quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Ninguém me Conhece: 35) Montevideo, el acuario de Dany López

Eu sou um sentimental! Fazia meses que vinha querendo escrever este texto, mas sempre algo me impedia... E eu não sabia por quê! Hoje eu soube. Fazendo um retrospecto a respeito dos textos desta coluna, constatei que o que sempre a moveu foi, em primeiríssimo lugar, o coração. E este cara que ora lhes apresento merecia um texto que fosse saído, mais que do coração, das entranhas. E foram justamente "detalhes tão pequenos", vindos do cotidiano, que me acionaram o alerta de que a hora de escrever estas maltratadas (by Marcio Policastro) havia chegado. Deu-se assim: Trabalhei o dia todo hoje (escrevo no domingo, 30/01), voltava pra casa cansado, um tanto mal humorado, quando, ao descer na estação Brigadeiro do metrô e caminhar poucos metros pela avenida Paulista, encontro, num boteco no calçadão, ninguém menos que meu amigo Reynaldo Bessa, grande cantautor que guarda um Jabuti na estante e um fabuloso blog (chamado Algarobas) nas estantes virtuais. Em cerca de vinte minutos conversamos o equivalente a três horas. Em determinado momento, ele sentenciou: "Léo, ninguém vai nos agradecer por fazermos o que fazemos! Nós temos que continuar fazendo apenas porque é isso que sabemos fazer!". Voltei pra casa pensativo, um tanto abalado, eu, que sempre fui positivo... Em casa me esperava uma ansiosa e prestativa Kana, que me pôs pra relaxar numa banheira de água espumante (e fria), e, enquanto eu achava que já estava no paraíso, trouxe-me uma Heineken trincando! Amolecido pela água (e pela outra água), gastei uma boa meia hora filosofando sobre as contradições da vida, as palavras do Bessa, e não é que a janela entreaberta me soprou um "vento de Montevidéu"? Na hora me lembrei de que havia visto no facebook que nesta semana faz aniversário mi hermano Dany López... E as palavras do Bessa ecoaram: "Temos que continuar fazendo apenas porque é isso que sabemos fazer"... E a mágica se deu!


1) Libélula (Dany López)

***

Eu sou um privilegiado (além de ser um sentimental)! Antes de me casar com Kana, o mais longe onde havia ido (fora o Ceará, of course) fora Peruíbe. Depois que a conheci, motivado por sua gana viajeira (e por alguns ienes que não eram meus), conheci (além de metade do Brasil) Tóquio, Hokkaido, Barcelona, Veneza, Roma, Lima, Machu Picchu, Havana, Santiago de Cuba (e do Chile), Buenos Aires... (paro por aqui, senão vão me chamar de burguês) E Montevidéu! Cada uma dessas cidades teve seu charme, em cada uma de suas ruas persegui livros, discos, papos, gente! E em cada uma delas eu fui feliz, zanzando pelas ruas, olhando pras caras das pessoas que iam pra algum lugar que não me era permitido saber, mas... Só em Montevidéu eu achei uma cidade onde eu quisesse viver (...e os uruguaios vivem indo - ou querendo ir - embora de lá!)! E chega a ser até difícil resumir aqui um sentimento tão avassalador quanto o que senti que me permita explicar em palavras o inexplicável. Mas, verborrágico que sou, vou tentar...

O Bessa (ainda o Bessa) me disse nesse papo de hoje que o que nos arrebata arrebata-nos num momento em que estamos prontos pra ser arrebatados (me disse com outras palavras, claro). E foi isso o que me ocorreu em Montevidéu. Pra começo de conversa, fiz o que sempre faço nessas ocasiões: na primeira livraria que encontrei, entrei e perguntei qual escritor local merecia ser lido. De pronto me responderam: Mario Benedetti. Sugestões? La Tregua. Meti o livro debaixo do sovaco, voltei pro hotel e comecei a devorá-lo. Até a página 30, 40, sei lá, devorei-o. Da 41 em diante, ele passou a me devorar! Nessa mesma semana, eu (sempre com Kana) encontrei pessalmente algumas pesoas com quem havia travado conhecimento via myspace. A primeira, Inés Saavedra, uma impecável cantora, aliás, cantautora, que nos levou de carro pra cima e pra baixo, nos mostrou sua casa, entupiu-nos de mate (chimarrão) e ainda por cima consertou uma versão em espanhol que eu havia feito sobre uma melodia do cubano Paquito D'Rivera. Depois fomos direto à casa de Samantha Navarro, que nos recebeu (juntamente com Victoria) com beijos, pizza uruguaia (quadrada, mas deliciosa!) e vinho... Ah, que vinho! E papo, e amizade, e gentileza, e... E depois nos veio arrancar do hotel um tipo baixinho, grisalho, meio estabanado e com um enooorme sorriso, que, quando nos viu, nos deu um abraço (e um beijo, que no Uruguai homem beija homem, sim, senhor!) que não condizia com seu tamanho, meteu-nos en su coche e saiu desvairado, menos guiando que sendo guiado, e lá nos levou Mercado del Puerto abaixo (pra nos alimentar), avenida 18 de Julio acima (pra nos alimentar de cultura), sempre falando muito, errando o caminho, desatento a tudo que não fosse tão importante quanto nosso papo, enfim, um verdadeiro ser de outro planeta! Seu nome: Dany López!

