqui três delas que foram gravadas e tratam, direta ou indiretamente, desse vital órgão. Às ditas cujas, pois:

1) CORAÇÃO

Essa canção, cuja melodia é de Kana, em princípio havia ganhado uma letra minha, pretensiosa, pseudobuarqueana... nada a ver. Até que o grande Vasco Debritto, maestro do disco em questão, Imigrante, quando conosco lhe escolhia o repertório me disse: "Menos, Leozinho. Mais amor e menos empáfia." E resolveu então me dar uns toques, ensinando-me que, em certas ocasiões, mais vale calar o cérebro e deixar falar o coração. Foi assim que, amparado pela muleta de sua experiência, consegui, a quatro mãos (três dele e uma minha) finalizar a letra dessa canção que viria a se chamar justamente...

CORAÇÃO*
Kana – Vasco Debritto – Léo Nogueira

Coração,
Olha o que você fez
Que mancada!
Brincando em serviço!

Coração
Não tem bis, nem talvez,
Nem pomada
Pra dor que deu nisso

Coração
Et cetera e tal
Foi mal
Pôs os pés pelas mãos

Quis jogar
Me perdeu
O azar
É seu


*Detalhe (não pequeno, nem de nós dois): participação especial de Milton Guedes na gaita.


***

2) ESTAÇÕES

Nelson Machado, grande amigo, ítalo-brasileiro que se tornou sem o ser de fato, certa vez me deu a alegria e a honra de partilhar com ele fifty/fifty um disco que a modéstia não me deixa chamar de monumental. Aliás, posso, basta tirar meus 50% e dizer que se trata de uma obra 50% monumental. E foi esse trabalho que me deu o gostinho de saber como funcionaram em históricos discos anteriores a esse dobradinhas como as de Bosco/Blanc, Ivan/Vítor, Toquinho/Vinicius e tantas outras. Esse disco, por motivos óbvios chamado Brasiliano (quem quiser maiores informações, basta clicar no nome do moço), foi lançado no Japão e na Itália. Também por motivos óbvios continua inédito nessa terra onde, em se plantando, tudo vira PMDB... Afe! Ops, desculpem o ato falho (ato falho é o carvalho!). Basta dizer que a canção desse disco que escolhi pra ilustrar estas maltraçadas é, entre tantas escrivinhações minhas, uma das que mais me emocionam. Ouçam e entenderão. Detalhe: a sanfona tangueira foi executada em sublime momento por Oswaldinho do Acordeon.

ESTAÇÕES

 Eu brinquei
 Com as paixões, pela juventude
 Fui descalço e sem pés no chão
 Tropecei,
 Mirei o céu, mas voar não pude
 Passo em falso, fui ao porão

 E cada conta desse meu rosário era um calvário
 Do vício de jogar com o amor eu fiz o meu ofício
 Sonhando, me enganei que fui feliz
 Mas, ser feliz é quase falecer
 E eu preferi viver

 Surrado, sigo na rota
 Meu riso não se desbota
 No olhar, paira um brilho esquisito
 E, na jugular, ferve um grito

 Lavei meu coração
 Há sempre outra estação
 Um amor vai, outro vem
Vagando no vagão (Calcei meus pés no chão)
 Segue em frente o trem

***

3) LEVE LEVE


Já havia escrito sobre essa canção composta em parceria com meu brou Gabriel de Almeida Prado. Na época, ela se chamava Leve, mas depois resolvemos dobrar-lhe o nome (pra aumentar-lhe a leveza) enquanto ela entrava por uma das portas laterais em seu primeiro disco, A Língua e a Alma (sobre o qual já escrevi aqui), que está em vias de ganhar as ruas. Ia esperar seu lançamento pra divulgá-la, mas, como estamos tratando de coisas do coração (e o coração não sabe esperar pra bater em porta alheia), antecipo-me e os presenteio com essa tão leve (leve) canção. Abaixo, colo o que havia escrito no texto original:


