Minha convidada desta semana é Lucia Helena Correa, segundo suas próprias palavras, "mulher, negra, jornalista, poeta e CARIOCA!". Já lhe dediquei um Ninguém me Conhece, pra lê-lo, basta clicar em seu nome. Por ora, em vez de maiores blá-blá-blás, prefiro apresentá-la por meio de texto-desabafo que ela própria escreveu dia desses no fb. Na sequência dele, segue o outro texto, sobre o LP que escolheu:
Coragem... ou porra-louquice?
Por Lucia Helena Correa
Não sei. Só sei que faria tudo de novo. Por impulso ou raciocinando... Foi ontem, por volta das 17h30, em frente ao número 30 da rua Acre, no centro velho do Rio de Janeiro, onde eu tinha uma reunião de trabalho com X, diretor do jornal Y [subtraí os nomes].
Quando o táxi que me levava parou, quase encostou na traseira do carro já estacionado na frente. Quase... Coisa de dois palmos de distância... Mas foi o que bastou para fazer o motorista descer e começar a xingar o taxista, que, sem conseguir se conter, começou a rir do ridículo da situação: um cara que briga somente porque um outro carro chegou perto do "amor da vida dele". Sujeito infeliz!
Irritado com o interlocutor que, em vez de responder aos palavrões, ameaças e à ordem para que saísse do carro para brigar, só fazia rir, o destemperado voltou para o carro, abriu o porta-luvas, de lá tirou um revólver e quase o encostou, pela janela aberta do táxi, no rosto do taxista.
Eu, que já estava na porta do prédio, prestes a entrar, eu que estava caminhando com a máxima dificuldade, atingida pela agressão da insuficiência renal e do lúpus aos meus ossos, não sei de onde tirei forças para voltar, num pinote, olhar o homem enfurecido nos olhos, colocar minha mão sobre o peito dele e dizer:
– Meu amigo, por amor aos seus maiores amores nesta vida, abaixe essa arma! Você vai matar uma pessoa por um acidente que não houve? O que foi que lhe fizeram, pelo amor de Olorum? Que dor é essa aí que o impede de pensar? – perguntei, pressionando-lhe o lado esquerdo do peito.
Pasmem! O homem abaixou a arma, começou a chorar, soltou um "porra, que merda!", voltou para o carro, deu partida e foi-se embora! O taxista piscou-me o olho direito e, sem me dizer uma palavra, também se foi...
Um vento gelado vinha do mar e transpassava minha roupa de verão. Que frio senti no corpo, a despeito do calorzinho na alma! Ninguém para me ajudar a caminhar de volta até a porta, subir as escadinhas e chegar até o elevador... As pernas e eu inteira tremíamos, quando eu, finalmente, entendi o risco a que me expus.
"Nunca mais vou fazer uma coisa dessas: maluca, desapartando briga de revólver, podendo levar um tiro", eu pensava e dizia aos participantes da reunião, que logo me chamaram de imprudente. Mentira! Levada por Xangô, corpo fechado pelos orixás, e, acima de tudo, com a razão que me confere o respeito que ainda tenho pela vida, eu faria e farei tudo de novo...
Coragem... ou porra-louquice?
Por Lucia Helena Correa
Não sei. Só sei que faria tudo de novo. Por impulso ou raciocinando... Foi ontem, por volta das 17h30, em frente ao número 30 da rua Acre, no centro velho do Rio de Janeiro, onde eu tinha uma reunião de trabalho com X, diretor do jornal Y [subtraí os nomes].
Quando o táxi que me levava parou, quase encostou na traseira do carro já estacionado na frente. Quase... Coisa de dois palmos de distância... Mas foi o que bastou para fazer o motorista descer e começar a xingar o taxista, que, sem conseguir se conter, começou a rir do ridículo da situação: um cara que briga somente porque um outro carro chegou perto do "amor da vida dele". Sujeito infeliz!
Irritado com o interlocutor que, em vez de responder aos palavrões, ameaças e à ordem para que saísse do carro para brigar, só fazia rir, o destemperado voltou para o carro, abriu o porta-luvas, de lá tirou um revólver e quase o encostou, pela janela aberta do táxi, no rosto do taxista.
Eu, que já estava na porta do prédio, prestes a entrar, eu que estava caminhando com a máxima dificuldade, atingida pela agressão da insuficiência renal e do lúpus aos meus ossos, não sei de onde tirei forças para voltar, num pinote, olhar o homem enfurecido nos olhos, colocar minha mão sobre o peito dele e dizer:
– Meu amigo, por amor aos seus maiores amores nesta vida, abaixe essa arma! Você vai matar uma pessoa por um acidente que não houve? O que foi que lhe fizeram, pelo amor de Olorum? Que dor é essa aí que o impede de pensar? – perguntei, pressionando-lhe o lado esquerdo do peito.