Me encantei com esse cara! E descobri o que no fundo sempre soubera, mas nunca tivera coragem de admitir: pra mim, os museus, monumentos, pontos turísticos em geral, embora interessantes, são menos importantes que as pessoas que ali moram... Pra mim, o que me arrebata numa cidade é conhecer gente de verdade! E Dany López é gente à moda antiga, é gente como a de minha cidade, lá na longínqua Senador Pompeu (que, pra quem mora em São Paulo, é mais longe que Montevidéu), é gente que te nina, te mima, te faz sentir querido, te faz sentir vivo, te faz sentir GENTE! E não é por nada, não... É só porque ele é assim!



2) Lugar Donde Nunca Fui ( Dany López)

Voltamos a Sampa. O tempo passou, mantivemos contato com os três mosqueteiros uruguaios (Saavedra-Navarro-López); Kana, daqui mesmo, participou do CD de Samantha com seu grupo La Dulce, na canção Jardín Japonés; pouco depois foi a vez de ela retribuir o convite e convidar Samantha a participar de seu disco, cantando, em espanhol, uma parceria minha com ela (Kana), Ciudad del Viento. E aproveitamos pra convidar também Dany... Ah, agora explico: Dany, além de ser esse ser estabanadamente fascinante, é um pianista (e arranjador) fantástico (reparem em sua cara de Beethoven na foto acima), que em Montevidéu toca com meio mundo, inclusive com Daniel Drexler. Pois bem, convidamos Dany pra tocar piano nessa faixa em que Samantha participaria. E Dany arrebentou! Fez o que lá eles chamam de milongón (uma espécie de milonga desacelerada) e transformou nossa homenagem a Montevidéu numa obra-prima (sem falsa modéstia, mas graças a eles!). Claro que em parceria com a voz deliciosa de Samantha. Dessa gravação, contudo, o que mais me deixou feliz foi ter aproximado dois excepcionais artistas que não se conheciam: Dany e Samantha. Depois de terem gravado juntos no CD de Kana, tornaram-se amigos e agora costumam fazer shows juntos. Isso pra mim, que sempre fui um agregador caseiro, foi a glória!

Agora sim vou ao que interessa: Dany nos presenteou seu CD, que, na época, ainda não tinha sido prensado. Posteriormente o foi, e saiu com o charmoso nome de Acuario. Pois bem, o que é que eu posso dizer a respeito desse Acuario? Posso nadar nele, como se fosse um peixe de... aquário. Pra começo de conversa, Dany compôs, sim, senhor, uma das mais belas canções que já ouvi na vida. E garanto que se vocês tiverem a paciência de ler todo este meloso relato e, ao final dele, ainda forem no link que divulgarei, quando escutarem Libélula, serão acometidos por algo que não tem nome, que nem as drogas podem oferecer, algo que só os gênios da simplicidade sabem conceber, por mais que nem saibam que sabem! Adelante! Libélula é tão covardia, que depois fica difícil voltar ao chão e ter a cabeça no lugar pra ouvir as outras canções. E as outras canções são igualmente mortais! Suportem: "Somos bichos feos medios cubiertos de pelo por acá/ Especie de extraños que se quieren con los años/ y se odian con facilidad"; "Voy a un lugar donde nunca fui/ A buscar lo que no perdí/ abro la puerta y me dejo ir/ por ahí"; "Pasa algo que detiene el tiempo/ Pasa algo que lo pone a andar/ Las agujas van blanqueando el pelo/ Mi tatuaje biomolecular/ El reloj se anuncia en el espejo/ Y el espejo también cambiará"; "Voy a imaginar que estoy en otro lugar/ Bastante lejos de acá/ Me voy a torturar con otra  falsa verdad/ Mi paraíso virtual/ Se esfuma y queda en blanco"... Basta?

Então, aí esse cara me pediu uma letra! E aconteceu algo maravilhoso (ao menos pra mim)! Fazia pouco tempo, havia encontrado Lis Rodrigues no Caiubi e ela me havia contado uma história muito interessante que ouvira de Kléber Albuquerque. Dissera-lhe ele, em porco resumo meu, que, se tudo desse errado, ele simplesmente sairia andando. Fiquei com essa imagem na cabeça. Já em casa, fiz uma letra e lhe mandei. O tempo passou e Kléber não fez a melodia (afinal, as coisas iam, senão bem, ao menos indo). Assim, quando Dany me pediu uma letra, lembrei-me da que fizera pra Kléber e meti mãos a obra: fiz-lhe uma versão em espanhol. Pouco tempo depois Dany faria a que seria minha primeira canção na língua de Cervantes. Algum tempo depois conheceria a argentina Marcela Viciano, que se tornaria minha mais regular parceira hispânica, mas até então, quando Dany me mandou a gravação de Caja Negra, quase chorei ao ver o começo de um sonho se realizando. Explico: quando vi o filme Diários de Motocicleta, do nosso Walter Salles, sobre as primeiras andanças do Che, senti que eu queria ser um Che! Mas um Che da música! O que ele não conseguira com a política eu sonhei conseguir com a música (modesto o garoto, não?). Sempre achei ridículo essa falta de comunicação entre nossos hermanos y nosotros. E quando vem algum brasileiro preconceituoso pôr a culpa neles... Neles? Eu falto subir pelas paredes!