"Daí que madrugada dessas estava eu 30% acordado e 70% na Dreamlândia, com o fone de ouvido esquecido nas zoreias. As canções iam e vinham aleatoriamente, até que Zeca Baleiro (é, ele de novo) mandou um "meu amor, minha flor, minha menina/ solidão não cura com aspirina" etc. e tal... E não é que uma danada de uma melodia veio me trazer pro lado de cá da existência? E a enxerida já veio com letra e tudo! Rapaz, quando isso acontece dá uma reiva! Quer dizer, é legal e tudo, dá a impressão de que a gente é especial, que tem algum espírito (às vezes é de porco) soprando maravilhas em nosso escutador, mas... Mas! No meio de um sono tão gostoso, a vontade que dá (e o mais comum é fazer isso mesmo) é de deixá-la pra amanhã, na certeza de que não a iremos esquecer. Só que 110% das vezes... a esquecemos!

Por isso é que eu acordei, levantei, fui pra outro cômodo (pra não acordar Kana), daí começa aquilo de procurar papel, caneta e o escambau! E quando a melodia vem junto, pior, porque a temos que gravar... E, vou te contar, não tem coisa pior do que um cara com sono ter que escutar o Léo cantando às lá vai maria da madrugueides! Liguei o celular (pam-pam-pam... pam... pam), esfolei o rec e sussurrei a melodia. Daí, já estava acordado mesmo, terminei a letra.

Galo cantou, eu deitei. Na noite seguinte... Tá, vão dizer que tô puxando o saco do menino, mas juro que eu não queria!!! Dessa vez não! Mas o fato é que (a parada nem tinha nada a ver comigo) de noite veio nos visitar Gabriel de Almeida Prado pra ensaiar um lance com Kana. Ensaiou, comeu um frango dos deuses (Kana é feiticeira também na culinária) e disparou num falatório sobre um zilhão de ideias que estava tendo (o cara, se deixar, faz umas dez letras por dia), e já íamos começar a fazer outra letra quando caí na besteira de lhe mostrar a canção que eu tinha feito... Sacumé, a gente tem sempre aquela ânsia de aprovação...

E ele, ao ouvi-la, tascou: "Esse primeiro verso tem a mesma melodia da canção do Camalle quando ele canta 'cabeça de um negro alemão'". Casa caiu! Era vero! Pô, eu ouvindo Zeca plagio Camalle? O tempo de eu pensar isso foi o de ele pegar o violão e achar uma solução pro caso. E nem foi lá aqueeela solução... O cara inverteu umas notinhas, vá lá, mas o perigo foi que ele continuou! E o desaforado foi costurando minha melodia, melhorando-a, e ainda dando pitaco na letra! Moral da história: entrou na parceria!

Mas também, o quê que eu ia fazer com uma canção só minha? Cantá-la eu? Deus me livre e guarde! Deixa a bichinha aí, no final até ficou biita, assim meio Roberto Carlos, meio querendo imitar Chico César quando tá com dor de corno. Eu gostei. Deu até vontade de mandá-la pra Bethânia, ou pra Marisa Monte... Mas passou (quiçá volte). Ouçamo-la:"


Meu bem, me leve quando for lá pro Japão
No meio da bagagem
Me leve na coleira, feito um cão
Ou numa tatuagem

Meu bem, me leve como pedra no sapato
Pra Vênus, pra Vitória
Ou leve na carteira meu velho retrato
Me leve, leve, na memória

Meu bem, me leve quando for lá pra Paris
Num frasco de perfume
Na carne, feito fosse cicatriz
Por gosto ou por costume

Me leve como conta pra pagar
Como o ar em seu pulmão
De qualquer modo ou em qualquer lugar
Se não puder levar no coração

***

E que o coração de Kleber Albuquerque bata (e nos arrebate) por muitos e muitos anos ainda!!! Afinal, em se tratando de música popular brasileira, o coração tem nos enganado a todos, desde Noel Rosa, com quem ora os deixo:


***

2 comentários:

  1. Como sempre, Leo, três letras lindas. Leve Leve, foi a que mais gostei.
    Bela e justíssima homenagem ao Kleber que é outro Fodástico.

    Pra vc beijo, sucesso e felicidade todo dia

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    1. Bom te ler por aqui de novo, Vanessa.

      Beijos e obrigado,
      Léo.

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