terça-feira, 13 de março de 2012

Crônicas Desclassificadas: 35) Brasil, o (eterno) país do futuro

Desde que me entendo por gente ouço dizer que o Brasil é o país do futuro, e o tal do futuro nunca chega! Claro, porque futuro é e sempre será futuro. As coisas começarão a mudar por aqui quando o Brasil for chamado de país do PRESENTE! Tá, tá, os jornais andam espalhando por aí que o Brasil é a bola da vez, que o país tá crescendo... Mas, quer saber? O que eu acho é que os outros países é que estão encolhendo!

Quando eu era pouco mais que um garoto ouvia dizer que o progresso e a tecnologia chegariam trazendo melhores condições de vida pra população. Pois é, o progresso e a tecnologia chegaram, mas melhoraram a vida de uns poucos; a grande maioria continua à margem dos acontecimentos. Saramago falava aos quatro ventos que era ridículo que houvesse tanta miséria no mundo se este era autossustentável. O problema residia, pois, na concentração de riquezas nas mãos de uns poucos. Fala-se tanto (mal) contra o comunismo, mas ninguém tem coragem de admitir a grande verdade: o capitalismo também dançou! Vejam aí a grande Europa afundada em crise, dívidas e desemprego...

Mas, voltando ao Brasil, é impossível falar em crescimento sem falar em educação. E nosso país desperdiça a saúde e a juventude de tanta gente simplesmente por não saber pôr essa cambada pra estudar e se formar em alguma coisa. Somos, infelizmente, exportadores de mão de obra barata. Vejamos um exemplo: não é coisa das mais tristes ver uma pessoa por volta de, sei lá, 30 anos, nas ruas, vendendo a preço de banana o que ninguém quer comprar? Sim, me parte o coração ver que aquele cidadão é tão honesto a ponto de preferir vender quinquilharias, inutilidades, pra sustentar dignamente sua família (ou tentar), a tornar-se logo ladrão. E, contraditoriamente, sinto-me roubado em minha cidadania quando interrompem meu animado papo regado a cerveja pra de cinco em cinco minutos me oferecerem bala, brinquedo, caneta, isqueiro, chaveiro, flores, DVD pirata... Fora os pedintes. Sábado passado, tomando uma merecida cerveja com amigos no calçadão da Paulista, em menos de meia hora fomos abordados por uns cinco pedintes! E só um falou a real: "Dá pra me arranjar um troco pra eu tomar cachaça?" 

No Japão a mão de obra que aqui chamamos de barata é cara. Por quê? Porque todos estudaram, então ninguém quer ser lixeiro, servente em obra, garçom, balconista etc. Assim sendo, tais profissões são bem remuneradas. Já aqui o camarada acaba abraçando tais cargos não porque queira, mas por falta de opção. E até os que estudaram encontram dificuldades pra arrumar um emprego de acordo com sua graduação. Nunca me esqueço de uma reportagem no Rio sobre concurso pra gari ao notar que muitas pessoas com curso superior estavam na fila tentando uma vaguinha!

Nos países sérios há toda uma preocupação em formar profissionais qualificados que possam devolver o investimento gasto em seu estudo trabalhando em boas empresas, em bons cargos. No Brasil os mendigos se proliferam e geram uma prole que nunca viu uma casa por dentro. Tais crianças, em vez de frequentarem uma escola, acabam entrando num mundo que pode ser considerado um triste trinômio: drogas-prostituição-crime. Não há outra saída pra tais crianças. E os jornais vêm me falar em crescimento? Oras, enquanto houver uma só criança na rua, pedindo esmolas ou vendendo bala (e aqui a palavra bala pode significar absolutamente qualquer coisa) este país não será mais que uma incubadora de parasitas. "A esta hora exactamente hay un niño en la calle."

Mas, claro, sempre alguém dirá que há mais dinheiro circulando, e, com as facilidades de se conseguir um empréstimo ou mesmo por meio do cartão de crédito mágico, todo mundo pode comprar um celular multifuncional, uma tevê de plasma, uma dessas maravilhas tecnológicas ou um carro seminovo. E todos sabem que carro na rua é sinônimo de geração de empregos. Nem que seja de flanelinha (esta, sim, uma profissão que é a cara do país!). Mas, se a ordem é gastar pra que o país cresça, quem não entra na dança das compras é mal quisto, é mau exemplo a não ser seguido. Contudo, com tanto dinheiro circulando e tantas facilidades de empréstimos (a juros aviltantes), cada vez cresce mais a bola de neve dos que estão com o nome sujo (e todo mundo sabe que pra pobre o que vale mais é o nome - pro rico o que vale mais é o sobrenome!)

Um amigo me disse, estupefacto, que não entendia como até os mendigos hoje têm celulares. E eu, que queria vender o meu, tampouco entendo. Nas favelas há casas de três andares e, em muitas delas, mais de um carro na garagem e TV por assinatura. Não, não é uma crítica, quero mais é que todos tenham belas casas e direito a escolher sua programação (e sua condução), mas o triste é que a educação esteja subvalorizada; se todos podem conseguir tudo sem precisar se matar de estudar, pra que serve então a escola? Vá ver se há biblioteca nessas casas... Afinal, o que milhões de brasileiros berram ao celular diariamente não se encontra nos livros!

Portanto, irmãos e irmãs (que agora o plural masculino não serve mais pro feminino), crescei e multiplicai-vos! Ponde criancinhas no mundo (não useis camisinha!), afinal, pra vossos filhos sempre haverá fartas opções de subemprego (ou um semáforo vermelho pra chamar de seu); um cartão de crédito com o limite três vezes maior que o salário dele; o parcelamento e/ou a renegociação da dívida; agiotas que descompliquem as burradas de vosso idiota; ou, em último caso, quando a última garrafa de cachaça barata secar, sempre haverá à mão (por módicos 10%) um pastor que lhe venda o paraíso em vida!