Vejamos: os argentinos sabem mais sobre nós do que nós sobre eles. Em Montevidéu, em cada esquina há um cartaz em letras garrafais onde se lê "aprenda português em três meses". Que é mais ou menos o que acontece aqui com relação ao ingrêis... Enfim, como o papo é Dany, basta dizer que o moço mesmo fez psicologia na faculdade e teve que aprender português, pois boa parte dos livros que leu era na língua de Machado (sem falar que boa parte dos professores era do Brasil). Assim, quando ele musicou minha, aliás, nossa Caja Negra, não sabia, mas estava apertando um dispositivo que não parou mais de funcionar em minha mente. Depois veio a faculdade, e agora mesmo estou trabalhando na tradução de um livro uruguaio. E só estou começando!



3) Perdido por Perdido (Dany López - Manuel Mendizabal)

Bem, pra falar de Dany tive que falar de todo um processo. Impossível falar dele sem falar de Montevidéu (cidade muito pouco comentada nos jornais internacionais). E, cada vez mais, impossível falar de Montevidéu sem falar dele, de Inés, de Samantha... ¡y de Victoria, por supuesto! Ah, e os defeitos? Bem, não sei se é exatamente um defeito, mas eles são mais na deles. Demoram pra responder um e-mail; são um tanto ausentes quando distantes; em relação à música, não prezam tanto pela parceria como nós, tanto que lá a palavra pra quem faz música junto é "colaborador"! Imaginem, fazer música junto é algo pra nós quase sexual, jamais daríamos o nome de colaboração à parceria. Mas talvez esse jeito não egoísta, mas individualista, se deva ao clima... Xi!, já estou divagando, acho que me estendi demais. Bora terminar! Colo aqui, meio como um posfácio, pequeno texto que escrevi pro CD Imigrante, de Kana, referente à canção Ciudad del Viento: "é uma homenagem a Montevidéu, cidade da qual pouco se tem notícia. Talvez porque lá o tempo aprendeu a passar de acordo com um relógio diferente, que não acredita em urgências. E o que não é urgente não vende jornal. Sorte de quem vive lá, pois a manchete de hoje vai embrulhar o peixe de amanhã."

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Dany também tem sua página no Caiubi.

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10 comentários:

  1. Léo, a letra que você postou para "Reporte Del Tiempo" não bate com a música. Saudações.

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  2. Olá, Luc!

    Me enviou a letra o próprio Dany! Contudo vou conferir e te respondo. obrigado pela informação.

    Abraço,
    Léo.

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  3. Belo texto!
    Deu até vontade de mudar para lá, já que estou triste com o lado de cá...

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  4. Vale a pena, Cláudio. Entre meus (muitos) projetos de vida há a ideia de passar um tempo lá. Ainda hei de realizar.

    Abração do
    Léo.

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  5. Olá, Luc! Você tinha razão sobre "Reporte del Tiempo". Já corrigi. Vá lá ouvir a canção real.

    ...E obrigado.

    Abraços do
    Léo.

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  6. Casi que puedo sentir el aroma del puerto !!!que es bastante parecido al de Buenos Aires!
    Que linda Montevideo!!
    me quedé pensando en nuestros defectos ...ya comentamos muchas veces que en español la palabra "parceiro" no existe!!que horror...será que el lenguaje condiciona la forma de actuar en las personas??igualmente si nos remomntamos a los orígenes del tango, ahí sí, eran todas "parcerías"!!se ve que la modernidad nos dejó mas individualistas...será cuestión swe desandar caminos...
    abrazo!!

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  7. Marce, querida!

    Bellas palabras! Me gustó lo de "desandar caminos". Creo que también nosotros acá tenemos que desandar otros caminos para volver hacia un "tiempo de delicadeza". Por supuesto que los compositores estamos más cerca unos a los otros, pero a veces pienso que esta... cómo decir? ...cercanía es sólo musical, y que de verdad estamos todos solos. Si pensamos así, tal vez ustedes sean más sinceros con esa individualidad. Los tiempos modernos son de competitividad más que de "parcerías" y/o amistades.

    Seguro que hay de "desandar caminos". Es más o menos de esto que habla mi texto "Tratado sobre o Desamor", léelo.

    Besos,
    Léo.

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  8. adorei tem pegada ,parabens

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