sexta-feira, 1 de junho de 2012

Entrevistando: 5) Lúcia Santos (por Patrícia Cunha)

Falar de Lúcia Santos é muito bom. Falar COM Lúcia Santos é melhor ainda. Falar dela (bem) é bom porque Lúcia dá assunto. É uma artista de personalidade e não se furta a dizer o que pensa quando solicitada. Isso quando não diz por meio de seus poemas. E seus poemas dizem muito. Eu, como letrista, tenho um grande defeito quando leio poesia: fico procurando nesta sonoridades melódicas. São as tais sonoridades que me ajudam a ter fluência na leitura, visto que venho de escola musical e não poética. E os poemas de Lúcia são supermusicais, mesmo os não musicados.

Não à toa Lúcia (sem querer querendo) acabou virando letrista, mesmo sem se prestar a sê-lo. Sim, porque ela simplesmente cria seus poemas (digo "simplesmente" como se fosse fácil) e deixa que estes seduzam melodistas em busca de temas. Talvez tal facilidade se dê porque Lúcia é pop. Sem muitas firulas nem rebuscamentos, sua poesia é, em vez disso, ácida, irônica, erótica, performática, metafórica, enfim, proparoxítona. Até eu, que não sou lá uma "brastemp" como melodista, já andei metendo nota onde não devia.

Já falar com Lúcia é bom, mas anda muito raro depois que ela voltou a seu Maranhão. E falar pelo facebook não é a mesma coisa, pois lá ela mostra uma faceta mais arretada (brincadeirinha!), ao passo que pessoalmente é só doçura. Mas fazemos o que podemos com o que temos. Por conta disso, ao ler entrevista que ela concedeu a O Imparcial, de São Luís, tive vontade de sequestrá-la (a entrevista), o que acabei fazendo, com a autorização da entrevistada. Deixemos, pois, de por-enquantos e vamos aos finalmentes:

Romance com as palavras
Por Patrícia Cunha, para O Imparcial

Irmã do compositor Zeca Baleiro, a escritora, atriz e letrista, Lúcia Santos fala sobre a paixão pela poesia que lhe rendeu premiação em alguns concursos literários
Profissão: poeta. Assim se define a maranhense, escritora, atriz e letrista Lúcia Santos, maranhense de Arari. Embora sempre gostasse de escrever, somente depois de adulta começou a publicar suas obras, depois que foi premiada em alguns concursos literários. A mais recente delas é Uma Gueixa pra Bashô (2006), livro de haicais com apresentação da poeta curitibana Alice Ruiz. A escritora possui ainda um vasto material inédito.

Anteriormente Lúcia publicou outros dois livros de poesia: Quase Azul Quanto Blue (1992) e Batom Vermelho (1998). Além disso, participou de algumas coletâneas a exemplo de Mulheres Emergentes, Circuito de Poesia Maranhense, Afluências e Ekos (RS). Além disso, Lúcia Santos tem seu nome no Dicionário Crítico de Escritoras Brasileiras, de Nelly Novaes Coelho. "Lúcia une a escrita poética com a poesia falada, cantada, ilustrada e teatralizada", diz a referência.

Por conta dessa multiplicidade em torno das artes a escritora já interpretou ao lado de atores, músicos e poetas vários recitais performáticos, como: Batom Vermelho, Cordel Technicolor, Eros&Escrachos, Dentro da Palavra, Cochichos de Bruxas, Ménage à Trois, Papas na Língua, Nu Frontal com Tarja e Companhia Ausente. Sempre contracenando com atores e poetas, nesses espetáculos expressou-se como atriz, dando vazão ao que aprendeu na época em que cursou teatro com o Grupo Ganzola, em 1990.

Na área da música também Lúcia marca presença como letrista em parcerias muito especiais com grandes artistas da música popular brasileira. A poeta tem parcerias com o irmão Zeca Baleiro, com Kléber Albuquerque, Pedro Moreno, Kana, Dudu Caribé, Daffé, Cássio Gava, Nosly, Chico Nô, Tutuca, Rubens Kurin, Jorge Macau, Léo Nogueira, Roberto Sampaio, Samuel de Abreu, Vanessa Bumagny, dentre outros.

Uma dessas parcerias é na canção Febre, música sua e em parceria com o irmão Zeca Baleiro gravada por Margareth Menezes. Outra é a canção é Ela é a Tal, interpretada pela cantora Paula Lima e que foi feita de encomenda para a trilha sonora da novela da Record, Ribeirão do Tempo. "Essa foi uma exceção em que eu criei para a novela, mas normalmente as letras são musicadas sem esse compromisso com as poesias já existentes", conta Lúcia. A O Imparcial Lúcia falou da sua carreira como letrista e poeta e ainda do sonho de formar profissionais em poesia falada.

Como foi que você descobriu essa veia poética? 
Não se vira poeta, né? Ninguém escolhe. A gente já nasce assim, com esse dom. Eu achava que não tinha vocação pra nada na época da faculdade. Eu sempre gostei das letras, mas comecei a escrever para valer mesmo somente aos 20 anos. Dois anos depois fui premiada em um concurso literário e aí comecei a encarar mais seriamente esse dom. E aí participei de várias coletâneas, morei em Belo Horizonte, publiquei meu segundo livro, que esgotou. Hoje eu só tenho um exemplar. É obra rara. (risos)

Você disse que tem muito material inédito. Não vai publicar?
No momento não penso. Tenho um material vasto com muitos poemas, crônicas e histórias infantis, mas estou numa fase mais de trabalhar com oficinas de poesia, embora continue criando. Eu coloco esse material à disposição no facebook, no blog

E como foi que surgiu Uma Gueixa pra Bashô?
Foi depois que eu li uma obra de Paulo Leminski. Aí me deu vontade de fazer um livro só de haicais, que são pequenos e profundos poemas.