Pasmem! O homem abaixou a arma, começou a chorar, soltou um "porra, que merda!", voltou para o carro, deu partida e foi-se embora! O taxista piscou-me o olho direito e, sem me dizer uma palavra, também se foi...
Um vento gelado vinha do mar e transpassava minha roupa de verão. Que frio senti no corpo, a despeito do calorzinho na alma! Ninguém para me ajudar a caminhar de volta até a porta, subir as escadinhas e chegar até o elevador... As pernas e eu inteira tremíamos, quando eu, finalmente, entendi o risco a que me expus.
"Nunca mais vou fazer uma coisa dessas: maluca, desapartando briga de revólver, podendo levar um tiro", eu pensava e dizia aos participantes da reunião, que logo me chamaram de imprudente. Mentira! Levada por Xangô, corpo fechado pelos orixás, e, acima de tudo, com a razão que me confere o respeito que ainda tenho pela vida, eu faria e farei tudo de novo...
***
Elizeth Cardoso & Raphael Rabello – Todo o Sentimento, o álbum...
Por Lucia Helena Correa
Elizeth Cardoso jamais saberá, mas mudou a minha vida...
Pra dizer o mínimo, a maior cantora brasileira de todos os tempos – em Faxineira das Canções, de Joyce, e Camarim, de "Cartola, meu amor" [aspas de Lucia, por tratar-se também do nome de um show dela] e Hermínio Bello de Carvalho, ambas canções oficialmente lançadas em 1991 no LP Todo o Sentimento (Elizeth Cardoso & Raphael Rabello) – purga algumas das minhas mais dolorosas feridas... Algumas já cicatrizadas, outras nem tanto. ...
"artista de mim mesma, nem posso fracassar...",
... "e quem me vê no palco tão serena/ tão segura e poderosa/ Radiante de emoções/ não pode adivinhar o meu trabalho: faxineira das canções!"...
Assim é que, muito antes do LP, eu já cantava com a Divina Elizeth, sem saber que fazia uma espécie de premonição daquilo que já vivi, ainda vivo e, com certeza, viverei – em pele, nervos, sangue e alma.
Há mais de 20 anos, depois de uma cirurgia para extrair um câncer na tireoide, por conta da pinçagem das minhas cordas vocais, perdi a voz. Até mesmo para falar. Os médicos, terroristas, me disseram que eu jamais voltaria a cantar... "Hã hã...", respondi. E lhes escrevi, num verso de receituário: "Pois que me aguardem!"
Um
ano e muitos exercícios depois, sem a ajuda de fonoaudiólogos ou de
quem quer que seja, simplesmente assoprando numa garrafa de cerveja
vazia, recuperei a voz plena para falar e... cantar! Não naquele tom de
estilhaçar cristais da Gal, em Índia, ou da Ângela Maria, em Babalu, ou da Tetê Epíndola,
que quebra espelhos até rouca... Acomodei-me na área de conforto dos
tons mais graves, assumindo a voz cavernosa, subterrânea, mas morna,
generosa e confortável dos contraltos femininos... E não está bom?
Por Lucia Helena Correa
Elizeth Cardoso jamais saberá, mas mudou a minha vida...
Pra dizer o mínimo, a maior cantora brasileira de todos os tempos – em Faxineira das Canções, de Joyce, e Camarim, de "Cartola, meu amor" [aspas de Lucia, por tratar-se também do nome de um show dela] e Hermínio Bello de Carvalho, ambas canções oficialmente lançadas em 1991 no LP Todo o Sentimento (Elizeth Cardoso & Raphael Rabello) – purga algumas das minhas mais dolorosas feridas... Algumas já cicatrizadas, outras nem tanto. ...
... "e quem me vê no palco tão serena/ tão segura e poderosa/ Radiante de emoções/ não pode adivinhar o meu trabalho: faxineira das canções!"...
Assim é que, muito antes do LP, eu já cantava com a Divina Elizeth, sem saber que fazia uma espécie de premonição daquilo que já vivi, ainda vivo e, com certeza, viverei – em pele, nervos, sangue e alma.
Há mais de 20 anos, depois de uma cirurgia para extrair um câncer na tireoide, por conta da pinçagem das minhas cordas vocais, perdi a voz. Até mesmo para falar. Os médicos, terroristas, me disseram que eu jamais voltaria a cantar... "Hã hã...", respondi. E lhes escrevi, num verso de receituário: "Pois que me aguardem!"
Lucia |
Hoje, na guerra pela sobrevida, atacada pela insuficiência renal crônica, sem Elizeth, ainda canto, cheia de conhecimento de causa: ... "artista de mim mesma, nem posso fracassar"... / ... "e quem me vê no palco tão serena/ tão segura e poderosa/ radiante de emoções/ não pode adivinhar o meu trabalho: faxineira das canções!"...