Enquanto o mundo não acaba e a Copa não vem...

19 comentários:

  1. "Você merece, você merece
    Tudo vai bem, tudo legal"...
    E a gente tem que dizer que tá tudo bem, né, Léo? Senão, lá vêm os da "Patrulha Polyana".
    Pra ser franca, eu defendo o controle de natalidade. Mas quando abro a boca pra dizer isso, parece que xinguei a mãe de alguém.
    E a gente vai levando...
    Beijos,
    Danny.

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    1. Gonzaguinha sabia das coisas, né, Danny?

      Quanto ao controle de natalidade, pensando bem, não seria uma má ideia, evitaria a proliferação de mão de obra barata e a exploração infantil por parte de pais aproveitadores. Mas só isso não basta; as distâncias têm que diminuir, e isso só é possível por meio de uma educação integral, de qualidade e, melhor, gratuita, da creche ao diploma superior.

      Beijo do
      Léo.

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    2. Sabia demais! Feríssima!
      Claro que a educação é o investimento mais importante. E um dos mais esquecidos, juntamente com a saúde. Fato.
      Beijos!

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    3. Respondendo de novo: mas é que eu fico tão indignada com gente que não tem o que comer colocando mais uma(s) criança(s) no mundo. "Mais um quilo de farinha do mesmo saco". Fico indignada e triste. O que será dessas crianças?

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    4. Danny, todo mundo tem direito de ter filhos. O problema é que alguns desses pais usam os filhos como "ferramenta de trabalho", como tem gente que até aluga seus bebês pra outros pedirem esmolas nos semáforos. São retratos de um país tão desigual, que vai ensinando os que não têm condições a usar suas cucas pra sobrevivência, passando ao largo da ética (e da dignidade). Mas esse papo dá pano pra manga...

      Beijos.

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  2. 'Como posso ser feliz, se há fome na África?'
    Não me lembro de quem li, ou ouvi essa frase, mas é bem velha e parte do que sinto/vivo desde sempre.
    Ou seja, felicidade é uma droga (Eh, Élio!), que atinge à quem virar o rosto pra real: o mundo, o Brasil, São Paulo, a Vila Gugu onde moro, meu amado Rudge Ramos e minha casa (A Minha Casa...), claro! Tudo dentro: felicidade é se saber devedor de algo a mais pro outro, o mais perto (ou mais longe) de você!
    E ponto final!
    Valeu o texto, Leléo!!

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    1. É isso aí, Dodô! Pra ser feliz, só muito culpado ou muito ingênuo.

      Abração,
      Léo.

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  3. Verdade, Léo, investir na educaçao é o caminho,educaçao com qualidade. Como se sabe o número de formados sem qualificaçao é imenso. Ainda hoje vi uma reportagem a este propósito,ai no Brasil, na qual o entrevistado dizia que 4 de 10 formados nao conseguem inserir-se no mercado de trabalho.

    Na Europa passa-se o mesmo, no sentido que o mercado nao consegue absorver tantos formados.

    Léo, mas parece que a gente nao vai ver este Brasil do futuro, hehehe!!

    Abraçao, parceiro!

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    1. Ou seja, Pedrão: vamos continuar vendo "o país do futuro". Hehe! Mas eu acredito que as coisas estão melhorando, só que a passo de cágado...

      Abração do
      Léo.

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  4. Grande Léo!
    Curioso que aqui no "País do Futuro", tudo o que ouço é que "no passado tudo era melhor"...
    Que tal nos tornarmos o "País do Passado"?...

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    1. Boa, Ricardim!

      Dá até letra, hem?

      Abraços,
      Léo.

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    2. Ora, ora... Foi proposital!
      Mãos à obra! Eu estava "glosando" com a sua cara...rsrsrs
      Abs

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    3. Ricardim, você é mesmo um glosador! Hahaha!!!

      Abraços!

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  5. Ohhh la situación es muy parecida a la de Colombia, la de la educación, la inseguridad.... no se sabe para dónde vamos ....
    la única diferencia es que Colombia no ha sido llamado el país del futuro... y por algo será.... ... ahora muchas personas estudian ... pero pocos los que tienen éxito... muchos tienen profesiones, pero no ejercen su carrera, porque no tienen buenas oportunidades, y toca o que salga...
    habrá que ver que más depara el "futuro"..

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    1. Javier, el futuro de Sudamérica es el mismo para todos los países de acá. Eso es tal vez lo que los gobernantes no sepan. Las mejorías de nuestro continente tienen que ser pensadas para todos los países, no solo para uno. Tenemos un buen ejemplo en Europa. La crisis de uno es la de todos.

      Saludos,
      Léo.

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  6. Lembrei-me de uma crônica de Chico Anysio do fim dos anos 1960 para a revista Realidade cujo título resume tudo: "Brasil, país do amanhã" - porque aqui sempre se deixa tudo para amanhã...

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    1. Boa, Ayrton. Onde podemos ler essa crônica?

      Abração do
      Léo.

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  7. Você faz ideia de quantas vezes ainda temos, aqui em Portugal, que suportar as "glórias do país do passado"?
    Não sei o que será pior... :-)

    Abraço.

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    1. Salve, Samuel!

      É, realmente não sei o que é pior... Sei que melhor seria um presente com um pouco mais de dignidade e qualidade de vida, não só pras massas, mas pra todos, não é?

      Grande abraço de além-mar,
      Léo.

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