Quem é a Lúcia Santos?
Sempre fico angustiada quando tenho que preencher algum formulário e me perguntam qual é a profissão. Digo que sou poeta. Isso é profissão? (risos) Eu gosto é de escrever. Não tenho formação acadêmica, comecei três cursos, não terminei nenhum deles: serviço social, letras e filosofia. Mas sou poeta, letrista, o que para algumas pessoas pode não ser considerado como tal, pra mim é. De vez em quando eu tiro onda de atriz. (risos)

Sobre o que você gostar de escrever?
Tem poemas sobre erotismo, ironia. Eu tenho uma série de poemas que escrevi para uma pessoa em especial. Foi praticamente um livro, foi uma paixão que me motivou. Isso é o que fica. Tem um trecho de uma música da Mathilda Kóvac que diz: "Meu coração é uma máquina de escrever. As paixões passam e as canções ficam". Eu gosto muito porque para o poeta a paixão é uma motivação. Às vezes a gente até inventa. (risos) 

Mas o seu papel como atriz é ligado à poesia?
Sim. Eu fiz curso com Lio Ribeiro (ator e diretor de teatro). Depois disso comecei a desenvolver esse trabalho com a poesia falada, o que me resultou em várias parcerias com outros atores, cantores. Fiz trabalhos em apresentações de Nosly, com Celso Borges, sempre fazendo performance, recitando textos em espetáculos como Batom Vermelho, Cordel Technicolor, Eros&Escrachos, Dentro da Palavra, Cochichos de Bruxas, Ménage à Trois, Papas na Língua, Nu Frontal com Tarja, Companhia Ausente, no Baile do Baleiro, dentre outros.

E como foi que você se encontrou compositora, letrista?
Foi muito por acaso. Eu tenho um blog e nele divulgo minhas poesias, minhas composições. Alguns artistas veem e pedem, entram em contato. Hoje tenho muitas parcerias, inclusive com o Zeca Baleiro, mas o reggae romântico O Último Post foi a primeira dessas parcerias que foi gravada e está no CD dele, O Disco do Ano. Mas tem Afins, que foi interpretada por Fátima Passarinho em um festival e que foi gravada também pela cantora baiana Gil. A música Febre, minha e de Zeca, foi gravada por Margareth Menezes num ritmo pop e depois a Andreya Vieira gravou uma balada... E por aí tem várias gravações com Daffé, Tutuca, Nosly... O baiano Pedro Moreno, que mora na Espanha, eu conheci pelo facebook, e ele pediu pra gravar Aposta.

E o que você gosta mais de fazer, embora as profissões estejam ligadas?
Teve uma época em que eu adorava o palco. Hoje em dia eu prefiro trabalhar com as oficinas de poesia falada, embora aqui em São Luís eu sinta falta desse público. Eu até fiz uma recentemente, mas não teve público. Eu gostaria que o público tivesse participado mais.

Mas por que você acha que há um desinteresse?
Não sei se há um desinteresse. Eu não sou principiante. Há 22 anos trabalho com isso. Fiz oficinas no Sesc São Paulo. O objetivo das oficinas é fazer com que as pessoas façam poesia sem afetação, sem excessos. Que façam e falem a poesia de uma forma natural. Eu desanimei um pouco também pela falta de espaço público para fazer isso, mas é o que eu gosto de fazer e espero ainda realizar.

São Luís, 27 de maio de 2012.

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"Roubei" a entrevista daqui.

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P.S. Quando terminei de ler seu livro de haicais Uma Gueixa pra Bashô, rabisquei uns versos desencontrados que chamei de poema e lhe dediquei. Acho que vem a propósito postá-lo aqui:

LIVROS

Gosto de livros
Gosto de livros que leio de uma sentada
Que me derrubam como uma cacetada
Gosto de livros que demoro a ler
Que sabem esperar 
Gosto de livros que nem preciso de ler
Pra saber que gosto
Gosto de livros e do cheiro de livros
Perfume que nos penetra pelo nariz do cérebro
Gosto de livros virgens, raros, comuns, manuseados, rabiscados, sagrados, profanos, profanados, rasgados, sebosos, eróticos, infantis, filosóficos, técnicos, tolos, didáticos, poéticos, livros que fazem apenas passar o tempo, livros com gravuras, livros graves, livros de capa e espada, livros sem capa…
Enfim, gosto dos livros porque são livres
E gosto do livre-arbítrio de escolher lê-los
Gosto tanto de livros 
Que, aos ruins, perdoo
Já os ótimos… acho-os imperdoáveis
Gosto de livros que se cometem, se metem, se intrometem, 
Que não se medem pela lista dos mais vendidos
Gosto de livros a tal ponto de nem saber mais
Se quero terminá-los ou continuá-los indefinidamente
Eternidade afora
Gosto de livros que me tocam
Gosto de livros pra dormir
E de livros que me tiram o sono
Mas, sobretudo, 
Gosto dos livros que me leem

Dedicado à poeta Lúcia Santos

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2 comentários:

  1. Leo, que bacana a entrevista da Lúcia. Estou retomando a escrita depois de muito tempo e gostaria de participar de uma de suas oficinas, aqui em SP. Se rolar, fala pra ela me convidar, ok? Estou no face Fãs de Responsa. Bjs em versos.

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    1. Oi, Margareth. Pode me adicionar no fb e à Lúcia também. Daí fica mais fácil pra gente se falar.

      Bom que curtiu.

      Beijos em prosa,
      Léo.

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