Vício do cachimbo. Não me perguntem o porquê (você, com certeza, sabe a resposta...), naquela época, há mais de 20 anos, afinando o instrumento, trabalho de luthier na minha própria carne, eu só ouvia Nina Simone e Nora Ney... Mas, principalmente, Elizeth Cardoso na música Camarim, obra-prima de "Cartola, meu amor", em parceria com Hermínio Bello de Carvalho [Lucia deixou link do youtube: aqui], e Faxineira das Canções, de Joyce, ambas presentes no álbum Todo o Sentimento, lançado apenas em 1991, muito depois da tempestade. Todo o "meu" sentimento é anterior ao registro da mídia.
Valeu, Elizeth!
Valeu, "Cartola, meu amor"!
Valeu, Joyce! Valeu!
Valeu, Oxum, deusa do canto choroso...
Tudo isso aí sou eu!
CAMARIM
Cartola – Hermínio Bello de Carvalho
No camarim, as rosas vão murchando
E o contrarregra dá o último sinal...No camarim, as rosas vão murchando
As luzes da plateia vão se amortecendo
E a orquestra ataca o acorde inicial.
No camarim, nem sempre há euforia...
Artista de mim mesma, nem posso fracassar
Releio os bilhetes pregados no espelho,
Me pedem que jamais eu deixe de cantar.
Caminho lentamente e entro em contraluz
E a garganta acende um verso sedutor.
O corpo se agita e chove pelos olhos
E um aplauso escorre em cada refletor.
Pisando esta ribalta, cantando pra vocês,
De nada sinto falta, sou eu mais uma vez
As rosas vão murchar, mas outras nascerão:
Cigarras sempre cantam, seja ou não verão.
FAXINEIRA DAS CANÇÕES
Joyce
Assim como quem cuida de uma casa,
Com capricho e com carinho,
Cuido bem da minha voz.
Que saia limpa e clara da garganta
E voe sempre mais veloz,
Lavando o coração de quem me escute,
Feito água cristalina, aliviando toda a dor
Tornando mais bonita a vida rude,
Faxineira do amor.
E assim esfrego o chão da minha alma
Até vê-la mais brilhante
Do que sala de jantar,
Que é pra bem receber os convidados,
Que começam a chegar...
E quem me vê no palco tão serena,
Tão segura e poderosa,
Radiante de emoções
Não pode adivinhar o meu trabalho:
Faxineira das canções!
***
Todo o Sentimento - Elizeth Cardoso e Raphael Rabello (1991 - Columbia)
Lado A
1. Faxineira das Canções / Camarim / Refém da Solidão
(Joyce) / (Cartola - Hermínio Bello de Carvalho) / (Baden Powell - Paulo César Pinheiro)
2. Todo o Sentimento
(Cristóvão Bastos - Chico Buarque)
3. Janelas Abertas / Canção da Manhã Feliz / Bom Dia
(Tom Jobim - Vinicius de Moraes) / (Haroldo Barbosa - Luiz Reis) (Herivelto Martins - Aldo Cabral)
4. Doce de Coco
(Jacob do Bandolim - Hermínio Bello de Carvalho)
Lado B
1. Modinha
(Tom Jobim - Vinicius de Moraes)
2. No Rancho Fundo
2. Todo o Sentimento
(Cristóvão Bastos - Chico Buarque)
3. Janelas Abertas / Canção da Manhã Feliz / Bom Dia
(Tom Jobim - Vinicius de Moraes) / (Haroldo Barbosa - Luiz Reis) (Herivelto Martins - Aldo Cabral)
4. Doce de Coco
(Jacob do Bandolim - Hermínio Bello de Carvalho)
Lado B
1. Modinha
(Tom Jobim - Vinicius de Moraes)
2. No Rancho Fundo
(Ary Barroso - Lamartine Babo)
3. Violão / Violão Vadio
(Vitório Júnior - Wilson Ferreira) / (Baden Powell - Paulo César Pinheiro)
4. Chão de Estrelas / Consolação
(Silvio Caldas - Orestes Barbosa) / (Baden Powell - Vinicius de Moraes)
(Silvio Caldas - Orestes Barbosa) / (Baden Powell - Vinicius de Moraes)
Duas deusas: Elisete e Lucia Helena...
ResponderExcluirVocê é um amor, Denilson... Saudade! LHC
Excluir... e chegando mais um pra completar essa bela trinca de vozes!
ExcluirAbraços,
Léo.
Lucia Helena, com o perdão da paráfrase, é um sonho que a gente tem! :)
ResponderExcluirBeijos,
Danny.
Danny, a paráfrase está, mais que perdoada, corroborada.
ResponderExcluirBeijos,
Léo.
Danny e Leo, vocês me emocionam. Obrigada pela atenção e carinho de sempre. Lucia Helena Corrêa
ResponderExcluirLucia, a recíproca é mais que verdadeira!
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